Na reta final das eleições, uma campanha diferente está sendo vista nas ruas e no horário eleitoral do Acre. Por uma decisão de 2009 do Congresso Nacional, no dia 31 de outubro o eleitor do Estado terá de votar não apenas nos candidatos à Presidência da República, mas também na mudança –ou não– do fuso horário vigente no Estado.
Nas avenidas de Rio Branco, panfletos são distribuídos aos pedestres, adesivos são colados nos carros e, na TV, o telespectador assiste, além dos programas tradicionais do PT e do PSDB, exibições que defendem os dois pontos de vista representados na consulta pública.
As votações serão feitas em urnas eletrônicas separadas –serão dois aparelhos por seção eleitoral. Em uma, o cidadão deverá escolher entre 13 (Dilma Rousseff, do PT) ou 45 (José Serra, do PSDB). Na outra, a disputa será entre o 55 e o 77, algarismos escolhidos pelos comitês que defendem o “sim” e o “não”, respectivamente, na alteração do relógio local. Será permitido anular ou votar em branco.
Com supervisão do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC), foram criados dois grupos responsáveis para cada chapa. A primeira, registrada sob o número 77, é chamada “Frente de resgate do nosso antigo horário”. A adversária, em referência ao seu número oficial, chama-se “Frente 55.”
Atualmente, por decisão da lei 11.662, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de abril de 2008, o Estado está a -1h de Brasília (-2h no horário de verão), e não mais - 2h (-3h no horário de verão), como era desde 1913.
Com a alteração, obtida com apoio do então senador e governador eleito Tião Viana (PT), esperava-se, entre outras coisas, diminuir a distância de fuso entre o Acre e o resto do país.
Nos bastidores políticos, há outro elemento que teria influenciado a decisão. Por conta da portaria 1220/2007, do Ministério da Justiça, as emissoras de TV foram obrigadas a mudar a grade de programação, como forma de garantir que programas adultos –como novelas noturnas, por exemplo– não fossem exibidas à tarde nos Estados do Norte, por conta do fuso.
Informações extraoficiais dão conta de que as entidades do setor da comunicação, impulsionadas por grandes emissoras, fizeram pressão para que, ao invés de alterar toda sua programação –gerando custos elevados–, fossem mudados apenas os ponteiros dos relógio dos telespectadores.
Nas argumentações que fez no Congresso, Viana sempre negou defender interesses de emissoras e afirmou que seu propósito era somente o de "facilitar a integração (do Acre) com o sistema financeiro do resto do país".
O rival político de Viana, o ex-governador e deputado federal Flaviano Melo (PMDB), apresentou um projeto de decreto legislativo. O texto foi aprovado na Câmara e no Senado, e, finalmente, determinou a realização de um referendo sobre o assunto.
Plataformas
Dessa forma, no próximo domingo, o morador do Acre terá de responder, apertando o número de sua chapa correspondente, ao seguinte questionamento: “Você é a favor da recente alteração do horário legal promovida no seu Estado?”
Caso os eleitores pró-alteração formem a maioria, o resultado será enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que irá informar a decisão do povo ao Congresso. Feito isso, segundo o TRE-AC, começará uma fase de estudo para discutir quando o ajuste no relógio será executado. Não há estimativa para isso, segundo o tribunal.
O coordenador da “Frente de resgate do nosso antigo horário” é Francisco Messias, professor escolar e funcionário do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Segundo ele, sua campanha está orçada em R$ 10 mil, custos arcados por sindicatos. “É tudo meio desorganizado. Não tem infraestrutura. O comitê é formado por umas cinco pessoas”, diz ele, responsável pelos santinhos, panfletos e adesivos.
Messias cita dois pontos de sua plataforma. “A primeira é democrática, já que nosso horário mudou sem que o povo fosse consultado. A segunda tem relação com as crianças, os alunos. Do jeito que estamos, muitas vezes está amanhecendo quase sete horas da manhã, mesmo horário que começam as aulas. As crianças são obrigadas a acordar e a pegar o transporte no escuro. É perigoso e influencia o desempenho”, diz.
Na oposição a Messias, está José Adriano Ribeiro, empresário da construção civil que, junto com outros aliados e com apoio da Associação Comercial, forma a chama da “Frente 55”. Segundo ele, foram investidos R$ 20 mil na campanha pela permanência do fuso atual no Estado. “Como temos a possibilidade de usar o horário eleitoral, criamos os programas na TV para explicar as ideias que nos embasam. Além disso, fizemos adesivos e santinhos explicando como votar”, conta.
Caixa-eletrônico
A ideologia do empresário tem um apelo mais capitalista. “O retorno ao antigo horário nos colocaria novamente fora do eixo econômico brasileiro”, diz ele. Como argumenta, o intervalo de três horas em relação a Brasília (no horário de verão) traz inúmeros prejuízos ao povo local.
“Quando são 22h em Brasília, são 19h aqui. Ou seja, depois desse horário, não podemos sacar mais de R$ 100 reais no caixa eletrônico. Isso atrapalha até quem pretende abastecer o carro na parte da noite, já que o uso de cartões nem sempre é oferecido pelos postos”, diz.
Ribeiro também defende que qualquer negociação comercial ficaria atrapalhada, caso fosse decidido pelo retorno ao fuso antigo. “Quando a pessoa volta do almoço em São Paulo, a gente está saindo para comer aqui. Tudo fica para o dia seguinte.”
O partidário do 55 também reclama do impacto do fuso para a avião comercial – “os aviões saem muito tarde de Rio Branco” – e também cita algumas questões menos técnicas para defender o voto em sua chapa. “Muitas vezes, quando vamos assistir partidas de futebol na TV, quando começa a transmissão, o jogo já começou, já que é difícil para as emissoras encaixar os telejornais locais com a grade nacional”, afirma.
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