Uma garota aparentando 20 e poucos anos entrou na cozinha com olhar entediado. Seu porte é pequeno, curvilíneo, e a primeira coisa que chama atenção é seu cabelo liso e preto azulado descendo displicentemente até a bunda. O look casual, composto por um shortinho e uma baby look com a expressão "Brasileirinhas" escrita em letras garrafais, denota um momento de tranquilidade. "Vem almoçar", chama uma senhora. A jovem me olha e dá um imperceptível "Oi" antes de começar a comer seu PF (arroz, feijão, bife e salada) servido pela mulher encarregada do rango. Um homem próximo à mesa ativa uma webcam montada em frente à garota e olha para ela como se desse aval para começar. Notando que eu estava dividindo minha atenção entre a moça e a câmera, o homem me manda um sorriso e me avisa: "Aqui todo mundo quer ver tudo". Esse foi meu primeiro contato com a Brasileirinhas, possivelmente a maior produtora pornô do Brasil.
Escondida em um condomínio de alto padrão nos arredores de Cotia, a Casa das Brasileirinhas está cercada de portões, paredes e cercas vivas altas para não chamar a atenção dos vizinhos. Os próprios funcionários evitam conversar alto e tomam cuidado para que o nome "Brasileirinhas" não escape para as suntuosas casas que dividem a rua. "Para não dar dor de cabeça", explica um deles.
A Brasileirinhas é um espectro onipresente no imaginário sexual do país. Não importa a idade, classe social ou origem, se você alguma vez viu pornô nacional, escutou o nome da produtora.
Eu mesma, ainda criança, antes de sequer sonhar em me interessar por pornografia, conheci a produtora em canais de putaria pay-per-view de TV a cabo. Não lembro o nome do filme, porém lembro com uma clareza a imagem de uma bunda gigantesca em zoom na tela revelando pequenas espinhas. Talvez isso não seja uma lembrança agradável, mas me impressionei por estar assistindo a um filme de sexo falado em português. Nos créditos finais, o nome que ficou fixado nos confins da minha pré-adolescência: Brasileirinhas.
Não é um mistério que a indústria brasileira de filmes adultos seja uma versão "gambiarra" da que existe nos EUA. Estamos falando de pouca grana movimentada, quase nada de fiscalização de conteúdo (exceto para zoofilia, pedofilia e outras parafilias consideradas crimes no Código Penal nacional) e pouquíssima informação sobre a história das produtoras que fizeram história.
A ida à Casa das Brasileirinhas foi programada para conversar com o porta-voz oficial da produtora, o diretor de marketing Fábio Dias, conhecido na internet como Fabão Pornô.
'O EMPREGO DOS SONHOS'
Enquanto aguardava a chegada de Fábio Dias, os funcionários me deixaram no jardim. Além da atriz de cabelos compridos perambulando pela casa cheia de câmeras, Angel Lima (ganhadora do prêmio de Melhor Atriz na edição do Prêmio Sexy Hot de 2015) circulou algumas vezes por ali com um olhar de quem procurava por alguém.
No outro lado da piscina, havia um quiosque reservado para churrascos, o que me pareceu uma possibilidade bastante remota até eu ver o lançamento recente da produtora, "Entre Picas e Picanhas", dividindo o espaço com uma academia improvisada. Agora, a mesma garota de cabelos pretos (depois, descobri que seu nome é Bruna) estava com um shortinho mais curto do que o anterior, fazendo uma série simples de musculação. A câmera da casa estava montada no quiosque, onde a atriz começava a rotina de exercícios para os assinantes que estavam on-line a observando.
A música "Piradinha" tocava em repeat e em um volume próximo à turbina de um Boeing 747.
Depois de alguns minutos de espera e sofrimento, Fábio Dias apareceu. Após se servir de vodca com energético e acender um Marlboro vermelho, sentou em uma das esteiras para curar os efeitos da ressaca da noite anterior e começar a entrevista.
