NE - Quando o senhor conheceu o Nordeste, a região que mais mereceu sua atenção profissional?
AB´SABER- Foi durante uma reunião da Associação dos Geógrafos, no Recife. Todos diziam que não havia nada para ver no sertão. Era essa a visão da época. Fomos a Campina Grande e Patos, na Paraíba. Saímos dos tabuleiros, entramos na Borborema. Em seguida, o sertão dos Cariris Velhos. Descemos pela banda seca do planalto. De repente, avistamos o sertão verdadeiro. Aquela enorme planura ondulada, revestida por caatingas, com algumas rochas pontilhando os espaços. Descobri que o que se chamava de alto sertão era, na verdade, o rebaixamento dos relevos da região. Fiz questão de visitar todos os outros Estados com áreas áridas. Concentrei-me no conhecimento dessa região para analisar, discutir e, principalmente, criticar as propostas erradas.
NE - Como a vida acadêmica ajudou no desenvolvimento de suas pesquisas?
AB´SABER- Depois de concluir a faculdade, dei aulas em alguns colégios, mas logo comecei a especialização. Participei da fundação do Centro Capistrano de Abreu, que me abriu as portas para a Associação dos Geógrafos. Isso foi fundamental, pois me permitiu viajar, expor e publicar meus estudos. Além disso, aconteceu comigo um episódio que mostra como é importante o professor estar atento aos talentos de seus alunos. Keneth Kaster, da Cincinatti University, estava na USP para um período de dois anos como professor convidado do curso de pós-graduação em Geologia e paleontologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Ele era muito bom, mas tinha dificuldade de passar seu conhecimento das viagens de campo. Eu, quando repetia suas aulas para os colegas, acrescentava minhas observações. Reparando nisso, ele me chamou para conversar. Perguntou se eu era vaidoso, e, em seguida, se aceitaria o cargo de jardineiro, o único que estava vago no departamento, só para ser assistente dele. Pensei, pensei... e aceitei. Fiquei três meses no cargo, arrumando a biblioteca, aí passei para técnico de laboratório.
NE - E quando o senhor assumiu o cargo de professor?
AB´SABER- Eu tinha problemas de saúde e os exames médicos não me deixavam subir na carreira. Fui técnico de laboratório de 1946 a 1965. Já era mestre, doutor e livre-docente quando me tornei professor assistente. NE - O senhor hoje faz um trabalho diferente para um geomorfologista, estuda a periferia de São Paulo.
Por quê?
AB´SABER- Tenho feito isso por conta própria, desde o início do ano. Depois de várias discussões sobre menores em situação de rua, desperdício de alimentos e outros temas, alguns colegas me pediram para desenvolver um projeto para a periferia, a exemplo das vilas olímpicas construídas no Rio de Janeiro. Visitando aos sábados os lugares onde as crianças jogam bola na periferia, descobri que eles têm uma geografia. São terrenos públicos ou particulares, que podem virar minivilas olímpicas sem muito dinheiro. Basta plantar algumas árvores para delimitar o espaço, marcar as quadras e criar dois ranchos: um para mães com crianças pequenas; outro para adolescentes, com espaço para a prática de dança ou capoeira, por exemplo.
NE - Quem vai adquirir e assumir isso?
AB´SABER- A própria comunidade, com apoio dos órgãos competentes. As minivilas podem estar ligadas às escolas, que são bem distribuídas na periferia. O prédio escolar fica reservado às crianças, aos professores e à transmissão do conhecimento. Os centros de vivência passam a ser usados pela comunidade e para educação informal. Eu também instalaria um fogão para fazer uma feijoada, um sopão, um evento social. A emodelação
dos campinhos é o primeiro passo para a revitalização do entorno carente. Eu mesmo promovo eventos assim para testar. E dá certo. Com pouco dinheiro é possível mudar a geografia urbana.
NE - Como são suas aulas para essas crianças de periferia?
AB´SABER- Primeiro converso com as mães, nos campinhos. Depois, trabalho com os filhos. Certa vez levei prancheta, papel e lápis e pedi para as crianças criarem um desenho qualquer. Assim conheço a realidade local. Na segunda aula promovo um passeio pelo bairro, partindo da escola ou da praça mais próxima, para observar o
entorno, suas características e problemas. Peço que as crianças escrevam tudo o que vêem. E aí emprego todos os estímulos possíveis. Esse é o princípio da filosofia da escola nova: escolher a melhor maneira de incentivar os alunos e extrair o que eles têm de melhor.
