Já faz tempo que as empresas investem na oferta de qualificações para seus funcionários ou programas de trainee para recém-formados. Mas agora o mercado vem ampliando seus investimentos em educação: cria escolas técnicas ou graduações próprias, que miram formar profissionais para o médio e longo prazo.
O movimento, que lá fora ganhou o nome de employer university (uma universidade mais conectada ao empregador, em tradução livre), é mais forte em setores com mais carência de profissionais, como tecnologia e saúde. O modelo atrai jovens, que enxergam nos cursos integrados às empresas, que têm certificação no Ministério da Educação (MEC), uma porta de entrada para o mercado.
A XP Inc., empresa voltada para assessoria de investimentos, ingressou de cabeça no setor de educação em 2022 com a criação da Faculdade XP. A iniciativa é parte da estratégia da companhia de atração de talentos. Mas não com foco em vagas que já existem.
Segundo Paulo de Tarso, CEO da Faculdade XP, a estratégia é atrair profissionais para vagas futuras. “São pessoas que podem começar a trabalhar com a gente daqui a dois anos, mas que já vão orbitar em nosso projeto educacional”, diz.
Ele explica que há conexão grande da faculdade com a XP (desde a concepção dos cursos à entrega da formação). Além disso, o estudante aprende sobre negócios e ganha competências socioemocionais. Segundo Tarso, isso ajuda a solucionar uma demanda do mercado por profissionais do setor financeiro com essas habilidades.
“O mercado demanda por esses profissionais. Por isso, muitos alunos que estudarem na Faculdade XP vão ter carreira em outros lugares. E tudo bem, a gente desenhou o projeto para ser assim”, afirma.
Rodrigo Oliveira, de 21 anos, é estudante da 1ª turma da graduação de Ciência de Dados da Faculdade XP. Foi preciso abandonar sua faculdade anterior, também na área de tecnologia, para ingressar no curso da XP, em setembro. A decisão, segundo ele, valeu a pena, uma vez que sempre enxergou a companhia como uma inspiração. “Além de ser uma oportunidade para cursar universidade sem pagar, vi como uma chance de conseguir vaga na empresa”, conta.
E o plano deu certo. Desde junho, ele ocupa o cargo de assistente de Engenharia de Software dentro da XP. “Há muitas oportunidades dentro da empresa. Pretendo crescer por meio do que aprendo no dia a dia do trabalho e da faculdade. Quero fazer carreira aqui”, continua.
“Em uma faculdade tradicional, leva muito tempo para você aprender certas tecnologias que são utilizadas no dia a dia das empresas. E, às vezes, você nem chega a aprender”, diz. “Mas aqui tudo é muito voltado para o mercado de trabalho.”
A área de tecnologia, no entanto, enfrenta um cenário de alta evasão: 66,5% desistem do curso antes de acabar, como mostrou o Estadão.
De uma demanda parecida, nasceu o Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli), em fevereiro de 2022, com cursos de graduação voltados para inovação e empreendedorismo na área de computação.
O projeto teve investimento de Roberto Sallouti e André Esteves, sócios do banco BTG Pactual, após identificarem que era preciso formar profissionais com conhecimento técnico, mas também com habilidades para ocupar cargos de gestão e liderança.
“Percebemos que havia muitas empresas e iniciativas tentando resolver o problema para ingresso na área de tecnologia”, diz Maíra Habimorad, CEO do Inteli. “Mas quando olhamos para a capacitação desses profissionais, vimos que os cursos não entregavam formação para futuros líderes.”
O Inteli também aposta em um modelo de ensino voltado para o mercado. Maíra explica que os estudantes podem desenvolver competências de negócios (como finanças e técnicas de vendas), habilidades comportamentais (como trabalho em equipe e resolução de conflitos), além dos conhecimentos teóricos.
E isso acontece por meio de metodologia de ensino que, segundo ela, também está alinhada com o dia a dia de grandes empresas. “Criamos uma estrutura curricular, autorizada pelo MEC, que utiliza o ensino baseado em projetos”, afirma. “Os alunos trabalham com a resolução de problemas do mundo real, de diferentes tipos de organizações, que trazem seus desafios para os estudantes resolverem”, diz.
