INTRODUÇÃO
Após ter recebido convite para participar desta mesa redonda e ao tomar conhecimento do tema desta Plenária: “Ecologia Social: um saneamento dos grupos humanos”, a minha primeira reação foi de espanto. O que quer dizer isso? O que vem a ser isso? E dentro deste espanto o que mais me intrigou foi a palavra saneamento. O que quer dizer isto neste contexto? Passei então a refletir mais demoradamente sobre estas questões e fui ficando convencido que este tema nos dará oportunidade de boas reflexões sobre nossa área e nossa linha de trabalho.
DESENVOLVIMENTO
A primeira questão que gostaria de levantar é a sobre se temos ou não, do ponto de vista da Gestalt-terapia, o direito e/ou o dever de legislar sobre o outro. Este é um tema central e importante. Em um texto que escrevi a muitos anos atrás (Martins, 1982), sustentei que o homem é o único animal que classifica, que nesta classificação existe grande quantidade de arbítrio e que o sujeito classificador parece buscar exercer uma influência no sujeito classificado. Sabemos também, todos nós, que as psicopatologias acabam constituindo-se em tentativas de legislar sobre os outros. Possivelmente todos aqui conhecem as denúncias feitas por Basaglia (1970), Goffman (1974) e Szasz (1976, 1977), entre outros autores que refletiram sobre tais questões.
A Gestalt-terapia, que é alicerçada em uma postura humanística, existencial e fenomenológica não pode, por uma necessidade de coerência e congruência, de forma alguma, apoiar posições legisladoras sobre o homem. Relembrem-se do texto “O existencialismo é um humanismo” de Sartre (1978), onde ele nos coloca que o homem no início nada é, e posteriormente será aquilo que fizer de si mesmo; que o homem não tem legislador além dele próprio; que não há natureza humana; e que nós somos condenados a sermos livres pelas escolhas que realizamos.
Sobre esta primeira questão, de termos ou não direito e/ou dever de legislar sobre o outro, advogo que não o temos, mas paradoxalmente somos tentados a fazê-lo rotineiramente. Como elucidar este nó? Mais a frente tentarei sugerir um caminho.
A segunda questão que quero focalizar é a questão do saneamento que a meu ver decorre da primeira, ou seja, de legislar sobre o outro.
Mestre Aurélio nos fala que sanear é: [do latim sanu “são” + ear] 1.tornar são, habitável ou respirável: O governo pretende sanear pântanos. 2.Curar, sarar, sanar: sanear enfermos. 3.Remediar, reparar: o jovem governador dispôs-se a sanear os erros da administração anterior. 4.Restituir ao estado normal; tranqüilizar: A medida saneará os ânimos exaltados. 5.Pôr ou estabelecer em princípios morais estritos: Sanear uma administração. 6.Pôr cobro a; desfazer: É impossível sanear tanta corrupção sem medidas enérgicas. 7.Perdoar, desculpar. 8.(Desuso). Reconciliar-se, congraçar-se. O mesmo velho Aurélio nos diz que Saneamento é o ato ou efeito de sanear.
Exceto pela idéia de que sanear implica em congraçamento, cujo emprego com este sentido em nosso idioma é raríssimo, todas as demais idéias implícitas em saneamento caracterizam-se por corrigir algum defeito no outro. Dá-nos também a idéia de uma ação de limpeza. Parece que há algo sujo aí e que o saneador seria o agente desta limpeza. Vejam como é bom podermos refletir para, através do pensamento, não cairmos nas ciladas que o fazer desacompanhado do pensamento nos leva. Há poucos dias atrás todos nós ouvimos pela mídia que em Kosovo praticava-se uma “limpeza étnica”. Todos nós, mesmos os mais jovens aqui presentes, pudemos ter fartas notícias da “limpeza” praticada pelos nazistas; saneamento é isto aí.
Por outro lado, para complicar mais ainda a situação, talvez combatamos tais saneamentos com outros saneamentos iguais. Lembro-me que no julgamento de Nuremberg, quando Eichmman usou a palavra ele perguntou: “- Onde está Truman? Eu não vejo Truman”! Harry Truman era o presidente americano que ordenou o ataque a Hiroxima e Nagasaki. Com ironia, Eichmman apontava para outro genocídio também brutal, dessa feita praticado pelos vencedores.
