Composto por grandes empresas e startups, o mercado de tecnologia está sempre em busca de talentos, oferecendo oportunidades com salários altos e benefícios gordos para atrair desenvolvedores e programadores. Mas, nos últimos meses, esses trabalhadores têm ido às redes sociais reclamar de algo até então inédito nessa área: falta de trabalho.
“Se há tantas vagas em tecnologia, por que existem tantos desenvolvedores e programadores desempregados?” é uma das perguntas feitas por quem é da área. Em plataformas como LinkedIn, ficou cada vez mais comum encontrar esses profissionais em busca de emprego, relatando dificuldades de encontrar boas propostas e salários mais achatados.
O programador e criador de conteúdo Dayvid Nascimento (conhecido nas redes como Mano Deyvin) relata que essas reclamações têm chegado a ele, que tem uma comunidade de mais de 75 mil seguidores no YouTube, onde fala com uma comunidade de programadores em início de carreira.
“Esse boom na área de tecnologia veio da promessa de emprego e salário alto com home office. Esse cara apostou todas as fichas nessa situação”, diz. “Mas o que estudantes e programadores iniciantes me relatam é que eles não têm passado da primeira fase de um processo seletivo”.
O curso de profissionalização Reprograma, dedicado a incluir na tecnologia grupos minorizados (como mulheres, pessoas pretas e transsexuais), relata o mesmo problema, apontando que há uma maior dificuldade de inserir essas pessoas no mercado de trabalho nos últimos anos.
“É justa e válida a reclamação dessas pessoas desenvolvedoras”, diz a cofundadora e diretora de inovação da Reprograma, Carla de Bona. “Notamos que está mais difícil para nós empregarmos essas mulheres. Antes era mais fácil, porque as empresas nos buscavam (em busca de talentos).”
O motivo para essa mudança de humor do mercado está no cenário pós-pandemia. Com a alta dos juros e diminuição da demanda por serviços digitais, o ritmo de crescimento das empresas de tecnologia desacelerou. Por isso, no ano passado, companhias dos mais diversos tamanhos em todo o mundo realizaram cortes de pessoal e congelaram contratações.
Como consequência, o dinamismo do setor de tecnologia arrefeceu. Ou seja, se antes os programadores eram abordados com frequência por recrutadores em redes sociais, hoje o cenário se inverteu com a escassez de vagas — e são os profissionais que devem ser mais proativos na busca por oportunidades.
Em condição de anonimato, executivos do mercado do Brasil confessam que a onda de demissões no mercado de tecnologia (batizadas de “layoffs”, do inglês) abriu portas para que as empresas buscassem talentos - mas isso não significa que todas as vagas sejam preenchidas.
“Sentimos que está relativamente mais fácil contratar, mas vemos que a maioria das pessoas demitidas tinha cargos mais juniores ou eram recém-contratadas, então acabamos não conseguindo absorver muito dessas pessoas”, diz um CEO de uma startup de finanças.
“Aumentou a quantidade de candidatos, mas ainda assim está difícil buscar as pessoas que vão fazer a diferença na companhia”, diz outro executivo de uma startup em estágio acelerado de crescimento.
A frustração com o mercado de tecnologia parece ser pior para pessoas em estágio inicial de aprendizado — os desenvolvedores juniores. Geralmente, tratam-se de pessoas jovens em começo de carreira ou em transição, após largar uma outra área.
Com nenhuma ou pouca experiência, os profissionais esbarram em dificuldades em processos seletivos, bem como exigem supervisão durante o expediente, o que pode prejudicar a produtividade das equipes, que se tornaram mais enxutas nos últimos anos.
“Se você contrata uma pessoa com experiência, em uma semana, essa pessoa pega o embalo mais rápido (do trabalho). Já o junior leva pelo menos três meses para ter um começo de independência na rotina. Esse é um grande problema ao contratar pessoas sem experiência”, diz Mano Deyvin.
Carla de Bona, da Reprograma, aponta que esse cenário de escassez de trabalho para uma pessoa júnior torna a transição de carreira mais demorada para essa faixa: se antes uma pessoa demorava seis meses para se “qualificar” como programadora, hoje esse período é de um ano ou mais.
“Para essas pessoas, a grande dica é baixar a expectativa e continuar estudando”, aponta Carla, que indica buscar mais cursos com outras linguagens entre as opções. Outra maneira é aprender habilidades emocionais, que podem ser úteis durante um trabalho. “No início de carreira, ter a parte técnica é muito importante, e, depois, os soft skills vão ser determinantes para subir de nível.”
Isso não significa que o tão famoso “déficit do mercado de tecnologia” tenha desaparecido. Na verdade, o cenário continua tão crítico quanto antes — segundo dados da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), a estimativa é um déficit total de 530 mil profissionais de tecnologia no Brasil até 2025.
Em relatório de maio de 2023, o Google aponta que o Brasil enfrenta um cenário ainda mais sensível em relação aos países desenvolvidos, que também apresentam esse déficit. Aqui, há o problema de poucos profissionais com experiência de mercado (muito juniores e pouco seniores), homogêneos (concentrados na região Sudeste, com alta parcela do sexo masculino) e com fuga de cérebros para o exterior (onde há oportunidades que remuneram melhor).
“Os profissionais que são especialistas buscam e são alvos constantes de melhores oportunidades e salários, principalmente fora do País”, diz André Barrence, diretor do Google for Startups no Brasil, em relatório sobre emprego de maio de 2023, citando que isso torna o mercado de tecnologia brasileiro “menos atrativo para profissionais estabelecidos ou recém-formados”.
Para Maria Sartori, diretora da empresa de recrutamento Robert Half, o mercado de tecnologia continua em busca por profissionais qualificados — dados da companhia apontam que, para essa categoria, há situação de pleno emprego, com apenas 3,5% dos profissionais desempregados em 2023.
“É um mercado que continua promissor. O que acabou é a demanda altíssima das empresas, com baixa oferta de profissionais”, diz a executiva. “Agora, o setor de tecnologia está mais próximo de outros segmentos, como financeiro.”
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