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Acreditar que filmes substituem livros é um erro gigantesco, diz escritor espanhol. Para Javier Cercas, cinema não significa necessariamente um prejuízo para a literatura


Opera Mundi - O que significa Jorge Luis Borges em sua vida?
Javier Cercas  -
 Muito. A Wikipédia diz que me tornei escritor depois de ler Borges. Isso não é verdade. Na realidade, comecei a ler Borges com 15 anos e achei tão bom que não consegui fazer mais nada a não ser continuar a lê-lo. O resultado foi que comecei a escrever muito mais tarde do que imaginava. É um escritor importantíssimo, talvez ainda mais importante para nós que escrevemos em espanhol. Não se pode escrever em espanhol sem ler, ou melhor, sem ter assimilado Borges.

OM - Susan Sontag e Mario Vargas Llosa elogiaram muito seu Soldados de Salamina. De todos os romances que produziu, esse é também o que você mais gosta?
JC -
 Essa é uma pergunta muito difícil. Soldados de Salamina não me parece ruim. Eu deveria odiá-lo, porque todos só falam dele. Mas não o odeio. Continuo me sentindo confortável com ele, não me incomoda. Às vezes um escritor consegue muito sucesso com um livro, todos começam a falar só dele e aí acaba o odiando. É um livro raro, mas tudo o que escrevo é raro. Estou bem feliz com ele.
Um pouco do êxito de Soldados de Salamina foi reabrir a história da Espanha. Lá a história é muito fechada. Em seu êxito brutal e inesperado, o livro contribuiu ao menos para reabri-la. Certamente.
OM - Estive certa vez em uma livraria e uma senhora deixou de comprar um dos livros do sueco Stieg Laarson somente porque a mesma história estava sendo exibida nos cinemas. A transformação de livros em filmes representa um prejuízo para a literatura?
JC -
 Um filme é um filme e um livro é um livro. São coisas totalmente distintas. É um erro gigantesco e evidente acreditar que um filme substitui um livro. O filme de Soldados de Salamina, por exemplo, é totalmente diferente do livro. Trata-se de uma interpretação do livro. Cada leitor interpreta a obra de um maneira e o diretor faz o mesmo. Obviamente não pode substituir o livro porque o livro acontece na cabeça de cada pessoa.
Também não penso que seja um prejuízo para a literatura [transformar livros em filmes]. Pode ser inclusive um benefício. Traduzir um livro em imagens é uma leitura e essa leitura pode ser boa ou má.
OM - Você menciona várias vezes as narrativas reais em seus livros. Qual a diferença entre narrativa real e jornalismo?
JC -
 O momento real é mais uma espécie de crônica do que de jornalismo. Mas Soldados de Salamina não é uma narrativa real. Seu narrador diz que é, mas jamais podemos acreditar no narrador, essa é a primeira regra da literatura.
Ainda que a crônica e o jornalismo persigam a verdade, temos de ter a consciência de que não é possível alcançá-la. Só se pode tentar alcançá-la. Quem pensa que fazendo jornalismo está dizendo a verdade ou é louco, ou é um fanático, ou é um tonto, ou é um canalha, o que é mais provável.
OM - Em seu livro, há uma personagem chamada Aguirre que diz que “escrever em jornais não é escrever”. Você concorda com isso?
JC -
 Não. Isso quem disse foi o Javier Cercas do romance. Na realidade eu acredito que pode-se escrever tão bem ou tão mal em jornais quanto em romances. Não acredito que há gêneros literários melhores ou piores. Há, sim, melhores ou piores formas de se usar os gêneros literários. Há opções e capacidades. Boa parte da melhor literatura que já se escreveu em espanhol no século XX é a literatura que está nos jornais. As coisas que digo no livro têm sentido dentro do livro. Não sempre para toda a minha vida.
OM - Há um momento no qual o narrador de Soldados de Salamina diz não saber ao certo diferenciar um bom escritor de um grande escritor. Você consegue estabelecer essa diferença?
JC - 
Essa é uma boa questão. Sei apenas que há poucos grandes escritores no mundo. Cervantes, Kafka, Proust, Conrad são grandes escritores. Borges, como estávamos falando. Gosto muito de Hemingway.

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