Com tudo isto exposto acima, fica claro que a Gestalt-terapia não pode guardar co-relação com qualquer idéia de limpeza ou saneamento. Somos plurais, afirmamos a singularidade, exaltamos a liberdade, reconhecemos que cada um se faz, como pode se fazer aqui e agora.
Como uma terceira reflexão, depois de já ter me colocado contrário às idéias de legislar e sanear, vamos enfrentar o nó destas questões.
Que fazer com os comportamentos absolutamente contrários à vida humana? Como lidar com um assassino, ou um suicida, ou com um outro comportamento deste tipo? Esta não é uma questão fácil. Desdizer tudo que foi afirmado antes? E afirmar que os grupos humanos precisam sim de um legislador e de um saneador? Ou cair em um outro extremo de não enxergar que estas questões se apresentam a nós? Ou então lavar as mãos como Pilatos, passando a bola para outros profissionais, para a família ou para a polícia?
Não. Nenhum desses dois caminhos nos servem. Talvez a resposta para estas questões esteja na primeira parte da temática, isto é, na Ecologia Social. Vejamos se este caminho é profícuo.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Um sistema ecológico possui unidade e diversidade. A noção de sistema pressupõe uma interação de todas as suas partes, um equilíbrio dinâmico entre seus componentes. Um sistema está sempre em movimento e em mudança. Se entendermos nosso grupo humano como um sistema ecológico em interação com outros sistemas – como o da natureza, o de outros animais, por exemplo - talvez tenhamos pistas de como lidar com os comportamentos disruptivos.
A lógica de um sistema ecológico é a de, mais do que conviver com as diferenças, buscar uma “boa forma” de convívio com a diversidade, ou em outras palavras, a construção de uma configuração ...... de tudo quanto o que e quem somos. Para ilustrar lembro uma célebre frase de Einstein quando perguntado sobre o possível caos que seria o Universo, com bilhões de planetas, órbitas, forças gravitacionais, tempo, espaço, buraco negro, etc, ao que ele respondeu: “Deus não joga dados!”
Einstein captou e buscou nos transmitir uma lógica equifinalista no Universo. O sistema parece possuir um destino e um itinerário harmonioso. Tal destino e tal caminho contudo não excluem nascimentos e mortes de estrelas, choques entre planetas, cometas, etc. Todos estes acontecimentos fazem parte de um grande sistema ecológico do universo. Estas disrupções ou acontecimentos traumáticos, se assim pudermos chamá-los, fazem absolutamente parte do sistema.
Voltando a refletir sobre os grupos humanos penso que o mesmo se dá. Constituímos uma extraordinária diversidade entre nós e dentro de nós. Nossas relações com os outros e conosco também buscam uma “boa forma”, uma configuração de tudo o quanto e o que somos, um ciclo de gestalten completas e acabadas.
Também aqui, neste sistema humano ecológico de interação, convivemos com extraordinárias diferenças. A esta hora, o que fazem as pessoas em Goiânia? Nós estamos aqui, aparentemente com muita afinidade entre nós. Sim de fato temos algumas, mas temos também muitas diferenças entre nós. E as outras pessoas? É óbvio e o sabemos todos nós, que alguns estão dormindo, outros fazendo amor, outras mais se prostituindo. Uns estão praticando solidariedade, outros assaltando. Enquanto uns matam, outros salvam. Nesta hora, alguns entram em contato com Deus, e como buscamos contato com Ele de diferentes formas! Alguns através de aiauasca, outros do jejum, outros mais através de orações, e como temos orações diferentes, sô! Eu falei sô? Mas sô é maneirismo mineiro, uai! E estamos em Goiás, e eu sou carioca e moro em Vitória! E como temos linguagens diferentes! E como praticamos esportes diferentes! Trabalhos diferentes! Namoros diferentes! Filhos diferentes! Amigos diferentes! Partidos diferentes! Idéias diferentes! Sanidades diferentes! Reflexões diferentes! E se sairmos de Goiânia para cidades diferentes? Países diferentes? Continentes diferentes? Culturas e povos diferentes?
Gente, nós somos poli, poli, poli! Gente nós somos re-gentes de nós!
