Entrevista concedida a Nova Escola (1/2001) peloo professor emérito e membro do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
NOVA ESCOLA - Um dos papéis da educação é formar cidadãos. Como a Geografia pode ajudar?
Aziz AB´SABER- A educação é o meio pelo qual a criança se integra ao processo civilizatório e à sociedade. Ela deve ter três bases: o domínio do saber acumulado, as oficinas de talentos e o conhecimento da região. É aí que entra a Geografia, com sua capacidade de ajudar o aluno a entender o local onde vive. Só assim ele poderá, mais tarde, atuar sobre esse ambiente. Por isso, todo professor precisa dominar seu entorno, sua população e seus problemas. Não basta saber o be-a-bá e usá-lo em leituras inconseqüentes de velhos livros didáticos.
NE - O que são as oficinas de talento?
AB´SABER- São espaços didáticos cuja função é estimular as crianças em algumas direções. Eu insisto que o foco da educação deve ser o estudo de soluções para problemas regionais. Na beira do Amazonas, é fundamental pensar na melhor forma de navegá-lo; no sertão do Nordeste, cabe às oficinas refletir sobre como conseguir água o ano todo. No Pantanal, a questão é estimular as formas de economia que protegem a
biodiversidade. Em todos os casos, o ideal é abrir caminho para unir o que as pessoas já sabem com o que podem descobrir, se forem incentivadas. A recuperação do conhecimento regional e um professor disposto a procurar e incentivar talentos podem mudar a realidade nacional. Esse é o papel do educador competente.
NE - Muitos professores já estão caminhando nessa direção?
AB´SABER- No geral, ainda não. O mais comum é investir em escolas técnicas ou em alfabetização. É preciso ensinar o aluno a diferenciar, entre tudo o que se pode aprender, as questões que realmente interessam a ele a partir do ambiente em que vive. Entre os professores de Geografia, porém, vejo avanços no que diz respeito a conhecer a região.
NE - O senhor propõe uma regionalização do ensino, o que contraria a Lei de Diretrizes e Bases e os Parâmetros Curriculares Nacionais...
AB´SABER- Sim, eu faço uma crítica aos mentores desses processos formais. Fazer leis baseadas em índices de repetência e regras gerais para um país de escala continental, com sociedade desigual e necessidades diferenciadas, não leva a nada. Na minha opinião, o papel do professor de Educação Básica deve ser o de incentivar os alunos a construir o conhecimento da região onde vivem, desde os limites territoriais até as características geográficas, econômicas e políticas. Essas informações servirão para ele se localizar como cidadão e sempre servirão de base para qualquer estudo de espaços maiores, as chamadas macro-regiões. Nesse sentido, um estudante da Bahia precisa conhecer as outras regiões do país. Isso é importante, claro. Na verdade, é um conhecimento acumulado e, portanto, menos fundamental que os objetos de estudo imediato. Por tudo isso, repito: o primeiro passo deveria ser incorporar a filosofia do processo que se baseia no saber local, investir na formação dos professores e, só então, exigir resultados melhores.
NE - Como, então, deve ser a formação do professor?
AB´SABER- Eu não concordo com o academicismo das universidades, que se enchem de conteúdo para currículo. Uma questão só deve ser escolhida para análise se tiver como finalidade a busca de soluções para ela. Como eu já disse, em Geografia isso está começando a se tornar comum. Por isso sou um geógrafo entusiasmado.
NE - Quem o influenciou na escolha da profissão?
AB´SABER- Um professor de História do ginásio. Ele me mostrou que os processos históricos não estão desligados do chão e dos alimentos cultivados. Na faculdade, História e Geografia eram ensinadas juntas. Não tive dúvidas na decisão. Eu precisava estudar as duas ciências, refletir sobre espaços que modificavam-se através dos tempos e estudar tempos diferentes no mesmo espaço.
NE - Qual foi sua primeira excursão científica?
Ab’ Saber - No primeiro dia de aula o professor Pierre Monbeig organizou um trabalho de campo. Saímos de São Paulo rumo a Itu, Salto, Campinas e Jundiaí. Até então, meu conhecimento geográfico se resumia a São Luiz do Paraitinga e arredores. Pensando melhor, aquela não foi minha primeira viagem marcante. Quando eu tinha 5 anos, meu pai nos levou até Ubatuba. Fomos a cavalo pela velha Estrada do Café, que estava abandonada. Eu ia em um lado do jacá (cesto usado para levar alimentos no lombo de animais) e meus irmãos menores, do outro. Passamos pelas fazendas que rodeavam a cidade, entramos na zona de transição, com produção agrícola de subsistência, passamos por terras particulares, mas sem uso. Na trilha, conhecemos a floresta que precede a serra do mar. Pingava muita água das folhas, pois essa é uma região úmida, como todo
setor de alto de serra. Ao fazer a excursão na faculdade, senti como se fosse a ontinuidade de um interesse que tinha brotado naquela viagem a Ubatuba.
NE - O senhor conhece o Brasil inteiro?
AB´SABER- Conheço todos os domínios geográficos. Só não fui ao Alto Solimões e ao Sul da Bahia. Minhas viagens sempre foram aventureiras. Num Carnaval, ainda jovem, fui de trem com o Miguel (Costa Júnior, geógrafo) para Aragarças, na divisa de Goiás com Mato Grosso. Saí do mar de morros rumo ao Brasil Central: chapadões enormes, vales em forma de veio aberto, florestas em forma de galerias imensas. Três cossistemas
formando uma família de ecossistemas dentro do corpo geral. Foi uma descoberta maravilhosa.
