Preste atenção na sua respiração. Observe o trabalho do seu corpo.
Não é interessante perceber que à medida que volta a atenção para os movimentos do tórax, mesmo que continue lendo, algo muda? Conte alguns segundos enquanto observa o movimento.
Pois não é que você pode estar, neste momento, melhorando sua postura, ampliando a respiração, dilatando mais as narinas e aumentando a quantidade de ar que inspira?
E como estava sua respiração antes? Curta? Você quase não expirava? Difícil lembrar?
A questão mais importante sobre a respiração se resume em uma palavra: Atenção.
Desde o primeiro suspiro até hoje, seu pulmão só parece `respirar sozinho` - na verdade, ele tem um duplo comando: um automático, que faz com que você continue respirando mesmo durante o sono; outro que pode ser influenciado e comandado por processos conscientes.
Com isso, quando você foca a consciência na respiração, pode controlar o ritmo e a intensidade do processo. De uma hora para outra, o que funciona sem que você tenha sequer que pensar a respeito torna-se consciente. Mais que isso: ajustável.
Preste atenção mais uma vez. O ar chega até o tórax percorrendo nariz, faringe, laringe, traquéia, brônquios e bronquíolos. O tempo todo, sem parar, nosso sistema respiratório entra em contato com o ambiente externo e toma emprestada parte da atmosfera. No microcosmo do nosso corpo é possível imaginar uma corrente de vida misturando-se às células, tomando parte em nós.
Inspire de novo. Sinta. Há quem perceba nisso o sopro de Deus.
Os pulmões contêm uma estrutura semelhante a uma esponja, com cerca de 300 milhões de sacos microscópicos, os alvéolos, extremamente finos e irrigados por pequenos vasos sangüíneos. "A superfície total, se esticada, alcançaria 100 metros quadrados de área", explica Geraldo Lorenzi Filho, pneumologista da Universidade de São Paulo (USP). Nos alvéolos o ar inspirado e o sangue são colocados em contato, separados por uma distância que praticamente só existe no papel - apenas 0,0001 metro. Nesse encontro, as moléculas de oxigênio migram para as células sangüíneas a bordo das quais partem para uma jornada pelo corpo humano.
O sangue, portanto, embarca nos pulmões o oxigênio e, com seu ilustre passageiro, percorre nosso cérebro, nossos órgãos, braços e pernas, deixando moléculas de O2 em cada uma das células do corpo. Por fim, passa novamente pelos pulmões, trazendo o produto da combustão das células, o CO2 dióxido de carbono, que é expelido para dar lugar novamente às moléculas de O2.
E depois tudo de novo e de novo...
Em apenas um minuto, ocorrem cerca de 12 respirações completas. Em média, inspiramos e expiramos 17 280 vezes por dia, fazendo circular quase 7 mil litros de ar em nosso corpo - inalamos cerca de 400 mililitros a cada inspiração. Ocorre que a capacidade vital do pulmão é muito maior: 4 litros de ar. Inalamos 400 mililitros, mas nossos pulmões poderiam, no máximo da expiração e inspiração, dez vezes mais!
No dia-a-dia, uma respiração sem tensões poderia alcançar entre 800 e 1 600 mililitros. Por outro lado, quando estamos estressados, respiramos apenas 100 mililitros de ar. Nesse território imenso, entre os 100 mililitros e os 4 litros, pode estar um dos maiores "segredos" da saúde e do bem-estar do ser humano.
Em muitas culturas, respirar é a chave para alcançar integração com a natureza, o equilíbrio corpo-mente, a iluminação espiritual. Iogues, budistas, sufistas, taoístas, monges zen, cristãos e todos que buscam o sagrado sabem que é preciso respirar da melhor forma possível. Não só pelo precioso oxigênio.
Em meditações ch'an (zen), a respiração é essencial para a absorção do ch'i - nada menos que a energia celestial. `Com essa força circulando pelo corpo, podemos transformar a mente e alcançar o vazio, a iluminação`z, diz Jou Eel Jia, médico acupunturista e mestre ch'an. "Quando estamos calmos, a respiração é lenta e tranqüila. Se ficamos angustiados, o movimento torna-se curto e brusco. A respiração reflete nosso estado emocional interior."
O ch'i, que os hindus chamam de prana, é tido como uma energia pura e límpida presente em toda a natureza e que tem a propriedade de nos manter vitalizados, plenos de entusiasmo. Essa energia é responsável pela harmonia do corpo e também por nossas boas vibrações. Sem dúvida, você já a sentiu. Lembre-se de como um pequeno passeio ao ar livre, longe do ar-condicionado, refaz seu dia. Ou do bem-estar trazido pelo ar das montanhas, pela brisa de um beira-mar. Nesses locais o prana está mais puro, mais vibrante. É fácil absorvê-lo.