Com tranquilidade advogo que nosso papel não é o de nos constituirmos em Saneagos, Sabespes, Cedaes ou Cesans da vida (companhias estaduais de saneamento). No princípio pode parecer assim: vamos sanear apenas os assassinos, mas depois inexoravelmente vamos estendendo nosso raio de ação, um abuso sexual aqui, um uso de droga acolá e, logo, logo, estaremos re-editando o facismo, pois, como disse magistralmente Caetano Veloso: Narciso acha feio o que não é espelho.
Nosso papel é o de disseminar o convívio com as diferenças, mostrar quão enriquecedor pode ser o contato com o diferente, com o plural. Aprender o sorver da diferença o elixir da vida! Con-viver, com o milionário, o mendigo, a dama e a prostituta, o conservador e o liberal, o malandro e o trabalhador, etc, etc.
E quanto ao assassino e o suicida, me perguntará meu interlocutor. O que fazer? A resposta que tenho, agora, é a de que assim como certas estrelas e planetas morrem ou colidem, também as pessoas entram em rotas de colisão e certamente sofrerão por isto. Isto faz parte do sistema ecológico. O que não existe é um planeta xerife dos outros ou homens xerifes dos outros. Pelo menos penso que a psicoterapia não deveria se prestar para isso.
A psicoterapia é a arte do encontro, do encontro em liberdade. Deste encontro em liberdade é que pode surgir a verdadeira transformação e mudança. Acredito que este seja o caminho para se lidar com os comportamentos disruptivos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Basaglia, F. (1970) Institution en Negation. Paris: Seuil
Goffman, E. (1974) Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva
Martins, A.E.O. (1982) Atitudes Frente ao Doente Mental: Influências do tipo de contato e
do nível de escolaridade. Brasília: UnB – Tese de Mestrado.
Sartre, J.P. (1978) O Existencialismo é um humanismo in Coleção Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural
Szasz, T.S. (1976) A fabricação da loucura. Rio de Janeiro: Zahar
Szasz, T.S. (1977) Ideologia e Doença Mental. Rio de Janeiro: Zahar
Após ter recebido convite para participar desta mesa redonda e ao tomar conhecimento do tema desta Plenária: “Ecologia Social: um saneamento dos grupos humanos”, a minha primeira reação foi de espanto. O que quer dizer isso? O que vem a ser isso? E dentro deste espanto o que mais me intrigou foi a palavra saneamento. O que quer dizer isto neste contexto? Passei então a refletir mais demoradamente sobre estas questões e fui ficando convencido que este tema nos dará oportunidade de boas reflexões sobre nossa área e nossa linha de trabalho.
DESENVOLVIMENTO
A primeira questão que gostaria de levantar é a sobre se temos ou não, do ponto de vista da Gestalt-terapia, o direito e/ou o dever de legislar sobre o outro. Este é um tema central e importante. Em um texto que escrevi a muitos anos atrás (Martins, 1982), sustentei que o homem é o único animal que classifica, que nesta classificação existe grande quantidade de arbítrio e que o sujeito classificador parece buscar exercer uma influência no sujeito classificado. Sabemos também, todos nós, que as psicopatologias acabam constituindo-se em tentativas de legislar sobre os outros. Possivelmente todos aqui conhecem as denúncias feitas por Basaglia (1970), Goffman (1974) e Szasz (1976, 1977), entre outros autores que refletiram sobre tais questões.
A Gestalt-terapia, que é alicerçada em uma postura humanística, existencial e fenomenológica não pode, por uma necessidade de coerência e congruência, de forma alguma, apoiar posições legisladoras sobre o homem. Relembrem-se do texto “O existencialismo é um humanismo” de Sartre (1978), onde ele nos coloca que o homem no início nada é, e posteriormente será aquilo que fizer de si mesmo; que o homem não tem legislador além dele próprio; que não há natureza humana; e que nós somos condenados a sermos livres pelas escolhas que realizamos.
Sobre esta primeira questão, de termos ou não direito e/ou dever de legislar sobre o outro, advogo que não o temos, mas paradoxalmente somos tentados a fazê-lo rotineiramente. Como elucidar este nó? Mais a frente tentarei sugerir um caminho.
