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O que aconteceu com o Motorádio, prêmio ao melhor jogador nos anos 70 e 80?

 Dar prêmio para o melhor jogador em campo não é novidade nenhuma no mundo da bola. Muito antes do constrangimento de Sidão, em 2019, ao ganhar o troféu de "Craque do Jogo", em clara insatisfação da torcida vascaína (por meio de votação popular) por causa de uma falha do goleiro diante do Santos, os jogadores que se destacavam - positivamente - em uma partida eram presenteados com um rádio para carro.

Entre os finais das décadas de 60 e 80, a marca Motorádio, fabricante de rádios, sobretudo para automóveis, esteve intimamente ligada ao imaginário do futebol brasileiro. Mas hoje em dia, a empresa, que faliu em 1992, quase não é lembrada. Afinal, a maioria dos carros já sai de fábrica com modernos aparelhos MP3, MP4 e todas as funcionalidades que a tecnologia atual permite.

No entanto, em uma época em que os rádios para automóveis eram vendidos à parte, a parceria da empresa com a rádio e a TV Tupi foi uma grande jogada de marketing, associando duas grandes paixões nacionais: carro e futebol.

"Eles fizeram uma propaganda, um marketing muito grande, principalmente na TV Tupi, dando prêmio para o melhor em campo. Durante um certo período ficou famoso. Era um chamariz da transmissão e acabou ficando famosa associada ao futebol", conta o professor Sérgio Miranda Paz, da PUC-SP, engenheiro e integrante do Memofut (Grupo Literatura e Memória do Futebol), de 62 anos.

Um dos responsáveis pela entrega dos prêmios em campo, o jornalista Lucas Neto, atualmente com 83 anos, diz que a ideia de agraciar os jogadores partiu de Milton Camargo, então chefe do departamento de esportes da Rádio Tupi, como uma forma de se diferenciar da concorrência e alavancar a audiência.

"A ideia foi exatamente do Milton Camargo com o pessoal da agência de publicidade da Motorádio. Geralmente quem escolhia [o premiado] era o comentarista do jogo", diz citando nomes como o do próprio Milton Camargo, que morreu em 2019, e de José Góes. "O pessoal da Motoradio tinha uma ligação muito grande com a equipe da 1040 [Tupi]. A grande disputa de audiência que existia no rádio era entre Tupi e Bandeirantes. Uma hora era eles, outra era nós que estávamos na frente. Era marcante. A Motorádio foi a maior jogada de marketing da história do rádio."

Miranda da Paz diz que o sucesso da parceria era tanto que as pessoas que não tivessem acompanhado o jogo questionavam sobre o ganhador do Motorádio, como uma forma de saber o resultado da partida, e que até hoje, sobretudo entre os "peladeiros" mais velhos, a brincadeira de "distribuir" um motorádio imaginário é comum.

Receber [um motorádio] era uma honra para eles, que ficavam supersatisfeitos. Hoje a Globo dá um troféuzinho para o melhor em campo, votado pelos comentaristas, locutor. Agora o Motorádio era um senhor prêmio, um senhor presente."

Lucas Neto, repórter da Tupi

Quem ganhou mais Motorários?

Oficialmente não foi possível encontrar dados sobre o número de aparelhos entregues e nem o jogador que mais acumulou as premiações. Mas, para Lucas Neto, não há dúvidas: Pelé foi o maior ganhador.

O repórter diz não saber o que Pelé fazia com os prêmios e conta que uma vez presenciou uma conversa entre o Rei e Clodoaldo após um jogo entre Corinthians e Santos, que pode dar uma pista do destino dos aparelhos.

"Eu estava no vestiário, entrevistando o Pelé, que havia acabado de ganhar o Motorádio. O Clodoaldo muito humildezinho, começando a jogar no Santos, tinha comprado um Fusquinha, e falou: 'Pelé, comprei um Fusquinha e não tenho rádio. Dá o rádio para mim'. O Pelé, que tem fama de pão-duro, falou para ele: 'Você quer ganhar o Motorádio?' Ele falou: 'Quebra o meu galho...' Pelé me perguntou para se nós íamos transmitir o jogo contra a Portuguesa. Eu falei: 'Claro. É clássico, nós vamos transmitir.' Ele falou [para o Clodoaldo]: 'Capricha, joga bem que você ganha o Motoradio', conta o ex-repórter, entre risos.

Miranda Paz lembra um jogo entre Santos e Portuguesa, em 1973, que Pelé marca um golaço e o locutor não espera nem o fim da partida, como era o usual, para anunciar o vencedor . "O curioso é que o gol foi tão bonito que o locutor fala 'Eli [Coimbra, repórter da Tupi], entra em campo e dá o Motorádio para ele'. É claro que o repórter não fez isso".

Muito obrigado. Você sabe que a gente recebendo um prêmio de quem conhece, recebendo um elogio desses de pessoas que estão no futebol não sei quantos anos, talvez antes de eu nascer, é sempre um incentivo."

Pelé, ao receber o Motorádio em 1973

Edu, que defendeu o clube entre 1966 e 1976, concorda que Pelé tenha sido o maior ganhador, mas diz que o Rei também distribuiu muitos prêmios até para os próprios os companheiros.