Com quase 67 mil seguidores no Twitter, Fabão alimenta a imagem de detentor da "melhor profissão do mundo" ao publicar fotos com as performers ostentando próteses generosas de silicone, bebidas "masculinas" como Jack Daniel's e cervejas, muito futebol e eventualmente algum comentário político criticando o governo Dilma. É mais comum para ele ver uma transa durante o horário de trabalho do que fazer um relatório ou uma planilha no Excel. Fabão ainda coordena toda a imagem visual da produtora, além de ser o porta-voz oficial para a grande mídia.
"Meu herói" é uma afirmação bastante comum vinda dos seus seguidores, a maioria pertencente ao público masculino e muito jovem —na adolescência ou saindo dela, no máximo. "Mas isso, para a empresa, é muito bom, especialmente por causa da exposição na televisão e também porque, quando querem falar com a gente, vão direto pra mim."
"A única coisa ruim é quando estou com meu filho", reclama o diretor de marketing. "Uma vez, [eu] estava na Comic-Con com ele, e veio gente falar comigo coisas tipo 'Bati muita punheta por sua causa, Fabão' do lado de um menino de seis anos. Com criança do lado é foda, né?"
Em contraponto à sua persona online, ao vivo Fábio rapidamente se mostra uma pessoa muito diferente. Estatura baixa, portando um bronzeado paulista (adquirido na luz fria de escritório) e com um pequeno foco de calvície no topo da cabeça, ele é uma pessoa tímida, talvez até um pouco desconfortável com a atenção recebida.
A tremedeira nas mãos revela certo grau de alcoolismo, que imediatamente é mencionado por ele, como se quisesse deixar tudo claro. Ele também adianta alguns detalhes que devem ser tópicos constantes de qualquer conversa inicial sobre sua função: "Não sou comedor, não sou desrespeitoso, e isso é só um trabalho como qualquer outro".
Separado duas vezes (uma oficial e outra não oficialmente), Fábio conta que o "emprego não ajudou" nas relações. "Eu até tinha cuidado de levá-las [as mulheres] pro escritório e nas festas pra mostrar que é trampo mesmo, mas, nas filmagens de carnaval, quando você chega com 30 tipos de perfume diferentes e com lantejoula no seu corpo, até explicar isso já era".
Solteiro há três anos, Fábio é esclarecido quanto a relacionamentos. "Eu não me namoraria", admite, "assim como não namoraria uma mulher que posta todo dia fotos com homens sem camisa. Eu sou muito ciumento."
Paulistano de nascença, Fabão foi o típico moleque adolescente de classe média-alta. Estudou em um colégio tradicional nos Jardins, teve mãe dona de casa e um pai ausente no lar, focado no negócio de concessionárias de carros. "Eu sempre fui da pá virada", conta Fábio. O padrão de vida polpudo terminou aos 15 anos graças a alguns investimentos errados do pai. Passou de estudante de colégio tradicional com uma garagem recheada de Mercedes a frequentador de colégio público junto a uma série de dificuldades financeiras que permeavam a vida familiar.
"Foi quando eu descobri onde ficava o ponto de ônibus", relembra.
Nas conversas sobre sua família, é notável a admiração pelo pai, que morreu há poucos anos. O peso da ausência do pai é notável, embora não chegue a prejudicar a admiração pelo seu velho que, assim como o filho, mantinha um gosto pela farra.
Fábio se formou em Marketing na Anhembi com 20 anos. Chegou a cursar outra faculdade, mas acabou largando. Além disso, só trabalhou em agência "top", porém odiava o ambiente publicitário. "Quando falo que o pornô é melhor que a publicidade, ninguém acredita, mas é. Muita droga, muito estresse —e todo mundo quer foder com todo mundo."
A má experiência no meio publicitário —que rendeu uma porrada no diretor de arte da agência onde trabalhava— foi a porta de entrada dele para a indústria de filmes adultos. "Conheci o antigo dono da Brasileirinhas numa loja de carro onde meu pai trabalhava. Eu estava com o portfólio na mão para procurar emprego como assistente de arte. O dono me perguntou se eu sabia tratar imagem, tirar celulite, estrias, e me pediu para fazer o teste."
"Eu não pirava em pornô," relembra Fábio. "Fui pra uma locadora e fiquei lá duas horas olhando as capas para entender o padrão visual que eles queriam. Assim, fui pra casa e fiz. Lembro até hoje que a capa era para o filme 'Copacabana Girls'."