A segunda questão que quero focalizar é a questão do saneamento que a meu ver decorre da primeira, ou seja, de legislar sobre o outro.
Mestre Aurélio nos fala que sanear é: [do latim sanu “são” + ear] 1.tornar são, habitável ou respirável: O governo pretende sanear pântanos. 2.Curar, sarar, sanar: sanear enfermos. 3.Remediar, reparar: o jovem governador dispôs-se a sanear os erros da administração anterior. 4.Restituir ao estado normal; tranqüilizar: A medida saneará os ânimos exaltados. 5.Pôr ou estabelecer em princípios morais estritos: Sanear uma administração. 6.Pôr cobro a; desfazer: É impossível sanear tanta corrupção sem medidas enérgicas. 7.Perdoar, desculpar. 8.(Desuso). Reconciliar-se, congraçar-se. O mesmo velho Aurélio nos diz que Saneamento é o ato ou efeito de sanear.
Exceto pela idéia de que sanear implica em congraçamento, cujo emprego com este sentido em nosso idioma é raríssimo, todas as demais idéias implícitas em saneamento caracterizam-se por corrigir algum defeito no outro. Dá-nos também a idéia de uma ação de limpeza. Parece que há algo sujo aí e que o saneador seria o agente desta limpeza. Vejam como é bom podermos refletir para, através do pensamento, não cairmos nas ciladas que o fazer desacompanhado do pensamento nos leva. Há poucos dias atrás todos nós ouvimos pela mídia que em Kosovo praticava-se uma “limpeza étnica”. Todos nós, mesmos os mais jovens aqui presentes, pudemos ter fartas notícias da “limpeza” praticada pelos nazistas; saneamento é isto aí.
Por outro lado, para complicar mais ainda a situação, talvez combatamos tais saneamentos com outros saneamentos iguais. Lembro-me que no julgamento de Nuremberg, quando Eichmman usou a palavra ele perguntou: “- Onde está Truman? Eu não vejo Truman”! Harry Truman era o presidente americano que ordenou o ataque a Hiroxima e Nagasaki. Com ironia, Eichmman apontava para outro genocídio também brutal, dessa feita praticado pelos vencedores.
Com tudo isto exposto acima, fica claro que a Gestalt-terapia não pode guardar co-relação com qualquer idéia de limpeza ou saneamento. Somos plurais, afirmamos a singularidade, exaltamos a liberdade, reconhecemos que cada um se faz, como pode se fazer aqui e agora.
Como uma terceira reflexão, depois de já ter me colocado contrário às idéias de legislar e sanear, vamos enfrentar o nó destas questões.
Que fazer com os comportamentos absolutamente contrários à vida humana? Como lidar com um assassino, ou um suicida, ou com um outro comportamento deste tipo? Esta não é uma questão fácil. Desdizer tudo que foi afirmado antes? E afirmar que os grupos humanos precisam sim de um legislador e de um saneador? Ou cair em um outro extremo de não enxergar que estas questões se apresentam a nós? Ou então lavar as mãos como Pilatos, passando a bola para outros profissionais, para a família ou para a polícia?
Não. Nenhum desses dois caminhos nos servem. Talvez a resposta para estas questões esteja na primeira parte da temática, isto é, na Ecologia Social. Vejamos se este caminho é profícuo.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Um sistema ecológico possui unidade e diversidade. A noção de sistema pressupõe uma interação de todas as suas partes, um equilíbrio dinâmico entre seus componentes. Um sistema está sempre em movimento e em mudança. Se entendermos nosso grupo humano como um sistema ecológico em interação com outros sistemas – como o da natureza, o de outros animais, por exemplo - talvez tenhamos pistas de como lidar com os comportamentos disruptivos.
A lógica de um sistema ecológico é a de, mais do que conviver com as diferenças, buscar uma “boa forma” de convívio com a diversidade, ou em outras palavras, a construção de uma configuração ...... de tudo quanto o que e quem somos. Para ilustrar lembro uma célebre frase de Einstein quando perguntado sobre o possível caos que seria o Universo, com bilhões de planetas, órbitas, forças gravitacionais, tempo, espaço, buraco negro, etc, ao que ele respondeu: “Deus não joga dados!”