A prática hindu de respiração é chamada pranayama. Envolve o controle do mecanismo respiratório através da restrição e da suspensão da inspiração ou expiração. É um conhecimento muito antigo, anterior mesmo aos primeiros registros no Rig Veda, as escrituras sagradas dos hindus, que contam mais de 5 000 anos. Às vezes, exercita-se o fluxo de ar em uma só narina. Ou se encosta a língua no céu da boca. Há técnicas que exigem total imobilidade, outras com atividades físicas - a yoga, por exemplo. Pode-se praticar em silêncio ou entoando cânticos, os mantras. A essência dos exercícios está na pausa respiratória. Gerenciar o processo nos obriga a focar a atenção e assim diminuir a agitação mental, criando condições para a meditação. Faz todo sentido.
Shotaro Shimada, professor de yoga há 44 anos, recomenda um pranayama muito simples para quem quer experimentar a respiração dos iogues (veja quadro ao lado). Basta contar o tempo.
Um simples exercício como esse mostra muitas coisas. Por exemplo, que nossa expiração é muito rápida (na maioria dos casos é). Em nível biológico, a respiração curta dificulta a troca gasosa descrita anteriormente. Algumas células podem demorar para eliminar o CO2 e assim envelhecem bem mais depressa.
Mas não faltam razões para irmos além da matéria, do corpo. `Respirar é estar conectado a toda a criação divina`, diz o reverendo Edmundo Pelizari, da Igreja Nacional Jansenista da Holanda e estudioso do Cristianismo primitivo. Essa compreensão é comum a inúmeras culturas e sociedades e está registrada no significado das palavras. Em hebraico, "respirar" vem de ruach, que significa "alma e espírito, sopro e alento". Em latim temos spirare, que gerou spiritus. Em grego, psyche significa ao mesmo tempo "respiração e alma". O mesmo para atman, na língua hindu.
Nas antigas tradições cristãs, o vento trazia a inspiração, o transe, a mensagem. `Os primeiros adeptos do Cristianismo praticavam técnicas de respiração para acessar o mundo interior, em busca de visões e até mesmo de encontros com Deus", comenta o reverendo. Segundo Pelizari, no batismo original uma das técnicas utilizadas era assoprar o rosto da criança. Aliás, desde o princípio...
`E o Senhor Deus formou o homem Do barro da terra E inspirou-lhe nas narinas O sopro da vida. E o homem se tornou um ser vivente.` Gênesis 2:7
Na Palestina, entre o século I e II, utilizava-se o terço para inspirar e expirar calmamente, contando uma respiração a cada conta. No século IX, alguns praticantes se dirigiram até a Grécia, no Monte Atos, onde sons e outras técnicas foram adicionados. Na inspiração pronunciava-se a sílaba "je", na expiração "sus". Alguns praticantes buscavam sincronizar as fases da respiração com as batidas do coração. Faziam dietas, adotavam posturas e ensaiavam projeção mental. Os cristãos da Grécia "respiravam" o ícone de adoração (Jesus ou Maria). Durante a respiração, o movimento simbolizava fluxo e refluxo entre o praticante e a imagem. Acreditava-se que os adeptos absorviam a força divina. É muito semelhante a algumas respirações praticadas no Budismo tibetano.
Com a respiração absorvemos o ambiente ao redor, interagimos com ele - mas isso pode ser bom e pode ser ruim.
Porque nem tudo o que está ao nosso redor queremos absorver. Para não enfrentar uma nuvem de fumaça e também tensões emocionais ou psicológicas, muitas vezes prendemos a respiração. Com medo de sentir, para evitar sensações desagradáveis ou ameaçadoras, paramos de respirar por segundos. Como se nos anestesiássemos. E isso prende as emoções no corpo. "Uma respiração curta reprime não apenas as sensações desagradáveis, como também as agradáveis", diz a psicóloga Dulci Duek. "Quem não consegue respirar profundamente, acaba tornando-se incapaz de sentir prazer. Ou amor."
Esse é um aspecto muito interessante. A cultura ocidental nos ensina duas formas de trazer ar aos pulmões. A mais conhecida é traduzida pela expressão "barriga pra dentro, peito pra fora" - a chamada respiração torácica. O outro modelo, a respiração abdominal, centra-se na expansão e na contração do diafragma, algo fácil de ser observado na calma de uma criança dormindo. É a barriga que se movimenta, muito mais que o peito. Porém, se essa criança toma um susto e começa a chorar, o peito incha e desata em espasmos.
