Pular para o conteúdo principal

Antônio Candido - Entrevista concedida a Veja (15/10/1975) - Parte 1

Veja - Que clima vive a literatura brasileira atualmente?
CANDIDO - Ela anda às voltas com grandes dificuldades de comunicação. Isto, com o passar do tempo, pode desencorajar a produção literária.

Veja - Qual o significado do recente debate sobre literatura brasileira no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro?
CANDIDO - A difusão da cultura está se tornando cada dia mais difícil. O teatro, por exemplo, está em decadência, e a literatura, um pouco desnorteada. Nessas condições, o debate crítico fica bastante diminuído. No debate do Teatro Casa Grande, pude ver que periodicamente é possível a ocorrência de grandes momentos de abertura, mas isso é recebido como uma festa. Tais explosões constituem exceção, quando deveriam ser uma possibilidade cotidiana.

Veja - E a situação do escritor?
CANDIDO - Talvez ele não abdique de dizer tudo o que quer, isto é, talvez não o seja sua intenção; mas de quem traça os limites do que pode dizer. A conseqüência mais terrível desse estado de coisas é a chamada migração interior. A pessoa não emigra nem para fora de sua cidade nem para fora de seu país, mas para dentro de si mesma, fechando-se totalmente para o mundo e apresentando uma máscara de conformismo.

Veja - E como ela evoluirá?
CANDIDO - Esperamos que as poluições possam ser eliminadas e que os escritores aspirem e expirem com maior desafogo. Às vezes surgem oportunidades inesperadas que alteram os termos do diálogo.

Veja - Por que o conto é atualmente a principal forma de expressão da literatura brasileira?
CANDIDO - As formas tradicionais da literatura foram postas em dúvida desde o Modernismo, e talvez as formas novas ainda não tenham alcançado uma plenitude equivalente à delas. Daí o gosto pelas formas fluidas ou desmontáveis.

Veja - Quer dizer que estamos numa fase de transição?
CANDIDO - Eu não a classificaria assim. Um amigo costuma dizer que toda fase é de transição, e é mesmo. Por isso, eu diria que é uma fase de experimentação e de grandes tentativas. Mas toda experimentação sempre arrisca não produzir obras-primas; aliás, nem quer.

Veja - Como se enquadraria o conto nesse panorama?
CANDIDO - Talvez o gosto pelo conto reflita o profundo reajuste da literatura como linguagem. Hoje não há mais gêneros literários. Esta crise nos gêneros favorece no escritor o gosto de uma liberdade desejada mas incômoda, pois, não havendo a escora dos gêneros literários fixos, torna-se necessário des-cobrir até certo ponto o próprio enquadramento. Até o Modernismo, o escritor tinha muitas convenções a seu dispor e elas davam uma grande comunicabilidade ao que fazia. Em compensação, rotinizavam demais. O movimento de 1922 instaurou a liberdade na criação literária e originou algo que só agora estamos sentido plenamente: o escritor está entregue à sua própria liberdade. Daí, não apenas a possibilidade, mas a necessidade da experimentação. Nesse panorama, o conto tem uma grande virtude: ele pode ser tudo o que o autor quiser. Hoje
em dia chama-se de conto qualquer escrito, incorporando a substância do que antes se chamaria, de preferência, crônica, impressão, flagrante do cotidiano, história, novela. O conto é curto e se encaixa perfeitamente dentro do espírito moderno, de muita rapidez, mantendo o elemento ficcional do romance sem o compromisso da extensão. E, porque permite uma grande injeção de poesia, é uma forma mais ou menos ideal para as fases de experimentação.

Veja - Pode-se traçar um paralelo entre a literatura e a atual situação das artes plásticas no Brasil, em que a gravura tem sido privilegiada como forma de expressão em relação à pintura?
CANDIDO - Sim, e o conto e a gravura, sendo formas consideradas menores, menos solenes, permitem que a experimentação se desenvolva com maior liberdade.

Veja - Dalton Trevisan seria um caso-limite?
CANDIDO - Considero-o um excelente contista, que se mantém num caminho firme. Ele teve a coragem de adotar a narrativa curta num tempo em que esta ainda não era predominante, desrespeitando as normas do gênero e chamando de conto aquilo que lhe interessasse, e que geralmente incorporava tonalidades de notícia, crônica, reportagem. Com uma linguagem extremamente livre, sem convenções, Trevisan liberou a crueldade do nosso tempo, não só no seu temário mas em sua prosa, contundente e penetrante.

Veja - Como o senhor caracteriza essa crueldade?
CANDIDO - Antigamente a violência, sintoma da crueldade, era confinada. O pobre era espezinhado, o delinqüente torturado, o adversário assassinado, mas isso não aparecia tanto. O que acontece no nosso tempo é uma espécie de violência aberta e geral que mortifica a carne de tudo.

Veja - E a poesia, seguiu idênticos caminhos?
CANDIDO - Ela foi o setor mais avançado em termos de experimentação com o grupo concretista e outros, paralelos, antagônicos, divergentes, mas freqüentemente ligados por certos modos comuns, como o desejo de superar o verso e às vezes o poema, de fazer uma poesia ajustada à era industrial. Tudo isso possui uma riqueza teórica muito grande, mas tais grupos dão a impressão de não terem chegado a realizações de alta
categoria.

Veja - Por quê?
CANDIDO - Não acho que seja porque seus componentes são inferiores aos outros. A razão talvez esteja ligada à crise dos gêneros, que favorece neste caso o advento de uma poesia visceralmente transitória, como parece estar em alguns de seus postulados.

Veja - Por isso esses grupos não conseguiram atingir o público?
CANDIDO - Acho que não. Este é um fenômeno próprio de quase toda a poesia moderna. As atuais formas poéticas quase nunca atingem um público extenso.

