Pierre Weil: Durante essa discussão eu me coloquei como educador do ponto de vista do telespectador, e estou um pouco com medo de que alguns já desligaram o aparelho diante do alto nível científico do debate, que é necessário e indispensável. Eu queria ressaltar a importância da sua presença aqui em termos mais simples. Para o telespectador... tem telespectadores que acreditam em Deus, acreditam em espiritualidade e tem outros que não acreditam em Deus, não acreditam... são os materialistas versus os espiritualistas. Entre os dois têm os que não sabem ou os que nem se interessem para isto. Nestas três categorias, a sua presença aqui tem uma importância muito grande. Ela tem uma importância porque nesse século que passou, nós estivemos assistindo a três grandes movimentos: o primeiro movimento, em que muitos espiritualistas, muitas pessoas que acreditavam em Deus, abalados pelas “provas”, pelas evidências da ciência, largaram a religião e só acreditaram na matéria. E nisso foram até muitos sacerdotes de várias religiões. Largaram a batina, largaram a sua fé e se transformaram em protagonistas do materialismo. Estamos assistindo, atualmente, a um movimento contrário. Eu tenho, por exemplo, dois amigos meus. Um, Mate, grande biólogo francês, largou a biologia e hoje ele é monge budista tibetano. O outro era astrofísico, colega seu, largou a astrofísica e hoje ele é rabino. Então estamos assistindo a um movimento contrário. A sua presença aqui apresenta uma terceira saída, e que me parece a mais conveniente e a mais razoável, a mais holística, que é a minha também. A sua, como Física Quântica, fez com que, vindo do materialismo, não caísse no extremo do espiritualismo, mas integrou os dois. Eu fiz isso também como psicólogo, através da psicologia transpessoal... o senhor através da Física Quântica, eu, através da Psicologia Transpessoal... e nos encontramos muito bem e nos abraçamos o tempo todo. A minha pergunta é uma pergunta pessoal: poderia contar para os telespectadores, em termos mais simples, o que fez com que Amit Goswami ficasse no meio do caminho e fizesse um encontro dentro dele, da razão da Física, da razão materialista, e do outro lado, da Intuição? Falou nos seus amigos místicos, mas pela minha experiência eu sei que a segurança pela qual eu falo, não é apenas racional, ela é baseada numa experiência chamada interior, chamada subjetiva, chame como quiser, d e luz, e de saber mais ou menos como que é esse mundo espiritual. Qual é a sua experiência que fez com que unisse, na sua pessoa, o lado masculino, racional, e o lado feminino, intuitivo, sentimental? O que aconteceu com a sua pessoa? Eu acho que isso nos vai reconciliar com os telespectadores.
Amit Goswami: Sim, obrigado. Esta é a questão fundamental. Às vezes, eu digo que todos nós, todas as pessoas, espectadores, cientistas, o orador, todos aqui, todos nós temos dois lados. Um é semelhante a Newton, que quer entender tudo em termos de objetividades, ciências e matemática, e o outro é William Blake, que é místico e ouve diretamente, intuitivamente, e desenvolve seu retrato do mundo baseado nessa percepção intuitiva. O que ocorre nessa integração, o que ocorreu por um tempo, mesmo antes de essa integração começar, é que começamos a entender a natureza da criatividade. E a falsa idéia de que cientistas só trabalham com idéias racionais e matemáticas, está, aos poucos, caindo. Einstein disse isso muito claramente: “Não descobri a Teoria da Relatividade apenas com o pensamento racional”. As pessoas não levam a sério tais declarações. Mas Einstein falou sério. Ele sabia que a criatividade era importante. Agora, quase cem anos de pesquisas sobre criatividade estão mostrando que os cientistas também dependem da intuição. Eles também dependem de visões criativas para desenvolver sua ciência. Nem tudo é racional, matemático; nem tudo é pensamento racional. Você perguntou sobre minha experiência pessoal. Eu já compartilhei a experiência fundamental pessoal que tive quando troquei... nem devo dizer que troquei, eu tive uma percepção. Não posso descrevê-la em termos de espaço-tempo. Eu estava fora do espaço-tempo, experimentando diretamente a consciência como a base do ser. É esse tipo de experiência que dá a base para ficarmos convencidos, para termos certeza de que a realidade é algo mais do que o espaço-tempo no mundo em movimento faz parecer. Este é o escopo fundamental para o ponto de encontro dos