É sempre assim? Com essa enorme diferença entre as formas de respirar?
Basta uma curta caminhada ou um lance de degraus para descobrir: a respiração alterna-se inúmeras vezes entre o modelo torácico e o abdominal para viabilizar mecanicamente o que estamos fazendo. Quando andamos é de um jeito. E de outro quando dirigimos, comemos, tomamos banho, corremos, fazemos amor, dormimos...
Os músculos das regiões torácica e abdominal estão dimensionados para alongar admiravelmente. Com uma expansão pequena, eles se atrofiam. Pouco, mas o suficiente para virar armadilha, uma gaiola que dificultará ainda mais a expansão do pulmão. Sem a elasticidade natural do conjunto, o diafragma deixa de realizar plenamente uma massagem natural no miocárdio, principal músculo do coração. Que, simbolicamente, é a emoção. Ou amor.
Dulci Duek utiliza a respiração holotrópica com seus clientes, uma técnica desenvolvida na Califórnia pelo psicólogo Stanislav Grof no final da década de 60. O paciente fica deitado de uma a duas horas, respirando de forma mais acelerada que o normal, o que o induz a um estado alterado de consciência. Antigos traumas e sentimentos são liberados. Tem semelhanças com o rebirthing - renascimento - que também surgiu na Califórnia nos anos 60. O terapeuta Leonard Orr propôs uma respiração diferente da que usamos no dia-a-dia. Mais fluida, como a de um bebê. "Mal termina a inspiração, já começa a expiração. Não há pausas", explica Tárika Lima, do Instituto de Renascimento de São Paulo. "Ao respirar, a pessoa pode dissolver tensões que ela mesma prendeu no corpo."
Pra lá da Califórnia, a sagrada mitologia hindu afirma que tudo que somos, vivemos, sentimos e amamos desde o início dos tempos, não é nada senão a ocorrência ínfima de uma grande respiração. Brahman, a divindade universal, essência do cosmo, cria todo o universo e as formas de vida em uma única expiração - que, nas contas terrenas, dura bilhões de anos. Hoje estaríamos próximos do final de uma dessas magníficas expansões.
Em seguida, conta-se que Brahman irá inspirar a criação, trazê-la de volta ao seu interior. Então, irá expirar de novo e de novo e assim continuamente. Imitando a gente.
Não é interessante perceber que à medida que volta a atenção para os movimentos do tórax, mesmo que continue lendo, algo muda? Conte alguns segundos enquanto observa o movimento.
Pois não é que você pode estar, neste momento, melhorando sua postura, ampliando a respiração, dilatando mais as narinas e aumentando a quantidade de ar que inspira?
E como estava sua respiração antes? Curta? Você quase não expirava? Difícil lembrar?
A questão mais importante sobre a respiração se resume em uma palavra: Atenção.
Desde o primeiro suspiro até hoje, seu pulmão só parece `respirar sozinho` - na verdade, ele tem um duplo comando: um automático, que faz com que você continue respirando mesmo durante o sono; outro que pode ser influenciado e comandado por processos conscientes.
Com isso, quando você foca a consciência na respiração, pode controlar o ritmo e a intensidade do processo. De uma hora para outra, o que funciona sem que você tenha sequer que pensar a respeito torna-se consciente. Mais que isso: ajustável.
Preste atenção mais uma vez. O ar chega até o tórax percorrendo nariz, faringe, laringe, traquéia, brônquios e bronquíolos. O tempo todo, sem parar, nosso sistema respiratório entra em contato com o ambiente externo e toma emprestada parte da atmosfera. No microcosmo do nosso corpo é possível imaginar uma corrente de vida misturando-se às células, tomando parte em nós.
Inspire de novo. Sinta. Há quem perceba nisso o sopro de Deus.
Os pulmões contêm uma estrutura semelhante a uma esponja, com cerca de 300 milhões de sacos microscópicos, os alvéolos, extremamente finos e irrigados por pequenos vasos sangüíneos. "A superfície total, se esticada, alcançaria 100 metros quadrados de área", explica Geraldo Lorenzi Filho, pneumologista da Universidade de São Paulo (USP). Nos alvéolos o ar inspirado e o sangue são colocados em contato, separados por uma distância que praticamente só existe no papel - apenas 0,0001 metro. Nesse encontro, as moléculas de oxigênio migram para as células sangüíneas a bordo das quais partem para uma jornada pelo corpo humano.