Veja - A poesia deveria encontrar um meio de atingir tal público, ou seu objetivo real não seria esse?
CANDIDO - Tenho a impressão de que seu objetivo não é esse. Mas o que ela preconiza acaba alcançando o grande público por outras vias. Pela canção popular, por exemplo, ou pelo conto. As necessidades poéticas das massas são hoje preenchidas pela música de Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda e outros.

Veja - O senhor os classificaria, com rigor, como cultura de massa?
CANDIDO - Não, não creio que se possa chamar Chico Buarque de cultura de massa. Eles são cultura propriamente dita; só que revestindo formas de comunicação que alcançam o grande público. As produções de ambos alcançam a massa, sem ser cultura de massa. Para mim, esta representa algo negativo, refletindo uma cultura dirigida, de má qualidade, cujo parâmetro fundamental é a quantidade.

Veja - Seguindo o seu raciocínio, o tropicalismo seria, então, um movimento importante?
CANDIDO - Realmente. Entre 1964 e 1968, período em que ocorreu o tropicalismo, houve grandes manifestações culturais, numa espécie de grande explosão consentida. Além da música, é preciso mencionar, no teatro, a montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, por José Celso Martinez Correa, que divulgou uma imagem parcial e efervescente do Modernismo.

Veja - O tropicalismo pode, pois, ser apontado como a faísca que fez explodir a nostalgia modernista no Brasil?
CANDIDO - Não creio, apesar de ter chamado a atenção de grande público para essa versão do Modernismo. Ele consiste em dar realce privilegiado à contribuição de Oswald, cuja importância como criador de linguagem tinha sido estudada pelos poetas concretistas. Mas é preciso não esquecer que Mário de Andrade representa uma visão muito mais completa, e que a sua obra não se reduz à dimensão pré-tropicalista.

Comentários

Postagens Mais Lidas

Chave de Ativação do Nero 8

1K22-0867-0795-66M4-5754-6929-64KM 4C01-K0A2-98M1-25M9-KC67-E276-63K5 EC06-206A-99K5-2527-940M-3227-K7XK 9C00-E0A2-98K1-294K-06XC-MX2C-X988 4C04-5032-9953-2A16-09E3-KC8M-5C80 EC05-E087-9964-2703-05E2-88XA-51EE Elas devem ser inseridas da seguinte maneira: 1 Abra o control center (Inicial/Programas/Nero 8/Nero Toolkit/Nero controlcenter) nunca deixe ele atualizar nada!  2 Clic em: Licença  3 Clica na licença que já esta lá dentro e em remover  4 Clica em adcionar  5 Copie e cole a primeira licença que postei acima e repita com as outras 5

Faça cópia de segurança de suas mensagens de e-mail

Em casa e no trabalho, o correio eletrônico é uma das mais importantes aplicações usadas no cotidiano de quem está conectado à internet.Os dados contidos nas mensagens de e-mail e os contatos armazenados em seus arquivos constituem um acervo valioso, contendo o histórico de transações comerciais e pessoais ao longo do tempo. Cuidar dos arquivos criados pelos programas de e-mail é uma tarefa muito importante e fazer cópias de segurança desses dados é fundamental. Já pensou perder sua caixa de entrada ou e-mails importantes?Algum problema que obrigue a formatação do disco rígido ou uma simples troca de máquina são duas situações que tornam essencial poder recuperar tais informações.Nessas duas situações, o usuário precisa copiar determinados arquivos criados por esses programas para um disquete, CD ou outro micro da rede. Acontece que esses arquivos não são fáceis de achar e, em alguns casos, estão espalhados por pastas diversas.Se o usuário mantém várias contas de e-mail, a complexidade

Papel de Parede 4K

Como funciona o pensamento conceitual

O pensamento conceitual ou lógico opera de maneira diferente e mesmo oposta à do pensamento mítico. A primeira e fundamental diferença está no fato de que enquanto o pensamento mítico opera por bricolage (associação dos fragmentos heterogêneos), o pensamento conceitual opera por método (procedimento lógico para a articulação racional entre elementos homogêneos). Dessa diferença resultam outras: • um conceito ou uma idéia não é uma imagem nem um símbolo, mas uma descrição e uma explicação da essência ou natureza própria de um ser, referindo-se a esse ser e somente a ele; • um conceito ou uma idéia não são substitutos para as coisas, mas a compreensão intelectual delas; • um conceito ou uma idéia não são formas de participação ou de relação de nosso espírito em outra realidade, mas são resultado de uma análise ou de uma síntese dos dados da realidade ou do próprio pensamento; • um juízo e um raciocínio não permanecem no nível da experiência, nem organizam a experiência nela mesma, mas, p

literatura Canadense

Em seus primórdios, a literatura canadense, em inglês e em francês, buscou narrar a luta dos colonizadores em uma região inóspita. Ao longo do século XX, a industrialização do país e a evolução da sociedade canadense levaram ao aparecimento de uma literatura mais ligada às grandes correntes internacionais. Literatura em língua inglesa. As primeiras obras literárias produzidas no Canadá foram os relatos de exploradores, viajantes e oficiais britânicos, que registravam em cartas, diários e documentos suas impressões sobre as terras da região da Nova Escócia. Frances Brooke, esposa de um capelão, escreveu o primeiro romance em inglês cuja ação transcorre no Canadá, History of Emily Montague (1769). As difíceis condições de vida e a decepção dos colonizadores com um ambiente inóspito, frio e selvagem foram descritas por Susanna Strickland Moodie em Roughing It in the Bush (1852; Dura vida no mato). John Richardson combinou história e romance de aventura em Wacousta (1832), inspirada na re

Wallpaper 4K (3000x2000)