cientistas e espiritualistas. Porque os espiritualistas ouviram esse chamado, essa intuição, muito antes. Os cientistas também a ouviram. Mas por eles sempre expressarem suas percepções em termos de lógica, em termos de razão, isso ocorre mais tarde. Eles esquecem a origem de seu trabalho, a origem de sua percepção. Já para os espiritualistas, a percepção leva à transformação do modo de vida. Assim, eles nunca esquecem que foi a intuição que trouxe a felicidade, foi ela que os fez quem são. Essa é a diferença. Cientistas usam a intuição para desenvolver sistemas que estão for a deles, o que chamo de criatividade externa. E isso torna-se uma camuflagem dos verdadeiros mecanismos do mundo para eles. Enquanto espiritualistas mantêm-se com a percepção, mudam suas vidas, e incidentalmente, mudam o mundo externo. Mas eles sabem que aquela percepção que tiveram é a coisa fundamental que gere o mundo. Para eles, a consciência é cósmica, isto é algo determinado. Para os cientistas, a mesma descoberta é possível, mas eles ignoram o chamado e prestam mais atenção ao que ocorre no cenário externo. Acho que, se todos nós compartilharmos isso, o mundo poderá mudar. Agradeço pela pergunta. Estou disposto a compartilhar: escrevi um livro sobre criatividade, no qual conto minhas histórias pessoais. Em todos os meus livros conto minhas histórias pessoais. É importante compartilharmos nossas histórias pessoais, e acabar com o mito de que os cientistas são apenas pensadores racionais. Eles também têm percepções que vão muito além do pensamento racional.
Heródoto Barbeiro: Doutor Goswami, o senhor falou muito em Deus durante a primeira parte deste programa, e aqui no ocidente, quando se fala em Deus, se imagina que exista o seu contraponto. E aqui no ocidente se dá uma série de nomes a ele. Eu gostaria de saber como é que o senhor explica essa... se o senhor concebe a existência desse contraponto, dessas outras forças que não são necessariamente Deus.
Amit Goswami: Essa questão de Deus contra o Mal é interessante. Segundo a visão da Física Quântica, existem as forças da criatividade e as forças do condicionamento. Não falamos muito sobre isso, mas eu defendo a idéia que a Física Quântica nos dá, de que é a consciência cósmica que escolhe entre as possibilidades para trazer à realidade o evento real que ocorre. A questão é: então temos de entrar nesse estado incomum de consciência, no qual somos cósmicos, no qual escolhemos e, então... como entrar nessa consciência individual na qual somos uma pessoa? Na qual temos personalidade e caráter? Ao trabalharmos com a matemática disso, descobrimos que essa condição ocorre porque todas as nossas experiências aparecem após serem refletidas no espelho da nossa memória, muitas vezes. É essa memória que causa o condicionamento. Uma propensão a agir do modo como já agi antes. Uma propensão para responder a estímulos do modo como já respondi antes. Todas as pessoas sabem disso. Elas passam a manhã no cabeleireiro e o marido volta para casa e diz: “O que há para o almoço?”, sem notar o novo penteado da esposa, o que é muito irritante, tenho certeza. Mas esse condicionamento é o que nos torna indivíduos. Então, a questão é que, na Física Quântica, vemos claramente o papel da consciência cósmica, que eu chamo de “ser quântico”, no qual há criatividade, há forças criativas. E então perdemos essa criatividade, ficamos condicionados. E o condicionamento nos faz parecidos com máquinas. Assim, o mal maior que a nova ciência nos traz é o condicionamento. Pois é ele que nos faz esquecer a divindade que temos, o poder criativo que temos, a força criativa que realmente representa o que buscamos quando invocamos Deus. Mas isso também está incompleto. Essa questão pode ser estudada mais a fundo e há um escopo maior, trazendo idéias como emoções negativas e positivas. Assim, teremos uma exposição maior do Bem contra o Mal. Mas, de fato, a consciência cósmica inclui tudo. Esse é o conceito esotérico, não tanto exotérico, mas esotérico, por trás de todas as religiões, de que há apenas Deus, e que o Bem e o Mal são uma divisão, uma necessidade da criação, mas não é fundamental, ou seja, o diabo não é igual a Deus; o diabo é uma criação subsequente. É útil pensarmos em termos de Bem e Mal mas, às vezes, é preciso transcender isso, é preciso perceber que Deus é tudo. Esse é o cenário que a Física Quântica defende.
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