Com a estratégia da China de expandir sua indústria automobilística para países onde não há restrições à sua entrada, como nos Estados Unidos e na Europa, companhias chinesas chegaram ao Brasil com anúncios de altos investimentos e preços competitivos, levando marcas tradicionais a reduzirem os valores de seus produtos para não perderem mercado.
Num mercado em que sete das dez maiores fabricantes de automóveis perderam fatias de venda entre janeiro e outubro comparado a igual período de 2022, BYD e GWM conquistaram 1,2% de participação. As duas estão à frente de marcas tradicionais como Volvo, Audi e Mercedes-Benz
Ambas atuam apenas com carros híbridos e elétricos, nicho em que são responsáveis por 24% das vendas neste ano, que somam 67 mil unidades, 36% a mais do que em 2022. O mercado total cresceu 9,5%, para 1,37 milhão de unidades. A GWM iniciou vendas em maio e a BYD entrou no segmento de automóveis com um modelo em dezembro de 2021.
“Nosso objetivo é estar nas primeiras posições no ranking geral de vendas de carros no Brasil já nos próximos anos e, para isso, teremos de ocupar o espaço das montadoras que hoje estão na nossa frente no volume de vendas”, afirma Alexandre Baldy, conselheiro especial da BYD.
Mundialmente, a BYD está perto de ultrapassar a Tesla em vendas de carros elétricos. Juntando os híbridos, a marca já é líder em eletrificados. No Brasil, o grupo comprou a fábrica antes ocupada pela Ford, na Bahia, e iniciará a produção de modelos híbridos e elétricos no fim de 2024 ou início de 2025. O investimento em três unidades produtivas, incluindo uma de caminhões e ônibus, é de R$ 3 bilhões.
Só com modelos importados da matriz, a BYD já movimentou a concorrência. Seu hatch elétrico Dolphin começou a ser vendido em julho por R$ 149,8 mil e teve 3 mil encomendas, entregues nos três meses seguintes. Junto com outros modelos, vendeu 8.782 automóveis até outubro, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
Logo após a chegada do Dolphin, foi desencadeado um movimento de baixa de preços dos concorrentes diretos. O Renault Kwid E-Tech, que custava R$ 150 mil, teve o preço reduzido em R$ 10 mil em agosto e, neste mês, em mais R$ 16,5 mil, sendo oferecido agora a R$ 123,5 mil.
Também ficaram mais baratos o JAC JSI, de R$ 146 mil para R$ 136 mil em duas reduções, e o Caoa/Chery iCar, de R$ 150 mil para R$ 120 mil. A disputa nessa faixa está se acirrando com a chegada recente GWM Ora 3, que custa de R$ 150 mil a R$ 184 mil na versão mais esportiva que começa a ser entregue nesta semana.
A GWM adquiriu a planta da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP) e vai iniciar produção em maio do próximo ano com um modelo híbrido flex e, futuramente, elétricos. O grupo anunciou aportes de R$ 10 bilhões. Além do Ora 3, a marca vende o SUV Haval H6 por preços que vão de R$ 214 mil (híbrido) a R$ 315 mil (híbrido plug-in). Vendeu, em cinco meses, 7.324 automóveis.
O SUV chinês também levou as concorrentes a baixarem preços de modelos híbridos já produzidos no País e utilitários-esportivos a combustão da mesma faixa. O Corolla Cross híbrido XRX, fabricado no Brasil, tinha preço de tabela sugerido de R$ 211 mil em setembro, mas era oferecido aos consumidores por R$ 200,4 mil, segundo lojistas. O Compass S, da Jeep, custava na tabela sugerida R$ 233,8 mil em maio, mas nas lojas saía por R$ 221,8 mil. Em setembro era oferecido a R$ 201,8 mil.
“Fizemos nossa estreia no mercado brasileiro com um SUV (Haval H6) com muita tecnologia, multimídia e itens de segurança, coisas que o consumidor gosta, e com preço bom”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Institucionais da GWM. “Acabamos incomodando (outras marcas) porque chegamos precificando o mercado e elas tiveram de baixar seus preços.”
Bastos, que também preside Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), avalia que a volta do Imposto de Importação a partir de janeiro, ainda que gradual, vai levar as empresas a aumentarem os preços dos modelos importados.
Com isso, todas as marcas que alteraram suas tabelas também vão retomar os preços anteriores. “Vai haver uma correção geral de preços, inclusive de modelos a combustão fabricados no País”, afirma Bastos.
Besaliel Botelho, membro do conselho da Bright Consulting e ex-presidente da Bosch América do Sul, tem outra avaliação. “A política de exportação da China não tem nada a ver com impostos; eles vão continuar baixando preços porque querem dominar o mercado brasileiro”, diz.
O imposto para carros importados é de 35% mas, para os elétricos, está zerado desde 2015. Já os híbridos são taxados em até 4%. A partir de janeiro, haverá um retorno gradual, começando com 10% para os elétricos até chegar aos 35% em julho de 2026. Para os híbridos, a taxa partirá de 15% e, para os híbridos-plug-in, de 12%. Ambos também alcançarão a alíquota cheia em julho de 2026.
No início do mês, ao apresentar o balanço do setor automotivo de outubro, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, creditou a queda da produção ao aumento das importações.
De janeiro a outubro, as importações de veículos cresceram 27% em relação a igual período de 2022, ou 57,6 mil unidades. A produção caiu 0,6%, para 1,95 milhão de unidades, enquanto as vendas aumentaram 9,7%, somando 1,85 milhão de veículos.
“As importações inibem investimentos no País, pois enquanto tiver imposto zero para carros de fora, ninguém vai querer produzir aqui”, diz Leite, que defende a volta da cobrança integral do Imposto de Importação.
As exportações do setor caíram 12,8% nos dez meses do ano, com perdas principalmente para Argentina, Chile e Colômbia. “Se tivéssemos menos importações ou mantido o ritmo de exportação do ano passado, teríamos mais 60 mil unidades produzidas no Brasil”, diz Leite.
Nos últimos meses, o presidente da Anfavea tem manifestado preocupação com o aumento de carros chineses chegando ao País, especialmente de modelos elétricos e híbridos.
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