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Quais são os desafios que o Drex, o real digital, deve enfrentar

 Em 2020, o Banco Central do Brasil criou um grupo de trabalho para estudar a emissão do real digital, uma moeda digital com características de “stablecoin”. Ou seja: uma moeda digital estável, não sujeita à volatilidade especulativa do mercado de criptoativos (como o Bitcoin, por exemplo).

Os governos ao redor do mundo têm demonstrado interesse na utilização de moedas CBDC (Central Bank Digital Currency) por manterem preços estáveis e por facilitarem transações que vão além de traders especulando com variações mercadológicas.

Os governos de países emergentes, principalmente, têm-se empenhado cada vez mais em projetos relacionados às CBDCs. A fase do seu envolvimento – investigação, projeto-piloto ou lançamento – varia de acordo com as particularidades e circunstâncias de cada país, tais como a disponibilidade de infraestrutura digital, a sua concentração em diferentes objetivos políticos e as motivações e preocupações inerentes.

As  CBDCs dos países que estudam ou já implementaram moedas digitais possuem características próprias de acordo com a respectiva jurisdição, mas, de forma geral, têm por objetivo modernizar o sistema financeiro.

Por outro lado, a regulamentação desse tipo de ativo digital também tem levantado preocupação de alguns governos por uma suposta ameaça à estabilidade financeira, além de questões envolvendo segurança digital e privacidade de dados que merecem um debate mais aprofundado.

Nos EUA, o Federal Reserve ainda está estudando a implementação de uma CBDC, a qual dependerá de aprovação no congresso americano. A China, por sua vez, já implementou o Yuan digital, chamado de e-RMB, que pode ser utilizado pelo app e-CNY, disponível nas plataformas digitais para celular. Outros países, como Suécia, Bahamas, Nigéria e Camboja, são algumas das nações que já possuem CBDCs implementadas pelos respectivos bancos centrais.

No Brasil especificamente, desde a implantação do Plano Real em 1994, o BACEN tem se destacado como autoridade responsável pela garantia e estabilidade monetária do país, agindo com independência e zelando pela manutenção de um sistema financeiro nacional sólido e atrativo para investidores, sempre alinhado com a política monetária brasileira e atento às constantes transformações da sociedade e dos sistemas de pagamento, como as CBDCs.

É importante destacar a Agenda BC#, em que o BACEN manifesta publicamente seus objetivos: garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo e fomentar o bem-estar econômico da sociedade, fundamentado nos pilares de inclusão, competitividade, transparência, educação, sustentabilidade e excelência.

Dentro da Agenda BC#, o projeto do real digital foi concebido num contexto de pandemia, em que as interações no meio digital se demostraram cada vez mais necessárias. Nessa conjuntura, o BACEN apresentou o cronograma para a criação e implementação da CBDC brasileira, o Drex.

O BACEN declarou recentemente, por meio de sua diretoria, que o real digital deve mudar o sistema financeiro do Brasil, ao promover novas modalidades de financiamentos a empreendimentos na economia brasileira, destacando que as CBDCs são um novo movimento no mercado financeiro.

Entretanto, ainda não está completamente claro em que situações o real digital será utilizado de fato. No começo deste ano, foi feita uma declaração pela diretoria do BACEN de que a CBDC do Brasil valerá apenas para grandes transações dos bancos no atacado; já para o varejo, a CBDC será uma stablecoin emitida por instituições financeiras e lastrada na CBDC do atacado.

Nessa linha, o BACEN publicou em seu site uma seção de perguntas e respostas, diferenciando a “CBDC de atacado” e a “CBDC de varejo”:

“Uma CBDC de atacado é voltada apenas para transações de elevados valores, normalmente entre participante do sistema financeiro – bancos, cooperativas, instituições de pagamento etc – e eventualmente envolvendo grandes empresas.

Já uma CBDC de varejo é voltada para atender às necessidades de pagamento e liquidação de indivíduos e empresas de todos os portes, podendo ser utilizada para pagamentos e para operações financeiras cotidianas em quaisquer faixas de valores.”

Ou seja, aparentemente teremos duas nomenclaturas – e finalidades – para o real digital, embora supostamente somente a CBDC de atacado será implementada num primeiro momento, uma vez que o Real Digital apresentado no projeto piloto tem característica de stablecoin baseadas em protocolos de finanças descentralizadas (DeFi), dando suporte para “depósitos tokenizados”, ou seja, para os depósitos realizados  com o real tokenizado entre bancos. Independentemente de qual CBDC vier a ser implementada, ambas CBDCs de varejo e de atacado terão os mesmos desafios.

Já existe um movimento entre os bancos comerciais para a implementação do Real Digital. Muitos deles estão destacando uma equipe própria para testar a tokenização do real dentro de suas estruturas.

Os bancos comerciais têm interesse na CBDC brasileira, pois tudo indica que serão esses bancos comerciais os responsáveis por emiti-la, colocando a moeda digital em circulação para o grande público.