"Eu acredito que do Santos o maior ganhador foi Pelé. Era brincadeira os prêmios que ele ganhava. Ele era amigo de todo mundo. Às vezes ele ganhava e dava realmente. Ele ganhava quase todos os jogos, não ia ficar guardando aquilo", conta Edu, atualmente com 72 anos, antes de lembrar da concorrência dentro do todo-poderoso Santos da época.

"Na nossa época para ganhar o Motorádio tinha que jogar muita bola porque eram jogadores sensacionais. Ficava difícil. Tinha PepeClodoaldo, Carlos Alberto, Zito, Pelé, ficava complicado. Mas, às vezes, quando ele [Pelé] era bem-marcado, nós nos sobressaíamos e ganhávamos", relembra Edu. "Eu até brincava com meus primos, com pessoal de casa, que quem precisasse de Motorádio era só me avisar, que quando tinha clássico eu ganhava. O primeiro [que ganhei] eu coloquei no meu carro. Depois dei para os primos. Não ganhei milhões, só uns sete, oito..."

Tijolo é Motorádio?

Além das transmissões das partidas e do imaginário popular, a mítica em torno da premiação encontrou terreno fértil nos treinos das equipes, como conta Lucas Neto.

"Isso ficou tão famoso no futebol e nos treinos... Geralmente quando acabava o último treino, quando os times fazem a famosa pelada, o rachão, onde vale tudo, os jogadores posavam para fotografia, e o melhor daquele time recebe um 'Motorádio', só que não era Motorádio. Era um tijolo, que eles simulavam para gozação. Às vezes dava até confusão, briga, porque alguns não concordavam e achavam que tinha sido o melhor do time. Isso mostra o feito e o resultado [do marketing]".

Edu relembra que os próprios jogadores brincavam sobre o prêmio, que também servia para estimular a equipe em campo. "A gente brincava antes dos jogos, claro. 'Hoje o prêmio é meu, é seu', sabe aquela coisa? 'Hoje eu vou ganhar e o outro gritava... Clodoaldo gritava 'hoje eu vou ganhar'. O outro 'não sou eu'. Nós brincávamos assim, neste sentido. A brincadeira era sempre em torno da premiação. 'Hoje, você jogou pra caramba, mas pô, não ganhou prêmio nenhum'. Era brincadeira assim".

Mas o que aconteceu com a Motorádio

Fundada em 1948, pelo imigrante japonês Hiroshi Urushima, a Motorádio passou a ser distribuída em grandes varejistas na década de 1950. Nesta época, a parceria com o futebol alavancou os resultados da empresa.

Em 1971, firmou uma parceria com a Sony que durou até 1984, em que a empresa fabricava rádio-gravadores, aparelhos de som e televisores vendidos pela gigante japonesa.

No início dos anos 90, a empresa sofreu os efeitos do Plano Collor, que abriu o mercado brasileiro para os importados e aumentou a concorrência. Sem condições de brigar com gigantes estrangeiras, a empresa cortou investimentos, demitiu funcionários e encerrou as atividades em 1992.

Entre os demitidos estava o engenheiro Carlos Lima, atualmente com 62 anos. Ele se uniu a outros dois funcionários e fundou a Motobrás, dando continuidade às atividades da antiga fábrica.

"Teve aquela fase na época do Collor, que abriu o mercado. Isso acabou prejudicando [o setor], entrou muito produto estrangeiro. Isso foi de certa maneira trazendo problema para o setor. As empresas nacionais foram perdendo sua competitividade. Esse é um dos fatores, entre outros. As empresas, muitas delas, não estavam preparadas para essa abertura e isso deve ter prejudicado bastante na parte de vendas", diz Carlos Lima, de 67 anos, sócio da Motobrás.

Formado em engenharia eletrônica, o empresário foi contratado pela Motorádio em 1979 e acompanhou de perto o auge e a derrocada da empresa. "[Quando a empresa faliu] A gente estava perdido, sem saber o que fazer. Então nos juntamos e falamos 'vamos fazer, vamos dar um jeito de continuar de alguma maneira'", diz Lima, que recorda ter começado com 10 funcionários.

Os sócios conseguiram um terreno doado pela Prefeitura de Brazópolis, no interior de Minas Gerais, onde a fábrica funciona até hoje. Atualmente são 70 funcionários, mas a empresa já chegou a empregar mais de 160 pessoas.

Da Motorádio, além do 'know-how' e da similaridade entre os nomes, os ex-funcionários aproveitaram a identidade visual para se manter no mercado. "A gente pegou um outro nome, que lembra [o antigo]. Tudo para poder manter isso vivo, para não perder o público e para que o público tivesse a visão parecida com o que era antes".

Diferentemente da empresa-mãe, a Motobrás não produz aparelhos automotivos. O foco são radinhos de pilha, portáteis, rádios-relógios e bombox. Disputando espaço diretamente com os streamings, em que é possível ouvir qualquer música ou estações de rádio diretamente do celular, Lima garante que ainda tem mercado para os saudosos aparelhos portáteis.

"Hoje a facilidade de usar o rádio com a internet é muito grande. Mas tem muita gente, tipo empregada doméstica, pessoas que trabalham no campo ou em lojas, que querem um rádio tocando no ambiente, gostam disso. Isso não vai perder nunca. Sempre vai existir, só diminuiu. Mas ainda tem um certo número de pessoas que gostam de ouvir a programação local, o futebol, diretamente do rádio".

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