Os segredos do passado desvendados pela restauração. Figuras antes apagadas e encobertas pelo tempo - ou por mãos humanas - voltam à superfície após séculos. Isso foi o que aconteceu com ao menos três grandes obras nos últimos anos. Um demônio escondido, um cupido encoberto e um garoto escravizado oculto.
Ao desvendar esses quadros desgastados, especialistas revelam capítulos omitidos da história da arte. Eles vão além de resgatar a beleza, cores e detalhes obscurecidos pelos anos: recuperam fragmentos perdidos nas garras do esquecimento. E eles podem ser cruciais para decifrar o passado, entender o presente e escrever o futuro.
Veja três obras de arte restauradas que revelaram segredos:
Camadas de tinta e verniz escondem uma figura indesejada de uma pintura de Sir Joshua Reynolds. Ou melhor, escondiam. O quadro, que retrata uma cena da peça de Shakespeare Henrique VI, Parte 2, gerou controvérsia quando foi exibida pela primeira vez em 1789, por causa de um demônio que se esgueirava na sombras.
A criatura da obra A morte do Cardeal Beaufort ressurgiu após um projeto de restauração do National Trust, uma instituição de caridade inglesa de conservação. Incluir a figura sinistra na tela desagradou ao público em relação ao que então era adequado para a arte.
Alguns disseram à época, em 1789, quando a pintura foi exibida na Shakespeare Gallery, que demônio não deveria ter sido incluído porque não era um personagem da peça de Shakespeare. “Não era apropriado representar algo que é uma espécie de outro mundo dessa forma física”, disse Emily Knight, curadora de propriedades da Petworth House and Park em West Sussex, Inglaterra, onde a obra está em exposição, ao explicar o argumento usado no século 18.
Foram necessários seis meses para que a restauradora, Sophie Reddington, descobrisse o demônio e desse vida ao restante da pintura.
Uma pintura do século 19 revelou um segredo por décadas oculto: sob uma camada de tinta simulando o céu, estava a figura de um jovem escravizado na Louisiana. Restaurada em 2005, a obra, chamada Bélizaire and the Frey Children e atribuída a Jacques Amans, um retratista francês, foi adquirida pelo Metropolitan Museum of Art.
A curadora Betsy Kornhauser destaca a representação naturalista do jovem afrodescendente, evidenciando a postura poderosa em relação aos outros personagens - brancos. Ele ocupa uma posição mais alta, com bochechas coradas e uma espécie de interioridade incomum para a época.
Foram quase três séculos atrás de uma camada de tinta, removida em um projeto de restauração que Stephan Koja, diretor da Old Masters Picture Gallery em Dresden, na Alemanha descreveu como “uma história de detetive e uma aventura”.
O trabalho revelou o dourado e rechonchudo cupido em Moça lendo uma carta à janela, de Johannes Vermeer. O quadro, que já era um dos trabalhos de arte mais amados do mundo, teve o fundo alterado drasticamente pela descoberta da calma cena interior.
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