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Antônio Cândido - Entrevista concedida a Veja (15/10/1975) - Final

Veja - Cassiano Ricardo, entretanto, incorporou muitas das técnicas poéticas de vanguarda e atingiu, ao mesmo tempo, uma boa faixa de público, não?
CANDIDO - Exato. Cassiano encontrou fórmulas acessíveis para as conquistas da vanguarda. Mas o fato de ter sido lido por um público maior mostra que praticou formas nitidamente de compromisso. Como a sua personalidade era plástica, não chegou a definir uma linha predominante e duradoura, tendo sido, na verdade, cinco ou seis poetas. Isto, a meu ver, enfraqueceu-o um pouco.

Veja - Quer dizer que ele tinha um certo senso de oportunismo poético?
CANDIDO - Sim. Quando via uma nova tendência em voga - não por mal nem por motivos subalternos, mas porque tinha uma personalidade plástica -, assimilava-a imediatamente. Daí a sua poesia ser bem mais acessível.

Veja - E Carlos Drummond de Andrade?
CANDIDO - Drummond é completamente diferente. Enquanto Cassiano mudava por estímulos externos, Drummond - que considero o maior poeta vivo do mundo apresenta uma evolução coerente, devido à sua necessidade interior. Hoje sua poesia aparece ao mesmo tempo como lirismo pessoal e sentimento do mundo como senso do homem no cotidiano e no mundo. Este sentido, ele desenvolveu sobretudo quando aprofundou a
poesia social, terreno difícil e duvidoso, no qual atingiu uma altura rara em toda a literatura mundial.

Veja - Como o senhor define sua posição teórica face à literatura?
CANDIDO - Na Universidade de São Paulo procuramos seguir uma linha não-sectária, e sempre dedicamos atenção muito grande à crítica brasileira tradicional. Aliás, nosso projeto implícito é estudar bem a crítica brasileira: Sílvio Romero, José Veríssimo, Araripe Júnior, Tristão de Athayde, Mário de Andrade, Álvaro Lins e outros. Baseados na herança destes críticos, sobretudo no seu desejo de compreender os traços do nosso
país, procuramos adotar uma atitude de assimilação independente dos modelos que vêm de fora. No terreno propriamente teórico, variam as posições de cada um de nós dentro dessa linha geral. Eu, pessoalmente, me preocupo com o problema da constituição da estrutura.

Veja - A palavra estrutura remeteria ao estruturalismo francês?
CANDIDO - Não necessariamente. Para mim, sempre foi fundamental o conceito de estrutura, mas num sentido diferente e, aliás, bem anterior ao desenvolvido pelo estruturalismo francês. Esquematizando, estrutura, para eles, é uma espécie de abstração genérica de grande amplitude. De certo modo, fora da obra. Na análise concreta, cada obra se encaixaria naquele modelo geral. A concepção que adoto é mais tradicional e
corriqueira. Trata-se da articulação orgânica dos significados e seus suportes formais: toda obra é una, isto é, tem sua coerência e individualidade. E a estrutura é a integração dos traços que asseguram esta unidade. Tais traços estão em estado de convergência ou de tensão. Ela é, pois, interior à obra, e cada obra tem sua estrutura, embora haja modelos estruturais genéricos.

Veja - Com relação ao texto literário, o que o senhor acha do livro O Prazer do Texto, do estruturalista francês Rolland Barthes?
CANDIDO - O trabalho universitário não precisa ser frio e austero, mas sim fluir de um prazer que o texto dá ao leitor. No fundo, a nossa escolha é muito ambiciosa: queremos guardar um certo rigor de pesquisa, inclusive histórica, porque não rejeitamos a história literária; queremos ter uma noção rigorosa de estrutura, que não é estruturalista; e, por último, queremos manter uma liberdade que permita o gosto da leitura. É um estado de
espírito, não um método. E esse estado de espírito parece que dá bons resultados. Quanto a Rolland Barthes, parece que com seu livro O Prazer do Texto praticamente se afastou do estruturalismo, como se não se interessasse mais pelos conceitos que ajudou a elaborar. A atitude que preconiza atualmente comporta uma certa disponibilidade que acaba gerando uma outra forma de impressionismo. Será talvez uma atitude em parte
polêmica, mas é muito curiosa. O fato de esse homem de raro talento haver como que mudado de casca deve ter deixado perplexos muitos estruturalistas.

Veja - Como anda a crítica universitária no Brasil?
CANDIDO - Os centros principais são Rio de Janeiro e São Paulo. Na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo há um grupo muito marcado pelo formalismo russo e a semiótica. O grupo da PUC-Rio é também formalista, num sentido mais estruturalista, e ambos são excelentes. O rigor com que utilizam os modelos
vindos de fora, tanto de aspiração lingüística quanto antropológica, os faz correrem o risco de permanecerem um pouco fechados. Mas, ao mesmo tempo, ganharam com isso uma seriedade teórica bastante interessante. Na Universidade de São Paulo há uma atitude que considero integrativa. Até 1969 existiu um grupo forte no Rio Grande do Sul, basicamente voltado para a crítica de inspiração filosófica, liderado pelo professor Angelo Ricci. Infelizmente ele foi dissolvido. Em outros lugares há mais manifestações individuais. De grupos, propriamente, não tenho conhecimento. Fora da universidade, eu mencionaria o grupo em torno do jovem pensador Carlos Nélson Coutinho.

Veja - E a crítica literária em jornais e revistas?
CANDIDO - No Brasil, até trinta anos atrás, a crítica se fazia em artigos de cinco a dez páginas nos rodapés dos jornais, semanalmente. Escritos por pessoas intelectualmente sérias, produziam uma visão empenhada, que ao mesmo tempo informava e formava o leitor. Isso acabou. O último crítico desse tipo foi Wilson Martins, que encerrou suas atividades no ano passado, juntamente com o desaparecimento do Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo.

Veja - O aparecimento da crítica universitária contribuiu para isso?
CANDIDO - Sim. E o rodapé revelou-se insuficiente face às suas exigências. Se, de um lado, ela se fortaleceu, através da publicação de livros e revistas especializadas em crítica literária, de outro se enfraqueceu, com o êxodo dos universitários. O vazio nos jornais e revistas passou, então, a ser preenchido através do colunismo literário - a pessoa recebe o material enviado pelos próprios editores, retira uma ou outra frase e faz sua coluna. Não há dúvida de que isso é muito útil para informar o público, e não vejo mal nenhum nisso. O caso é que sente-se falta de uma nova fórmula, curta mas com tônus, músculos críticos mais acentuados.

Veja - Há exceções?
CANDIDO - Sim, diversas, inclusive nesta revista. Nota-se que alguns desses críticos têm formação intelectual sólida e se baseiam nela para chegar até o público, numa linguagem acessível, mas de boa qualidade crítica. Isto, a meu ver, estabelece a ponte necessária entre a produção intelectual e um público que precisa ser esclarecido de maneira não-técnica.

Veja - E qual seria sua opinião sobre a chamada imprensa nanica?
CANDIDO - Há grande participação nela de jovens de formação universitária, conscientes da sua função, o que parece ter raízes profundas. Na verdade, o intelectual brasileiro quase sempre se inclina para as diferentes formas de oposição. Parece que a postura crítica lhe facilita as coisas. Ex-, O Pasquim, Opinião, Movimento estão penetrando com muitas dificuldades no sistema e representam uma preservação da atitude crítica a duras penas, além de uma certa esperança do intelectual e do jovem de poder abrir um pouco a situação. Essa esperança dá muito alento; e bendito seja quem a mantém.

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