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PARÁBOLAS DO ZEN - FINAL


Aprendendo a esperar

Devido a uma casualidade que parecia intencional, reunimo-nos, certo dia, o mestre e eu, diante de uma taça de chá. A ocasião me pareceu propícia para um diálogo profundo. Abri meu coração: "Compreendo muito bem que a mão não deve abrir-se bruscamente no ato do disparo, mas, faça o que fizer, sempre me saio mal, não encontro solução. Quando estou com o arco estirado, chega um momento em que sinto que, se não disparar imediatamente, não resistirei mais à tensão. O que sucede, então? Fico sem poder respirar. E sou eu quem deve dispará-lo, porque não consigo esperar mais".

- O senhor acaba de me descrever com perfeição qual é a sua dificuldade. Sabe por que não pode esperar pelo momento exato do disparo e por que perde a respiração? O tiro justo no momento justo não ocorre porque o senhor não sabe desprender-se de si mesmo, um acontecimento que deveria ocorrer de maneira independente, pois, enquanto não suceder, a mão não se abrirá de maneira adequada.

- Então, o que devo fazer?

- Tem que aprender a esperar.

- Como se aprende a esperar?

- Despreendendo-se de si mesmo, deixando para trás tudo o que tem e o que é, de maneira que do senhor nada restará, a não ser a tensão sem nenhuma intenção.

- Quer dizer que devo, intencionalmente, perder a intenção?

- Confesso-lhe que jamais um aluno me fez tal pergunta, de maneira que não sei respondê-la de imediato.

- Quando começaremos com novos exercícios?

- Espere até que chegue o momento.

Esse prolongado diálogo, o primeiro que mantínhamos desde o início da minha admissão às aulas, me deixou perplexo. Finalmente, eu e o mestre tocávamos no tema pelo qual eu me interessava ao decidir estudar a arte do arqueiro.

O primeiro passo já havia sido dado: graças a ele chegáramos ao relaxamento corporal, sem o que não é possível estirar o arco adequadamente. Porém, para que o tiro ocorra de forma apropriada, o relaxamento físico precisa se entrelaçar com o relaxamento psico-espiritual, com a finalidade não só de agilizar, como de liberar o espírito. Esse estado, em que não se pensa nada de definido, em que nada se projeta, aspira, deseja ou espera, e que não aponta em nenhuma direção determinada (e não obstante, pela plenitude da sua energia, se sabe que é capaz do possível e do impossível), esse estado, fundamentalmente livre da intenção e do eu, é o que o mestre chama de espiritual. Com efeito, ele está carregado de vigília espiritual e recebe também a denominação de verdadeira presença de espírito. Dia após dia, eu ia penetrando com maior facilidade na interpretação e na prática do tiro com arco e a executava sem esforço, como se o estivesse praticando num sonho.

Contudo, não conseguia me concentrar além do momento do disparo.

- Deixe de pensar no disparo - exclamava o mestre. - Assim, não há como evitar o fracasso.

- Eu não consigo evitar - repliquei. - A tensão é insuportavelmente dolorosa.

- Isso acontece porque o senhor não está realmente despreendido de si mesmo. Contudo, é tão simples... Uma simples folha de bambu pode ensiná-lo. Com o peso da neve, ela vai se inclinando aos poucos, até que, de repente, a neve escorrega e cai, sem que a folha tenha se movido. Como ela, permaneça na maior tensão até que o disparo caia: quando a tensão está no máximo, o tiro tem que cair, tem que se desprender do arqueiro como a neve da folha, antes mesmo que ele tenha pensado nisso.

Apesar de todos os meus esforços de abstenção e de não-intervenção, eu continuava a provocar o tiro deliberadamente, sem esperar que ele caísse. Esse fracasso continuado me deprimia muito, principalmente porque havia três anos eu me exercitava. Não nego que atravessei momentos penosos, durante os quais me perguntava se sacrificar o tempo daquela maneira - contra tudo o que eu aprendera até então - era justificável.

O bambu e a neve que cai

Veio-me à memória a observação jocosa de um compatriota. Ele me perguntou se não haveria no Japão algo mais valioso para fazer do que dedicar-se , anos a fio, a essa arte improdutiva. Na ocasião, achei a pergunta um tanto absurda, mas estava prestes a mudar de idéia.

Eu me preocupava com a realização do disparo verdadeiro, uma idéia fixa que me fazia esquecer cada vez mais o conselho do mestre, segundo o qual deveríamos praticá-lo única e exclusivamente com um recolhimento liberador. Analisando todas as possibilidades que pudessem explicar meus fracassos, cheguei à conclusão de que eles não se deviam à causa apontada pelo mestre, ou seja, à minha incapacidade de liberar-me de toda intenção e do meu próprio eu, mas porque os dedos da mão direita prendiam o polegar com firmeza excessiva. Eis aqui o ponto onde devo concentrar meus esforços, pensei. Eu havia encontrado uma solução simples para o problema. Se, uma vez estirado o arco, eu soltasse cuidadosa e lentamente os dedos que prendiam o polegar, chegaria o momento em que este, libertado, seria arrancado automaticamente da sua posição. O tiro, disparado de maneira fulminante, "cairia como a neve acumulada na folha de bambu".