No que se refere à tecnologia a ser utilizada, o BACEN optou pela Hyperledge Besu, uma DLT (sigla para Distributed Ledger Technology), que registra as transações realizadas pelos usuários. Trata-se de uma tecnologia que usa componentes da rede Ethereum, permitindo a criação e o gerenciamento de aplicativos descentralizados de forma facilitada e escalável, podendo ser utilizada de forma híbrida, ou seja: tanto em uma rede pública (como blockchain transacionando criptomoedas) quanto em uma rede privada (registrando transações de tokens, com uma camada de privacidade entre as partes).

No caso do real digital, ela será utilizada em uma rede fechada e controlada pelo próprio BACEN, de forma permissionada por terceiros autorizados pelo BACEN (leia-se: instituições financeiras, de meios de pagamento e outros órgãos do Governo). Isso quer dizer que o acesso à rede não será público, e somente o BACEN e os permissionados poderão operá-la, uma vez que o Besu utiliza Prova de Autoridade (PoA) para validar transações e, estando em um pequeno grupo fechado de instituições que se conhecem e interagem entre si, permite-se que as transações sejam validadas dentro da rede privada por esse grupo.

Para que a empreitada do BACEN no segmento de CBDCs seja bem sucedida, o real digital necessitará, além de ampla discussão do seu marco regulatório junto à sociedade, preencher alguns requisitos inerentes às próprias moedas digitais de forma geral. Um deles, talvez o mais importante, é o de aceitação pela população.

E aqui não estamos falando somente da população brasileira, mas também da comunidade internacional, uma vez que uma das finalidades a que uma CBDC se propõe é a de facilitar transações entre países.

Além da aceitação, o real digital deverá se mostrar relevante, no sentido de provar que supre uma necessidade ou uma carência. Em tempos de PIX, em que os pagamentos são feitos de forma instantânea e conveniente através dos smartphones, quais são as circunstâncias em que ele será demandado?

Nesse tema, o real digital se apresenta como um pix mais “avançado”, pois vai além de um meio de pagamento: trata-se de uma proposta de digitalização da economia e da sociedade como um todo; da atualização do Sistema de Transferência de Reservas (STR), incorporando conceitos e tecnologias de “smart contracts” e “dinheiro programável”, facilitando transações entre partes no ambiente digital.

O BACEN também terá o desafio de educar à população sobre a utilização da moeda digital que pretende implementar. O mercado de criptomoedas é restrito, para não falar nichado, e conceitos como “blockchain”, “tokens” e “carteira digital”, entre outras terminologias a ele atreladas, são difíceis de assimilação pelo grande público.

Nesse sentido, o papel do BACEN será de ensinar à população, de forma didática e verossímil, sobre como utilizar o real digital, seja de varejo ou de atacado, no dia-a-dia, até porque os demais requisitos para que a moeda digital tupiniquim prospere são: acessibilidade e liquidez.

O Real Digital deverá ser acessível a todos, independentemente da localização ou situação financeira do cidadão, e deverá ser fácil de se comprar, vender ou trocar, de modo a ser aceito e utilizado por um número relevante de pessoas físicas e jurídicas.

Por fim, mas não menos importante, o real digital deverá ser transparente e seguro. A moeda digital brasileira deverá manter registros públicos e ser imune a ataques e interferências externas, protegendo também os dados dos usuários, em consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados e com as melhores práticas de cyber segurança.

É preciso destacar esses pontos pois o desenvolvedor brasileiro Pedro Magalhães, ao aplicar engenharia reversa no código do projeto piloto do CBDC brasileiro, encontrou certas “funções” em referido código, as quais permitem ao BACEN (ou ao permissionário, conforme o caso) congelar ou até mesmo reduzir o saldo das carteiras digitais. Apesar dessa descoberta, devemos ressaltar que o BACEN, quando liberou o código do real digital para testes, explicou à época que a liberação se deu para uso restrito a experimentações, e que a arquitetura apresentada estaria sujeita a alterações.

O BACEN tem a missão de demonstrar que o Real Digital será seguro e que estará protegido de interferências externas e que a privacidade dos seus usuários será preservada. Isso é extremamente relevante, para que erros do passado recente da histórica político-financeira do Brasil não se repitam e condenem o projeto de uma CBDC brasileira.

Também é preciso assegurar que a tecnologia da Hyperledge Besu a ser utilizada para transacionar o real Ddigital é uma rede confiável, pois se trata de um projeto colaborativo open source, sendo necessários que se façam muitos teses para garantir um funcionamento estável e isento de falhas.

É louvável que o Banco Central do Brasil, instituição autônoma e imprescindível para o funcionamento o sistema financeiro nacional, esteja acompanhando as transformações do mercado monetário digital, ao instituir um projeto para a criação da sua própria CBDC, um tema que tem sido estudado por diversos governos ao redor do mundo.

O projeto do real digital, uma moeda estável e resistente a variações meramente especulativas do mercado de criptoativos em geral, poderá ser um marco na política monetária, tal como foi o Plano Real, desde que a moeda digital oficial brasileira, quando finalmente lançada, atenda aos requisitos de aceitação, relevância, acessibilidade, liquidez, transparência e segurança, após amplo de bate sobre a sua regulamentação pela sociedade brasileira e os devidos esclarecimentos à população sobre as suas finalidades, características e garantia de um funcionamento seguro e estável para todos que forem utilizá-la.

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