Como um gênero essencialmente masculino como o cinema pornô pode se relacionar com o #MeToo, o movimento que inundou as redes e expôs milhares de casos de abuso sexual em Hollywood e no mundo? Seria um contrassenso? Não. E quem tem a resposta é a premiada cineasta sueca Erika Lust.
Famosa por discutir a igualdade de gênero em suas produções, a diretora vem ganhando nome no circuito alternativo de festivais com a série de curtas “XConfessions”, baseada em histórias sexuais de pessoas comuns. Nesses eventos, quase sempre lotados, além de exibir os filmes, ela costuma debater com o público sobre o que seria o novo papel do cinema adulto no século 21.
O recado que ela tem a passar: no cinema e na vida, transa consentida é a única transa possível. Outra lição: na cama, satisfazer a si mesmo é tão importante quando satisfazer o parceiro. "Filmes explícitos nos ajudam a construir nossas visões de prazer e desejo", reflete Eika Lust em entrevista ao site “Mashable”, frisando a importância desse tipo de filme. "O pornô é um discurso sobre como interagimos sexualmente, sobre papéis de gênero, masculinidade, feminilidade."
Os filmes da diretora, que vem revolucionando o pornô, estão inseridos em um contexto feminista que, entre outros pontos, pretende transformar as bases da indústria do cinema adulto, quase totalmente dominada por homens. Para conseguir isso, ela quer instituir práticas mais éticas e igualitárias na produção, ressaltando que, hoje em dia, o prazer feminino deve ser um pré-requisito nesse meio.
"Quando falamos de pornografia, geralmente estamos falando apenas de um pequeno grupo de homens heterossexuais, brancos e de meia-idade” afirma ela, que faz uma distinção entre entre a pornografia "mainstream", mais clichê, e a cena indie do cinema adulto, de experimentações. "Chegou a hora: agora, é a nossa vez de fornecer uma alternativa sobre as ideias de sexualidade. É nisso que estou trabalhando."
Confissões
Criado em 2013, o projeto “XConfessions” nasceu quando a Erika Lust pediu a mulheres que revelassem anonimamente na internet suas fantasias sexuais mais profundas, sombrias e emocionantes. Com as histórias na mão, ela decidiu filmar essas fantasias. O resultado são curtas mais sensíveis, com fotografia caprichada e menos baseados na simples exploração de fetiches. O sexo mais próximo do que ele é —ou poderia ser.
Descritos como uma espécie de "literatura erótica que você sempre desejou assistir, mas que ninguém jamais fez", esses filmes fazem sucesso no meio do cinema adulto. Centenas de mulheres vêm registrando seus desejos e revelando suas histórias. Atualmente, a diretora escolhe duas confissões por mês para transformar em filmes, que são liberados para assinantes.
Sintomático, o sucesso do projeto reflete uma demanda reprimida por outro tipo de pornografia. "Na pornografia 'mainstream', é óbvio que os homens são os personagens principais e que o papel das mulheres é satisfazê-los", entende Lust.
“As mulheres têm o direito de ter uma sexualidade própria. E isso tem a ver com dizer que seu papel não é apenas de satisfazer os homens. Na verdade, a mulher também pode ter prazer. Acho que há muitos homens que têm medo de como esse tipo de revolução os deixaria um pouco de lado."
Outro objetivo da diretora é fazer com que as mulheres se sintam bem em assistir e desfrutar de filmes pornôs, despindo-as de preconceitos e liberando-as para explorar o que antes era visto por muitas como apenas uma “perversão”.
"É fácil esquecer da gente mesmo e da nossa própria satisfação. Às vezes, sua própria satisfação é quando você está sozinho com seu vibrador, e o sexo com um homem às vezes funciona apenas uma performance para ele."
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