Ao se iniciarem as aulas, o primeiro tiro já me pareceu excelente. Desprendeu-se suave e sem esforço. O mestre me olhou por um momento e, hesitante, como quem não crê no que está vendo, ordenou. "Mais uma vez, por favor!" O segundo tiro me pareceu superar o primeiro. Então, sem dizer uma única palavra, o mestre se aproximou, tomou o arco das minhas mãos e, dando-me as costas, sentou-se numa almofada. Compreendi o que isso significava e retirei-me.

No dia seguinte, o mestre, por intermédio do professor Komachiya, avisava-me de que se recusava a continuar com suas lições porque eu o havia enganado. Entristecido por essa interpretação do mestre, expliquei ao seu mensageiro como me havia ocorrido aquela maneira de disparar. Graças à sua intervenção, o mestre reconsiderou sua atitude, mas com a condição expressa de que eu prometesse jamais violar o espírito da Doutrina Magna.

Continuava impossível para mim permanecer sem intenção dentro, como se fosse possível escapar de um caminho por demais viciado, até que, um dia, perguntei ao mestre:

- Como o disparo pode ocorrer se não for eu que o fizer acontecer?

- Algo dispara - respondeu-me.

- Já ouvi essa resposta outras vezes. Modifico a pergunta: como posso esperar pelo disparo, esquecido de mim, se não posso estar presente?

- Algo permanece na tensão máxima.

- E o que é esse algo?

- Quando o senhor souber a resposta não precisará mais de mim. E se eu lhe der alguma pista, poupando-o da experiência pessoal, serei o pior dos mestres. Por isso, não falemos mais. Pratiquemos!

Certo dia, depois de um tiro executado por mim, o mestre fez uma profunda reverência e deu a aula por terminada. Diante do meu olhar perplexo, disse: "Algo acaba de atirar".

Como era possível que os tiros se produzissem sem minha intervenção, por si mesmos? Como era possível que minha mão direita, firmemente fechada, se abrisse sem que eu soubesse e ainda não saiba explicar? A verdade é que era dessa forma que as coisas ocorriam. E isso é o que importa.

O alvo e a flecha

Ao anunciar que iríamos passar para a prática de novos exercícios, disse-nos o mestre: "Parece-me que a parte mais difícil terminou. Trataremos, agora, de praticar o tiro ao alvo". Até então, o alvo era um disco de palha prensada, apoiado num cavalete de madeira, distante do arqueiro o equivalente ao comprimento de duas flechas. O novo alvo, porém, estava a distância de 60 metros, apoiado numa colina de areia com uma larga base, cercado por três paredes.

O mestre nos demonstrou o tiro no novo alvo: suas duas flechas se cravaram bem no centro. Em seguida, convidou-nos a executar a cerimônia, sem nos deixar influenciar pela presença do alvo. Nossas delgadas flechas de bambu não atingiam sequer o banco de areia, fincando-se no chão alguns metros antes.

- Suas flechas não atingem o alvo - observou o mestre - porque espiritualmente não percorrem grandes distâncias. Comportam-se como se o alvo estivesse a uma distância infinita.

Com o tempo, meus tiros já não eram tão curtos, apesar de não atingirem o alvo. Foi isso que me fez perguntar ao mestre por que não nos havia ensinado como mirar. Deveria existir uma relação entre o alvo e a ponta da flecha.

- Naturalmente que existe - afirmou o mestre. - E não lhe será difícil descobrir por si mesmo. Porém, se quase todas as suas flechas atingirem o alvo, o senhor não será outra coisa além de um artista que se exibe ao público.

Durante aquele período, cursei a escola mais dura da minha vida e se ainda me era difícil adaptar-me, compreendia, com o passar do tempo, o quanto devia ao mestre. Suas lições aniquilaram em mim os últimos vestígios da necessidade de me ocupar comigo mesmo e com as flutuações do meu estado de espírito.

- Compreende agora - perguntou-me o mestre certo dia, depois de eu haver dado um tiro especialmente feliz - o que quer dizer algo dispara, algo acerta?

- Temo - respondi-lhe - que já não compreendo nada. O mais simples me parece o mais confuso. Sou eu quem estira o arco ou é o arco que me leva ao estado de tensão? Sou eu quem acerta no alvo ou é o alvo que acerta em mim? O algo é espiritual, visto com os olhos do corpo, ou é corporal, visto com os do espírito? São as duas coisas ao mesmo tempo ou nenhuma? Todas essas coisas, o arco, a flecha, o alvo e eu estamos enredados de tal maneira que não consigo separá-las. E até o desejo de fazê-lo desapareceu. Porque, quando seguro o arco e disparo, tudo fica tão claro, tão unívoco, tão ridiculamente simples...
- Nesse exato momento - interrompeu-me o mestre - a corda do arco acaba de atravessá-lo por inteiro.

Frases

"Concentre-se só na respiração, como se não tivesse de fazer mais nada"

"Não compreendo mais nada. Sou eu quem acerta o alvo ou é o alvo que acerta em mim?"

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