O trabalho não era fácil. "No começo, eu só fazia [filmes pornô de] dog, travesti e gay, até que o diretor de arte —que era meio louco— surtou de vez e eu assumi o cargo, ganhando mais e realizando o triplo do trabalho."
Fábio acompanhou praticamente todas as épocas gloriosas da produtora, sempre como diretor de arte, até que, em 2013, começou a aparecer na internet para dar uma cara à produtora. "E foi assim que surgiu a figura do Fabão Pornô. "Todo mundo fica decepcionado porque eu sou baixinho", diverte-se.
"Eu gosto da exposição, sou educado com todo mundo e tento desmitificar o mundo pornô do jeito que posso, mostrando que é um trabalho como qualquer outro, com funcionários e obrigações", completa.
A conversa começa a dar indícios de que vai terminar quando observamos a atriz de cabelos pretos malhando, agora completamente pelada.
"A gente costumava colocar banhos sensuais nas atividades das meninas, mas levamos uma comida de rabo dos assinantes por causa da crise hídrica", relata. As cenas de banho acabaram vetadas.
DISCOS, ZOOFILIA, CLAYTON NUNES E A INTERNET
O escritório principal da produtora, perto do surrealismo da casa, é um retorno ao mundo real. O local é arejado, sóbrio, com direito a sala de espera, mesas dividas em pequenas baias e uma agradável laje para onde Fabão escapa a fim de fumar. A única evidência de pornografia são as pastas de documentos da produtora, organizadas meticulosamente por nomes como "Carnaval" ou "Anal".
Cerca de 30 funcionários trabalham ali. Grande parte deles são mulheres, uma surpresa, já que a voz da produtora é exclusivamente masculina. Entretanto, elas não querem falar comigo. Minha suspeita é que a exposição negativa de trabalhar na indústria pornográfica atinja qualquer mulher, mesmo ela não sendo uma performer —o estigma no Brasil persiste. Resolvi respeitar minhas suspeitas e me restringi a apenas observar, quieta, os computadores das funcionárias, de onde eventualmente saltavam bundas, peitos, cus e vaginas nas telas.
"Começou com um erro", conta Fabão. O antigo dono, Luis Alvarenga, era dono de uma loja de discos que estava quase falindo na segunda metade dos anos 1990. Na época, a produção de sacanagem nacional ainda flertava com os restos deixados com o fim da Boca do Lixo, embora nem sonhasse com uma produção de larga escala. A pedido de um amigo, Luis começou a vender fitas VHS de pornografia. "Vendeu todos os pornôs, mas nada de discos."
Como um bom homem de negócios, Luis percebeu uma oportunidade crescendo em suas mãos. "Ele alugou ou comprou uma filmadora, uma coisa muito cara para época, e falou: 'Vamos continuar fazendo isso'."
A primeira oportunidade de gravar veio com o convite da Band para cobrir as gloriosas festas de carnaval que salpicavam a imaginação de qualquer moleque espinhento nas madrugadas de folia. O nome da produtora era "100% Nacional", e o primeiro escritório, uma casa alugada na Vila Mariana, se dedicava ao telemarketing para vender as fitas VHS dos carnavais.
Foi um pulo para começar a produzir filmes. "Era muito difícil copiar VHS na época; então, a pirataria ainda era uma realidade muito distante."
A virada do DVD foi essencial para o sucesso da produtora. No início, prensar DVD era caro e não vendia. "O aparelho era caro; e, quando alguém tinha, era na sala de casa. Quem vai ver um DVD pornô na sala de casa?" Assim que seu uso popularizou, os lucros dispararam.
Grande parte da produção das capas feitas por Fabão, desde que começou a trabalhar na produtora em 2002, era de filmes de zoofilia, um hit nacional e internacional de vendas da Brasileirinhas. "O que financiou a produtora no começo eram os filmes de dog. Vendemos para muita gente. Especialmente para o Leste Europeu."
A procura pelos vídeos de zoofilia era farta. "Ninguém queria produzir, mas sempre vinham uns caras pedindo, encomendando mesmo. Colocávamos um preço alto para não aceitarem, mas eles pagavam. E a gente fazia."