NOVA ESCOLA - Um dos papéis da educação é formar cidadãos. Como a Geografia pode ajudar?
Aziz AB´SABER- A educação é o meio pelo qual a criança se integra ao processo civilizatório e à sociedade. Ela deve ter três bases: o domínio do saber acumulado, as oficinas de talentos e o conhecimento da região. É aí que entra a Geografia, com sua capacidade de ajudar o aluno a entender o local onde vive. Só assim ele poderá, mais tarde, atuar sobre esse ambiente. Por isso, todo professor precisa dominar seu entorno, sua população e seus problemas. Não basta saber o be-a-bá e usá-lo em leituras inconseqüentes de velhos livros didáticos.
NE - O que são as oficinas de talento?
AB´SABER- São espaços didáticos cuja função é estimular as crianças em algumas direções. Eu insisto que o foco da educação deve ser o estudo de soluções para problemas regionais. Na beira do Amazonas, é fundamental pensar na melhor forma de navegá-lo; no sertão do Nordeste, cabe às oficinas refletir sobre como conseguir água o ano todo. No Pantanal, a questão é estimular as formas de economia que protegem a
biodiversidade. Em todos os casos, o ideal é abrir caminho para unir o que as pessoas já sabem com o que podem descobrir, se forem incentivadas. A recuperação do conhecimento regional e um professor disposto a procurar e incentivar talentos podem mudar a realidade nacional. Esse é o papel do educador competente.
NE - Muitos professores já estão caminhando nessa direção?
AB´SABER- No geral, ainda não. O mais comum é investir em escolas técnicas ou em alfabetização. É preciso ensinar o aluno a diferenciar, entre tudo o que se pode aprender, as questões que realmente interessam a ele a partir do ambiente em que vive. Entre os professores de Geografia, porém, vejo avanços no que diz respeito a conhecer a região.
NE - O senhor propõe uma regionalização do ensino, o que contraria a Lei de Diretrizes e Bases e os Parâmetros Curriculares Nacionais...
AB´SABER- Sim, eu faço uma crítica aos mentores desses processos formais. Fazer leis baseadas em índices de repetência e regras gerais para um país de escala continental, com sociedade desigual e necessidades diferenciadas, não leva a nada. Na minha opinião, o papel do professor de Educação Básica deve ser o de incentivar os alunos a construir o conhecimento da região onde vivem, desde os limites territoriais até as características geográficas, econômicas e políticas. Essas informações servirão para ele se localizar como cidadão e sempre servirão de base para qualquer estudo de espaços maiores, as chamadas macro-regiões. Nesse sentido, um estudante da Bahia precisa conhecer as outras regiões do país. Isso é importante, claro. Na verdade, é um conhecimento acumulado e, portanto, menos fundamental que os objetos de estudo imediato. Por tudo isso, repito: o primeiro passo deveria ser incorporar a filosofia do processo que se baseia no saber local, investir na formação dos professores e, só então, exigir resultados melhores.
NE - Como, então, deve ser a formação do professor?
AB´SABER- Eu não concordo com o academicismo das universidades, que se enchem de conteúdo para currículo. Uma questão só deve ser escolhida para análise se tiver como finalidade a busca de soluções para ela. Como eu já disse, em Geografia isso está começando a se tornar comum. Por isso sou um geógrafo entusiasmado.
NE - Quem o influenciou na escolha da profissão?
AB´SABER- Um professor de História do ginásio. Ele me mostrou que os processos históricos não estão desligados do chão e dos alimentos cultivados. Na faculdade, História e Geografia eram ensinadas juntas. Não tive dúvidas na decisão. Eu precisava estudar as duas ciências, refletir sobre espaços que modificavam-se através dos tempos e estudar tempos diferentes no mesmo espaço.
NE - Qual foi sua primeira excursão científica?
Ab’ Saber - No primeiro dia de aula o professor Pierre Monbeig organizou um trabalho de campo. Saímos de São Paulo rumo a Itu, Salto, Campinas e Jundiaí. Até então, meu conhecimento geográfico se resumia a São Luiz do Paraitinga e arredores. Pensando melhor, aquela não foi minha primeira viagem marcante. Quando eu tinha 5 anos, meu pai nos levou até Ubatuba. Fomos a cavalo pela velha Estrada do Café, que estava abandonada. Eu ia em um lado do jacá (cesto usado para levar alimentos no lombo de animais) e meus irmãos menores, do outro. Passamos pelas fazendas que rodeavam a cidade, entramos na zona de transição, com produção agrícola de subsistência, passamos por terras particulares, mas sem uso. Na trilha, conhecemos a floresta que precede a serra do mar. Pingava muita água das folhas, pois essa é uma região úmida, como todo
setor de alto de serra. Ao fazer a excursão na faculdade, senti como se fosse a ontinuidade de um interesse que tinha brotado naquela viagem a Ubatuba.
NE - O senhor conhece o Brasil inteiro?
AB´SABER- Conheço todos os domínios geográficos. Só não fui ao Alto Solimões e ao Sul da Bahia. Minhas viagens sempre foram aventureiras. Num Carnaval, ainda jovem, fui de trem com o Miguel (Costa Júnior, geógrafo) para Aragarças, na divisa de Goiás com Mato Grosso. Saí do mar de morros rumo ao Brasil Central: chapadões enormes, vales em forma de veio aberto, florestas em forma de galerias imensas. Três cossistemas
formando uma família de ecossistemas dentro do corpo geral. Foi uma descoberta maravilhosa.
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