A iniciativa não é exclusiva para funcionários do BTG e a ideia não é que os formados pelo Inteli devam iniciar suas carreiras no banco. “O BTG deu o empurrão inicial, mas o Inteli não é apenas para o BTG. É uma iniciativa feita para a sociedade e para o mercado, inclusive para concorrentes do banco”, afirma.
Na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, vinculada ao hospital de mesmo nome, iniciativas próprias de ensino surgiram para capacitar funcionários do hospital, mas depois se expandiram. “Formamos muitos profissionais para fora de São Paulo, para outros hospitais. Temos alunos dos 27 Estados e de outros países também”, afirma Alexandre Holthausen, diretor-superintendente de ensino do Einstein.
A faculdade oferece graduações, pós, mestrado e doutorado, além de cursos técnicos, de curta duração e a distância. Todos, segundo Holthausen, levam em conta necessidades e oportunidades de mercado. “Os profissionais de saúde precisam de formação sólida, tanto do ponto de vista técnico, quanto do comportamental e humano”, diz.
A Faculdade do Hospital Albert Einstein oferece cursos de graduação em Enfermagem, Engenharia Biomédica, Fisioterapia, Administração de Organizações de Saúde, Medicina e Odontologia, com aulas presenciais (alguns cursos com carga horário integral). As mensalidades variam de R$ 2.320 a R$ 10.400. Para 2024, a expectativa é inaugurar o curso de Nutrição; em 2025, o de Psicologia. A Faculdade também oferece residência médica e multiprofissional, MBA, pós-graduação, cursos de curta duração e técnicos.
A instituição oferece três opções de ingresso: vestibular, ENEM e acesso internacional. O vestibular para a graduação do Einstein é realizado em fase única, que contempla a avaliação das competências acadêmicas por meio de prova objetiva e questões dissertativas. Pelo ENEM, a classificação é de acordo com o desempenho obtido nas provas de 2020 ou 2021. Também são aceitos exames internacionais para admissão, como o Abitur e o International Baccalaureate.
Os alunos, desde o 1º semestre, entram em contato com a realidade: a grade curricular inclui atividades nas unidades de saúde administradas pelo Einstein. Para Holthausen, esse envolvimento acadêmico facilita a atração e retenção de talentos e melhora o posicionamento da instituição no mercado.
No caso da Rede D’Or, a decisão de investir em educação veio da interação entre os hospitais e o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), que nasceu em 2010, no Rio.
Segundo Cláudio Ferrari, diretor de comunicação do IDOR, a faculdade pretende formar um profissional orientado para a ciência e a pesquisa. “Sabemos que nem todo profissional formado prima por isso. Mas esse ambiente científico nos permite formar melhores profissionais. Tudo que o IDOR faz é acompanhado da pesquisa e da visão científica, porque isso forma um profissional de saúde mais completo”, explica.
A instituição oferece graduação em Psicologia (aberto em 2023), Tecnologia em Radiologia (2017) e Enfermagem (2022). E está nos planos um curso de Medicina. “Nosso sonho é abrir o curso no início do ano que vem, mas depende do trâmite do MEC”, diz Felipe Spinelli, diretor de ensino do IDOR.
Já a Faculdade Sírio-libanês, em São Paulo, vai inaugurar os cursos de graduação em Enfermagem, Psicologia e Fisioterapia no 1º semestre de 2024. As mensalidades variam de R$ 2.270,00 a R$ 3.995,00 e os cursos duram 5 anos.
A Escola da Nuvem surgiu em 2020, entre empresários do setor de computação em nuvem, com o objetivo de solucionar a demanda do mercado por profissionais capacitados.
“Temos uma escassez grande de profissionais que conhecem as ferramentas de nuvem da Microsoft e da Amazon”, afirma o empresário Flávio Rescia, co-fundador da Escola da Nuvem. “Universidades e cursos técnicos estão sempre um passo atrás, porque têm um movimento mais lento que o mercado.”
Por isso, ele diz que um dos cursos fornecidos pela escola é o de Fundamentos em AWS (a plataforma de serviços de computação em nuvem da Amazon, que é uma das empresas investidoras do projeto). O curso é online, gratuito e permite ao aluno aprender os principais conceitos da ferramenta por meio de aulas teóricas e práticas.
