Embora a história oficial do rock brasileiro se concentre na jovem guarda para ilustrar a fase dos anos 60 e se firme nos Mutantes, Raul Seixas e Secos e Molhados nos anos 70, há muito mais psicodelismo, riffs inspirados e experimentalismo do que julga a nossa vã filosofia roqueira. Nos anos 60 e 70, uma profusão de bandas de rock, das mais variadas vertentes, pulsou em gravadoras, bailes e casas de shows. Algumas foram precursoras, outras chegaram a tocar em rádios, mas todas morreram às braçadas rumo ao sucesso.
O escritor Nélio Rodrigues, que já havia recontado a saga dos Rolling Stones no Brasil em "Sexo, Drogas e Rolling Stones", agora lança "Histórias Secretas do Rock Brasileiro" (editora Grupo 5W, R$ 49,90), nas livrarias há um mês, e resgata obras obscuras de grupos como A Bolha, Módulo 1000, O Terço, Os Lobos, Karma, Soma e Equipe Mercado.
"Quem fez sucesso em termo de rock brasileiro? Você conta em uma mão", observa o escritor, em entrevista ao UOL. "Existiu uma cena muito grande rolando e que, digamos assim, não merecia a atenção da grande imprensa. Houveram algumas revistas especializadas, mas, para os grandes jornais, esses artistas não mereciam toda a atenção que o pessoal da MPB ou da bossa nova mereciam. O rock era uma coisinha, tratada como algo menor."
Carioca, Nélio voltou à própria adolescência ao investigar as bandas que escutava na época e que embalavam os bailes na década de 1960: dos Analfabitles, que buscavam fazer covers fiéis às novidades daquele momento, ao Módulo 1000, que apresentava um nível de experimentalismo da mesma linha de bandas psicodélicas estrangeiras --e foi responsável por um dos shows mais potentes a que o escritor assistiu. Em comum, todas elas partilhavam os heróis --Beatles, Rolling Stones--, as drogas e a incerteza de ter a música como profissão. "A maioria estudava engenharia ou medicina, porque achava que não dava para viver de banda. O pessoal do Analfabitles, por exemplo. Foi todo o mundo para a engenharia."
Enquanto o amplificador estivesse ligado, no entanto, o som dessas bandas reverberava com intensidade e encontra ecos até hoje na música brasileira. Com o peso de um Black Sabbath e a piração progressiva no nível de Pink Floyd, o Módulo 1000 lançou o único álbum, "Não Fale com Paredes", em 1972. "Você imagina esse som naquela época?", questiona Rodrigues.
Mesmo com trabalhos interessantes, o autor aponta um certo amadorismo na indústria musical para o gênero. "Não tinha nada de radiofônico, nada de comercial, não tocava em lugar nenhum. Quem consumia [rock], comprava um disco do Led Zeppelin, do Black Sabbath, dos Rolling Stones, não comprava nacional. Às vezes porque não achava, ou porque não sabia que tinha saído ou porque não tocava em nenhum lugar e não passava na televisão. Então como você ia conhecer essa banda?"
A quantidade de fãs que assistiam aos shows não era assim tão grande, mas o burburinho que existia em torno de Equipe Mercado, Karma, Soma e Os Lobos era de uma cena de vanguarda em ebulição. "A Equipe Mercado era muito vanguardista e merecia muito mais atenção do que teve. Até por ser tão ousada e transgressora. Ninguém entendia na época, mas é maravilhoso. O Karma deixou um disco lindo. Se as bandas tivessem tido mais chance de gravar mais coisas... A Bolha poderia ter tido mais atenção, a Soma era uma banda espetacular. O disco de Os Lobos ['Miragem'] é genial."
Essas bandas vêm conquistando novos fãs nos últimos anos a partir de relançamentos na Europa, como o caso do Módulo 1000, ou a participação de coletâneas internacionais, como a "Brazilian Nuggets", que resgatam a cena musical psicodélica brasileira perdida de grupos como Os Baobás, uma das bandas do baixista Liminha, que se tornaria integrante de apoio de Mutantes e produtor musical. Esse resgate fez com que bandas como Os Lobos voltassem a fazer shows e outras, como A Bolha, tivessem seus compactos relançados em vinil.
Na época, no entanto, alguns músicos viram futuro na música. De O Terço, uma das bandas de maior sucesso da safra, saiu Flávio Venturini. Do Soma, o cantor Richie emplacou "Menina Veneno". Nélio acredita que Os Mutantes, que como tantas outras na época faziam covers, conseguiu escapar dessa armadilha pela relação que os paulistanos tinham com a tropicália. "De alguma maneira, eles tiveram a chancela de Caetano e Gil."
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