"Eu trabalhei com humor, mas não entendo piada. Depois aprendi quando tinha que rir, mas não significa que eu ache engraçado", conta a jornalista Amanda Ramalho, que trabalhou 15 anos no programa Pânico na TV e no rádio. Assim como muitas mulheres, ela descobriu apenas na fase adulta que o que acreditava ser uma característica pessoal era, na verdade, um traço de autismo.
O incômodo com o diagnóstico tardio levou Amanda a criar o podcast "Amanda no Autismo", em que, a partir do seu processo pessoal, compartilha dicas para quem desconfia ter algum tipo de neurodivergência, como dislexia, transtorno do espectro autista (TEA) ou transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
No podcast, a jornalista também compartilha críticas e dicas de como o jornalismo pode melhorar para atender o público neurodivergente. Para falar mais sobre o assunto à Redação do UOL, Amanda foi uma das convidadas da 14ª edição do Visão Plural, iniciativa do Comitê UOL Plural que recebe especialistas para debater pontos de vista sobre variados assuntos.
Entre as dicas, uma das mais importantes pontuadas por Amanda é o cuidado para não reduzir pessoas que estão sendo entrevistadas ao seu diagnóstico ou tratá-las de forma pejorativa. "Ser autista não é ruim", diz.
Chamar de 'Amanda Ramalho autista' não é legal, porque eu sou muitas coisas, você não vai me reduzir a um diagnóstico
Amanda Ramalho, jornalista
Ao mesmo tempo, tratar pessoas com autismo, TDAH ou outras neurodivergências como heróis é um erro, e jornalistas devem ter cuidado redobrado para não reforçar estereótipos ou capacitismo. É o que aponta a psicóloga Daniela Mattei, que também participou do Visão Plural. "Você não é uma mãe melhor por ser mãe de uma criança neurodivergente. Supervalorizar a pessoa também a coloca num pedestal em que ela não pode fraquejar", explica.
Assim como Amanda, Daniela descobriu seu TDAH já adulta. Atualmente, ela toca com Pedro Jailson Silva (autista e TDAH) a clínica Terapeutear, especializada no diagnóstico dessas neurodivergências. "A maioria das nossas pacientes é mulher, porque é diagnosticada de forma tardia por uma questão cultural, pois tem o comportamento coibido desde pequena", conta a psicóloga.
Mãe de um menino autista, Daniela também reforça outra confusão bastante comum em reportagens sobre maternidade. "Mãe atípica é qualquer mãe que tenha um filho em condição de neuroatipicidade, como o autismo e o TDAH. Quando falamos em mãe neurodivergente, é ela quem tem a neurodivergência". A psicóloga, portanto, é, ao mesmo tempo, uma mãe atípica e neurodivergente.
Abaixo, algumas das dicas compartilhadas por elas para falar com e sobre neurodivergentes da forma mais adequada:
- Não reduza o personagem a sua neurodivergência nem o transforme em herói
- Pergunte como a pessoa prefere ser entrevistada - com a diversidade das neurodivergências, não ter opções de canais de conversa pode atrapalhar. Uma entrevista por telefone, por exemplo, pode causar ansiedade e frustração a muitos neurodivergentes
- Tente não remarcar a entrevista - autistas não costumam lidar bem com mudanças na rotina ou em compromissos
- Vá direto ao ponto e evite rodeios - o famoso nariz de cera dificulta a separação da informação do texto
- Evite figuras de linguagem, ironia e palavras de duplo sentido - alguns autistas não conseguem entender termos que não sejam literais, outros conseguem - na dúvida, evite
- Faça perguntas claras e objetivas - pessoas neurodivergentes podem se distrair facilmente com estímulos externos e "perder o fio da meada"
- Não se esqueça de inserir imagens e legendas - "O apoio visual é importantíssimo para os neurodivergentes", explica Daniela.
- Equalize o volume do conteúdo sonoro ou audiovisual - por conta da hipersensibilidade auditiva, a diferença de volume entre um trecho e outro pode causar desconforto a autistas e pessoas com TDAH
- Não trate todos os autistas/TDAH da mesma forma - assim como nem toda pessoa é igual, nem todo autista/TDAH é igual, então nem todas as regras vão se aplicar a todas as pessoas
Palavras que você deve evitar ao falar de autismo e TDAH:
Sintoma - autismo não é doença. "Chamamos de sintoma quando temos alguma doença emocional, o que acontece com grande parte dos autistas: depressão, transtorno bipolar, transtorno de ansiedade, entre outros", explica Daniela.
Troque por: sinais, características ou traços
Sofre de autismo/TDAH - condição não é sofrimento.
Troque por: é autista, está no transtorno do espectro autista
Portador de autismo/TDAH
Troque por: autista/TDAH
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