Einstein captou e buscou nos transmitir uma lógica equifinalista no Universo. O sistema parece possuir um destino e um itinerário harmonioso. Tal destino e tal caminho contudo não excluem nascimentos e mortes de estrelas, choques entre planetas, cometas, etc. Todos estes acontecimentos fazem parte de um grande sistema ecológico do universo. Estas disrupções ou acontecimentos traumáticos, se assim pudermos chamá-los, fazem absolutamente parte do sistema.
Voltando a refletir sobre os grupos humanos penso que o mesmo se dá. Constituímos uma extraordinária diversidade entre nós e dentro de nós. Nossas relações com os outros e conosco também buscam uma “boa forma”, uma configuração de tudo o quanto e o que somos, um ciclo de gestalten completas e acabadas.
Também aqui, neste sistema humano ecológico de interação, convivemos com extraordinárias diferenças. A esta hora, o que fazem as pessoas em Goiânia? Nós estamos aqui, aparentemente com muita afinidade entre nós. Sim de fato temos algumas, mas temos também muitas diferenças entre nós. E as outras pessoas? É óbvio e o sabemos todos nós, que alguns estão dormindo, outros fazendo amor, outras mais se prostituindo. Uns estão praticando solidariedade, outros assaltando. Enquanto uns matam, outros salvam. Nesta hora, alguns entram em contato com Deus, e como buscamos contato com Ele de diferentes formas! Alguns através de aiauasca, outros do jejum, outros mais através de orações, e como temos orações diferentes, sô! Eu falei sô? Mas sô é maneirismo mineiro, uai! E estamos em Goiás, e eu sou carioca e moro em Vitória! E como temos linguagens diferentes! E como praticamos esportes diferentes! Trabalhos diferentes! Namoros diferentes! Filhos diferentes! Amigos diferentes! Partidos diferentes! Idéias diferentes! Sanidades diferentes! Reflexões diferentes! E se sairmos de Goiânia para cidades diferentes? Países diferentes? Continentes diferentes? Culturas e povos diferentes?
Gente, nós somos poli, poli, poli! Gente nós somos re-gentes de nós!
Com tranquilidade advogo que nosso papel não é o de nos constituirmos em Saneagos, Sabespes, Cedaes ou Cesans da vida (companhias estaduais de saneamento). No princípio pode parecer assim: vamos sanear apenas os assassinos, mas depois inexoravelmente vamos estendendo nosso raio de ação, um abuso sexual aqui, um uso de droga acolá e, logo, logo, estaremos re-editando o facismo, pois, como disse magistralmente Caetano Veloso: Narciso acha feio o que não é espelho.
Nosso papel é o de disseminar o convívio com as diferenças, mostrar quão enriquecedor pode ser o contato com o diferente, com o plural. Aprender o sorver da diferença o elixir da vida! Con-viver, com o milionário, o mendigo, a dama e a prostituta, o conservador e o liberal, o malandro e o trabalhador, etc, etc.
E quanto ao assassino e o suicida, me perguntará meu interlocutor. O que fazer? A resposta que tenho, agora, é a de que assim como certas estrelas e planetas morrem ou colidem, também as pessoas entram em rotas de colisão e certamente sofrerão por isto. Isto faz parte do sistema ecológico. O que não existe é um planeta xerife dos outros ou homens xerifes dos outros. Pelo menos penso que a psicoterapia não deveria se prestar para isso.
A psicoterapia é a arte do encontro, do encontro em liberdade. Deste encontro em liberdade é que pode surgir a verdadeira transformação e mudança. Acredito que este seja o caminho para se lidar com os comportamentos disruptivos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Basaglia, F. (1970) Institution en Negation. Paris: Seuil
Goffman, E. (1974) Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva
Martins, A.E.O. (1982) Atitudes Frente ao Doente Mental: Influências do tipo de contato e
do nível de escolaridade. Brasília: UnB – Tese de Mestrado.
Sartre, J.P. (1978) O Existencialismo é um humanismo in Coleção Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural
Szasz, T.S. (1976) A fabricação da loucura. Rio de Janeiro: Zahar
Szasz, T.S. (1977) Ideologia e Doença Mental. Rio de Janeiro: Zahar
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