William dos Santos, de 20 anos, foi um dos alunos do curso. Ele é técnico em informática, por uma escola técnica pública e estuda Sistemas de Informação em uma universidade particular desde o início de 2022. “Não tive contato com a computação em nuvem. Nem no ensino médio, nem na faculdade”, relata. “Todos os profissionais daqui alguns anos vão precisar saber”, explica ele.
Além da Amazon, a maior investidora da Escola da Nuvem, 19 empresas, que utilizam soluções de computação em nuvem, também colaboram. Segundo Rescia, os alunos formados são indicados para potenciais vagas das empresas parceiras. A meta para esse ano, diz, é formar 3 mil novos alunos.
Para o especialista Fabrício Garcia, fundador da edtech Qstione, o movimento de empresas investindo em iniciativas próprias de educação é explicado pelo distanciamento entre as instituições de ensino superior e o mercado.
É comum que profissionais cheguem ao mercado sem conhecer a dinâmica das empresas. Ou sem habilidades para trabalhar em grupo, resolver conflitos e liderar times. Para ele, ao perceber essas carências que empresas iniciaram a capacitação de seus funcionários, com universidades corporativas.
“Mas, ao fazer esse movimento, perceberam que poderia ser uma boa estratégia de negócio, um ramo da própria empresa”, explica. “Isso levou a um segundo movimento, em que as companhias, percebendo a lacuna de ensino das universidades, investem no mercado educacional”, diz.
Segundo Garcia, é mais fácil para as empresas construir um currículo aderente ao meio corporativo. E isso serve de alerta para instituições tradicionais. “Elas vão precisar se remodelar a essa nova realidade e estar cada vez mais próximas do mercado”, destaca.
Tem graduações em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Ciência de Dados e Sistemas de Informação. São gratuitos para estudantes aprovados no processo seletivo, composto por duas fases.
Na 1ª etapa, prova teórica da XP Educação ou Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, (o candidato pode escolher), um questionário de motivação e um minicamp (treinamento de conceitos básicos de programação de software). Na 2ª fase, prova de conhecimentos gerais da XP ou é utilizada a nota do Enem, conforme escolha anterior do candidato. As aulas são em modelo a distância.
O valor da mensalidade é R$ 5,9 mil, mas Maíra explica que metade dos estudantes é bolsista (com isenção de 25% a 100%, segundo fatores socioeconômicos). O processo seletivo tem três etapas: prova de lógica e matemática; redações e avaliação de honras, méritos e atividades extracurriculares; e dinâmica em grupo. Duração de 4 anos, carga horária integral nos 2 primeiros e aulas presenciais.
A Faculdade IDOR está no Rio de Janeiro, em Botafogo. O ingresso pode ser por meio do Enem, mas também há vestibular próprio (com 30 questões de múltipla escolha de Língua Portuguesa, Matemática e Biologia, além de redação). As mensalidades custam R$ 3,8 mil, mas há políticas de desconto. Novos alunos têm 50% de desconto e 70% para colaboradores da Rede D’Or e seus filhos.
Para ingressar na instituição, há um processo seletivo. São levados em conta aspectos socioeconômicos e conhecimentos de lógica, matemática e fundamentos de rede. O interessado participa ainda de um questionário sobre vida e carreira e uma videoconferência. As inscrições são feitas pelo site da escola.
A Faculdade Sírio-libanês vai inaugurar os cursos de graduação em Enfermagem, Psicologia e Fisioterapia no 1º semestre de 2024. As mensalidades variam de R$ 2.270 a R$ 3.995 e os cursos têm duração de 5 anos.
Interessados podem participar do vestibular próprio da instituição, em 15 de novembro. A prova tem 60 questões objetivas e redação. Também será possível ingressar com a nota do Enem, desde que realizado em 2021 ou 2022. Exames internacionais, como o International Baccalaureate (IB) ou o Suite for Assessments (SAT), também são aceitos.
Há reserva de 10 bolsas para cada um dos cursos e leva em conta critérios socioeconômicos.
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