A produção por trás de um vídeo de zoofilia, segundo Fabão, era uma merda. Dava trabalho, era preciso achar gente disposta a fazer e animais como pôneis, cavalos, répteis e cachorros para participar.
"A única morte que aconteceu na Brasileirinhas foi de uma pobre cobrinha d'água que tinha de ser colocada e tirada da vagina da atriz." Ele conta que a performer colocava e tirava a cobra d'água do corpo para uma bacia cheia de água repetidas vezes, tentando evitar o estresse do réptil e o deixando respirar. Eventualmente, a cobra parou de se mexer.
"Nós paramos com os filmes de zoofilia depois que ficamos ricos", confessa o diretor de marketing. Somada também à engenhosidade de produzir os filmes (a maioria era feita no Nordeste), a tipificação do crime de zoofilia —além do desgosto da mulher de Alvarenga pelo gênero— fez com que as produções cessassem no começo dos anos 00.
A vinda da Blockbuster foi uma das grandes tempestades às quais a produtora sobreviveu. A rede de franquias norte-americana derrubou praticamente todas as locadoras de bairro que compravam as cópias de DVDs da produtora —e, para piorar, ela não permitia filmes pornográficos nas prateleiras.
Alvarenga encerrou de vez suas atividades na produtora em 2010. Esgotado graças ao impedimento de distribuir filmes pornográficos para locadoras menores (que garantia uma fatia generosa do lucro), à pirataria desenfreada dos conteúdos nos camelôs e à sua própria desconfiança com a internet, ele começou a passar a tocha para Clayton Nunes em 2007, à época editor do Sexsites.
Clayton teve a grande sacada de começar a distribuição dos DVDs pornôs a preços populares em bancas de jornal e postos de gasolina, o que foi importante para eliminar o estoque excedente de DVDs que empoeiravam em um armazém situado na Grande São Paulo. Além disso, foi um dos pioneiros na indústria de filmes adultos nacionais a acreditar que o futuro da sacanagem estava na rede mundial de computadores.
Antes de comprar a produtora, Nunes já nutria um relacionamento com a Brasileirinhas. Em 2001, ele começou a distribuir os filmes da produtora em bancas de jornal e, posteriormente, montou o primeiro site da produtora. Assumir o controle da empresa foi "natural", segundo ele, que conseguiu que a receita do conteúdo online superasse a venda de cópias físicas.
Administrador de empresas e "nerd", como ele mesmo se define, Clayton Nunes é um homem articulado e sorridente. Carregada por um sotaque paulista empresarial, sua fala consegue preencher todo o escritório da produtora. A imagem de Nunes reúne as características para que nossas mães e tias denominassem alguém como "um pão". Dentes brancos, barba por fazer, cabelos chegando aos poucos no grisalho e uma postura meio de bronco. O relógio brilhante, que pode ou não custar uma fortuna, repousava em um dos braços bronzeados.
Teoricamente, Clayton não gosta de aparecer e muito menos de dar entrevistas, porém ele não se incomodou com a presença do gravador ligado há quase uma hora e contou alegremente sobre as suas atividades profissionais.
Há anos, a tática de Nunes é comprar pequenos sites pornôs brasileiros que estão capengas. A Buttman Brasil, filial local da produtora de John Stagliano coordenada pelo pornógrafo Stanlay Miranda, foi uma das maiores compras da produtora em 2008. Em seguida, ele trouxe a Planet Sex e a Sexxxy pra dentro do monopólio. "Hoje, o que o consumidor brasileiro procurar do Brasil, é nosso", resume Clayton.
Em 2013, a produtora anunciou que pararia de produzir cópias de DVDs e iria se concentrar apenas no conteúdo online. O site da produtora conta com mais de 10 braços focados em diferentes conteúdos (amador, anal, transex e afins) e tem um acervo de mais de 2 mil cenas e 500 filmes. "São 5 milhões de acessos por mês", comemora o dono.
Como uma fênix capenga e depenada, renascendo das cinzas a cada crise com um membro a menos que não se recuperou do baque, a Brasileirinhas conta com 20 anos de existência em um mercado incipiente e muito pouco valorizado pelo público. Ela faz jus ao nome e não desiste nunca.
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