O sangue, portanto, embarca nos pulmões o oxigênio e, com seu ilustre passageiro, percorre nosso cérebro, nossos órgãos, braços e pernas, deixando moléculas de O2 em cada uma das células do corpo. Por fim, passa novamente pelos pulmões, trazendo o produto da combustão das células, o CO2 dióxido de carbono, que é expelido para dar lugar novamente às moléculas de O2.
E depois tudo de novo e de novo...
Em apenas um minuto, ocorrem cerca de 12 respirações completas. Em média, inspiramos e expiramos 17 280 vezes por dia, fazendo circular quase 7 mil litros de ar em nosso corpo - inalamos cerca de 400 mililitros a cada inspiração. Ocorre que a capacidade vital do pulmão é muito maior: 4 litros de ar. Inalamos 400 mililitros, mas nossos pulmões poderiam, no máximo da expiração e inspiração, dez vezes mais!
No dia-a-dia, uma respiração sem tensões poderia alcançar entre 800 e 1 600 mililitros. Por outro lado, quando estamos estressados, respiramos apenas 100 mililitros de ar. Nesse território imenso, entre os 100 mililitros e os 4 litros, pode estar um dos maiores "segredos" da saúde e do bem-estar do ser humano.
Em muitas culturas, respirar é a chave para alcançar integração com a natureza, o equilíbrio corpo-mente, a iluminação espiritual. Iogues, budistas, sufistas, taoístas, monges zen, cristãos e todos que buscam o sagrado sabem que é preciso respirar da melhor forma possível. Não só pelo precioso oxigênio.
Em meditações ch'an (zen), a respiração é essencial para a absorção do ch'i - nada menos que a energia celestial. `Com essa força circulando pelo corpo, podemos transformar a mente e alcançar o vazio, a iluminação`z, diz Jou Eel Jia, médico acupunturista e mestre ch'an. "Quando estamos calmos, a respiração é lenta e tranqüila. Se ficamos angustiados, o movimento torna-se curto e brusco. A respiração reflete nosso estado emocional interior."
O ch'i, que os hindus chamam de prana, é tido como uma energia pura e límpida presente em toda a natureza e que tem a propriedade de nos manter vitalizados, plenos de entusiasmo. Essa energia é responsável pela harmonia do corpo e também por nossas boas vibrações. Sem dúvida, você já a sentiu. Lembre-se de como um pequeno passeio ao ar livre, longe do ar-condicionado, refaz seu dia. Ou do bem-estar trazido pelo ar das montanhas, pela brisa de um beira-mar. Nesses locais o prana está mais puro, mais vibrante. É fácil absorvê-lo.
A prática hindu de respiração é chamada pranayama. Envolve o controle do mecanismo respiratório através da restrição e da suspensão da inspiração ou expiração. É um conhecimento muito antigo, anterior mesmo aos primeiros registros no Rig Veda, as escrituras sagradas dos hindus, que contam mais de 5 000 anos. Às vezes, exercita-se o fluxo de ar em uma só narina. Ou se encosta a língua no céu da boca. Há técnicas que exigem total imobilidade, outras com atividades físicas - a yoga, por exemplo. Pode-se praticar em silêncio ou entoando cânticos, os mantras. A essência dos exercícios está na pausa respiratória. Gerenciar o processo nos obriga a focar a atenção e assim diminuir a agitação mental, criando condições para a meditação. Faz todo sentido.
Shotaro Shimada, professor de yoga há 44 anos, recomenda um pranayama muito simples para quem quer experimentar a respiração dos iogues (veja quadro ao lado). Basta contar o tempo.
Um simples exercício como esse mostra muitas coisas. Por exemplo, que nossa expiração é muito rápida (na maioria dos casos é). Em nível biológico, a respiração curta dificulta a troca gasosa descrita anteriormente. Algumas células podem demorar para eliminar o CO2 e assim envelhecem bem mais depressa.
Mas não faltam razões para irmos além da matéria, do corpo. `Respirar é estar conectado a toda a criação divina`, diz o reverendo Edmundo Pelizari, da Igreja Nacional Jansenista da Holanda e estudioso do Cristianismo primitivo. Essa compreensão é comum a inúmeras culturas e sociedades e está registrada no significado das palavras. Em hebraico, "respirar" vem de ruach, que significa "alma e espírito, sopro e alento". Em latim temos spirare, que gerou spiritus. Em grego, psyche significa ao mesmo tempo "respiração e alma". O mesmo para atman, na língua hindu.
Nas antigas tradições cristãs, o vento trazia a inspiração, o transe, a mensagem. `Os primeiros adeptos do Cristianismo praticavam técnicas de respiração para acessar o mundo interior, em busca de visões e até mesmo de encontros com Deus", comenta o reverendo. Segundo Pelizari, no batismo original uma das técnicas utilizadas era assoprar o rosto da criança. Aliás, desde o princípio...