AB´SABER- Foi durante uma reunião da Associação dos Geógrafos, no Recife. Todos diziam que não havia nada para ver no sertão. Era essa a visão da época. Fomos a Campina Grande e Patos, na Paraíba. Saímos dos tabuleiros, entramos na Borborema. Em seguida, o sertão dos Cariris Velhos. Descemos pela banda seca do planalto. De repente, avistamos o sertão verdadeiro. Aquela enorme planura ondulada, revestida por caatingas, com algumas rochas pontilhando os espaços. Descobri que o que se chamava de alto sertão era, na verdade, o rebaixamento dos relevos da região. Fiz questão de visitar todos os outros Estados com áreas áridas. Concentrei-me no conhecimento dessa região para analisar, discutir e, principalmente, criticar as propostas erradas.
NE - Como a vida acadêmica ajudou no desenvolvimento de suas pesquisas?
AB´SABER- Depois de concluir a faculdade, dei aulas em alguns colégios, mas logo comecei a especialização. Participei da fundação do Centro Capistrano de Abreu, que me abriu as portas para a Associação dos Geógrafos. Isso foi fundamental, pois me permitiu viajar, expor e publicar meus estudos. Além disso, aconteceu comigo um episódio que mostra como é importante o professor estar atento aos talentos de seus alunos. Keneth Kaster, da Cincinatti University, estava na USP para um período de dois anos como professor convidado do curso de pós-graduação em Geologia e paleontologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Ele era muito bom, mas tinha dificuldade de passar seu conhecimento das viagens de campo. Eu, quando repetia suas aulas para os colegas, acrescentava minhas observações. Reparando nisso, ele me chamou para conversar. Perguntou se eu era vaidoso, e, em seguida, se aceitaria o cargo de jardineiro, o único que estava vago no departamento, só para ser assistente dele. Pensei, pensei... e aceitei. Fiquei três meses no cargo, arrumando a biblioteca, aí passei para técnico de laboratório.
NE - E quando o senhor assumiu o cargo de professor?
AB´SABER- Eu tinha problemas de saúde e os exames médicos não me deixavam subir na carreira. Fui técnico de laboratório de 1946 a 1965. Já era mestre, doutor e livre-docente quando me tornei professor assistente. NE - O senhor hoje faz um trabalho diferente para um geomorfologista, estuda a periferia de São Paulo.
Por quê?
AB´SABER- Tenho feito isso por conta própria, desde o início do ano. Depois de várias discussões sobre menores em situação de rua, desperdício de alimentos e outros temas, alguns colegas me pediram para desenvolver um projeto para a periferia, a exemplo das vilas olímpicas construídas no Rio de Janeiro. Visitando aos sábados os lugares onde as crianças jogam bola na periferia, descobri que eles têm uma geografia. São terrenos públicos ou particulares, que podem virar minivilas olímpicas sem muito dinheiro. Basta plantar algumas árvores para delimitar o espaço, marcar as quadras e criar dois ranchos: um para mães com crianças pequenas; outro para adolescentes, com espaço para a prática de dança ou capoeira, por exemplo.
NE - Quem vai adquirir e assumir isso?
AB´SABER- A própria comunidade, com apoio dos órgãos competentes. As minivilas podem estar ligadas às escolas, que são bem distribuídas na periferia. O prédio escolar fica reservado às crianças, aos professores e à transmissão do conhecimento. Os centros de vivência passam a ser usados pela comunidade e para educação informal. Eu também instalaria um fogão para fazer uma feijoada, um sopão, um evento social. A emodelação
dos campinhos é o primeiro passo para a revitalização do entorno carente. Eu mesmo promovo eventos assim para testar. E dá certo. Com pouco dinheiro é possível mudar a geografia urbana.
NE - Como são suas aulas para essas crianças de periferia?
AB´SABER- Primeiro converso com as mães, nos campinhos. Depois, trabalho com os filhos. Certa vez levei prancheta, papel e lápis e pedi para as crianças criarem um desenho qualquer. Assim conheço a realidade local. Na segunda aula promovo um passeio pelo bairro, partindo da escola ou da praça mais próxima, para observar o
entorno, suas características e problemas. Peço que as crianças escrevam tudo o que vêem. E aí emprego todos os estímulos possíveis. Esse é o princípio da filosofia da escola nova: escolher a melhor maneira de incentivar os alunos e extrair o que eles têm de melhor.
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