`E o Senhor Deus formou o homem Do barro da terra E inspirou-lhe nas narinas O sopro da vida. E o homem se tornou um ser vivente.` Gênesis 2:7
Na Palestina, entre o século I e II, utilizava-se o terço para inspirar e expirar calmamente, contando uma respiração a cada conta. No século IX, alguns praticantes se dirigiram até a Grécia, no Monte Atos, onde sons e outras técnicas foram adicionados. Na inspiração pronunciava-se a sílaba "je", na expiração "sus". Alguns praticantes buscavam sincronizar as fases da respiração com as batidas do coração. Faziam dietas, adotavam posturas e ensaiavam projeção mental. Os cristãos da Grécia "respiravam" o ícone de adoração (Jesus ou Maria). Durante a respiração, o movimento simbolizava fluxo e refluxo entre o praticante e a imagem. Acreditava-se que os adeptos absorviam a força divina. É muito semelhante a algumas respirações praticadas no Budismo tibetano.
Com a respiração absorvemos o ambiente ao redor, interagimos com ele - mas isso pode ser bom e pode ser ruim.
Porque nem tudo o que está ao nosso redor queremos absorver. Para não enfrentar uma nuvem de fumaça e também tensões emocionais ou psicológicas, muitas vezes prendemos a respiração. Com medo de sentir, para evitar sensações desagradáveis ou ameaçadoras, paramos de respirar por segundos. Como se nos anestesiássemos. E isso prende as emoções no corpo. "Uma respiração curta reprime não apenas as sensações desagradáveis, como também as agradáveis", diz a psicóloga Dulci Duek. "Quem não consegue respirar profundamente, acaba tornando-se incapaz de sentir prazer. Ou amor."
Esse é um aspecto muito interessante. A cultura ocidental nos ensina duas formas de trazer ar aos pulmões. A mais conhecida é traduzida pela expressão "barriga pra dentro, peito pra fora" - a chamada respiração torácica. O outro modelo, a respiração abdominal, centra-se na expansão e na contração do diafragma, algo fácil de ser observado na calma de uma criança dormindo. É a barriga que se movimenta, muito mais que o peito. Porém, se essa criança toma um susto e começa a chorar, o peito incha e desata em espasmos.
É sempre assim? Com essa enorme diferença entre as formas de respirar?
Basta uma curta caminhada ou um lance de degraus para descobrir: a respiração alterna-se inúmeras vezes entre o modelo torácico e o abdominal para viabilizar mecanicamente o que estamos fazendo. Quando andamos é de um jeito. E de outro quando dirigimos, comemos, tomamos banho, corremos, fazemos amor, dormimos...
Os músculos das regiões torácica e abdominal estão dimensionados para alongar admiravelmente. Com uma expansão pequena, eles se atrofiam. Pouco, mas o suficiente para virar armadilha, uma gaiola que dificultará ainda mais a expansão do pulmão. Sem a elasticidade natural do conjunto, o diafragma deixa de realizar plenamente uma massagem natural no miocárdio, principal músculo do coração. Que, simbolicamente, é a emoção. Ou amor.
Dulci Duek utiliza a respiração holotrópica com seus clientes, uma técnica desenvolvida na Califórnia pelo psicólogo Stanislav Grof no final da década de 60. O paciente fica deitado de uma a duas horas, respirando de forma mais acelerada que o normal, o que o induz a um estado alterado de consciência. Antigos traumas e sentimentos são liberados. Tem semelhanças com o rebirthing - renascimento - que também surgiu na Califórnia nos anos 60. O terapeuta Leonard Orr propôs uma respiração diferente da que usamos no dia-a-dia. Mais fluida, como a de um bebê. "Mal termina a inspiração, já começa a expiração. Não há pausas", explica Tárika Lima, do Instituto de Renascimento de São Paulo. "Ao respirar, a pessoa pode dissolver tensões que ela mesma prendeu no corpo."
Pra lá da Califórnia, a sagrada mitologia hindu afirma que tudo que somos, vivemos, sentimos e amamos desde o início dos tempos, não é nada senão a ocorrência ínfima de uma grande respiração. Brahman, a divindade universal, essência do cosmo, cria todo o universo e as formas de vida em uma única expiração - que, nas contas terrenas, dura bilhões de anos. Hoje estaríamos próximos do final de uma dessas magníficas expansões.
Em seguida, conta-se que Brahman irá inspirar a criação, trazê-la de volta ao seu interior. Então, irá expirar de novo e de novo e assim continuamente. Imitando a gente.
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