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A CIÊNCIA DO EQUILÍBRIO - PARTE 1




A Medicina chinesa é muito mais do que acupuntura e muito menos misteriosa do que parece. Depois de milhares de anos, o Ocidente começa a descobrir os segredos do Yin e do Yang a chave da saúde.

Problemas não escolhem hora nem lugar, diz o ditado. Assim, no meio de uma visita à China, em 1972, o jornalista americano James Reston, vítima de uma súbita apendicite, teve que ser internado às pressas. O hospital era tão bem equipado quanto qualquer outro do Ocidente e a cirurgia poderia ser chamada de convencional, não fosse o fato de Reston ter permanecido acordado e de as drogas anestésicas terem sido substituídas por algumas agulhas espetadas em seus braços.
Mais notável ainda é o caso do guitarrista Kalau, pseudônimo de Christian Keul, líder da BAP, a primeira banda alemã de rock a se apresentar na China, há um ano. Pouco antes de começar o concerto, Kalau caiu do palco, batendo o joelho no cimento com tanta força que quase desmaiou de dor. O espetáculo seria cancelado, quando um chinês, de 30 e poucos anos, ofereceu ajuda. "Ele passava a mão sobre o joelho sem tocá-lo e quando, finalmente, jogou algo imaginário no machucado, as dores desapareceram", conta o roqueiro, que, então, pôde voltar ao palco.
Os episódios refletem uma bifurcação existente na China, onde o paciente pode escolher entre tratamentos da Medicina ocidental como cirurgias e terapias milenarmente usadas pelos orientais como massagens. Os médicos chineses também podem optar por uma formação ou por outra, pois existem tanto faculdades de Medicina ocidental quanto de Medicina tradicional. Mas o que se ensina nelas é bastante diferente, a começar pelas técnicas de diagnóstico. Quem cursa a faculdade de Medicina tradicional, por exemplo, leva cinco anos aprendendo a perceber detalhes de seus futuros pacientes, como a aparência da pele, o jeito de andar, o aspecto da língua e os 28 tipos de pulsação descritos pelos chineses.
As noções de fisiologia da Medicina tradicional chinesa também são completamente diferentes. É onde entram os conceitos, cada vez mais falados no Ocidente, de Yin e Yang. Há quatro anos o fisiologista Marco Aurélio Dornelles, da Universidade de Campinas, embarcou para a China, a fim de fazer um curso de Medicina tradicional, com duração de quatro meses. "Metade desse tempo eu perdi só para assimilar Yin e Yang", conta ele com voz mansa e forte sotaque gaúcho. Yin e Yang, segundo os orientais, são pólos opostos de uma energia chamada Qi (pronuncia-se "tchi"),que está presente em tudo no Universo.
Saúde, por este ponto de vista, é a energia interna do organismo equilibrada e em harmonia com as energias do ambiente. Alguém com muito Yang, por exemplo, será agitado; muito Yin, porém, leva a estados de desanimo. O balanço adequado de Yin e Yang, contudo, ainda não é suficiente. Entre um extremo e outro, de acordo com a Filosofia chinesa, existem cinco diferentes estados de energia, correspondentes a cinco elementos: madeira terra, metal, água e fogo.
Parece um jogo infantil: a madeira alimenta o fogo; o fogo, por intermédio da cinza, forma a terra; a terra gera o metal; o metal derrete e vira água; e a água alimenta a madeira. Mas, ao mesmo tempo que um elemento produz o outro, eles também se anulam: o fogo derrete o metal e este corta a madeira; a madeira invade a terra, que represa a água; a água finalmente apaga o fogo. Isso, aparentemente, nada tem a ver com Medicina. Para os chineses porém, sem isso nem há Medicina. Pois cada uma dessas energias, para eles, controla um dos órgãos que regem a orquestra do organismo os rins, o baço, o fígado, os pulmões e o coração. Estes, por seu lado, governam cada qual uma série de outros órgãos.
Por isso, para a Medicina chinesa, uma doença nunca afeta uma parte do corpo isoladamente. Por exemplo: o pulmão é metal; logo, ele alimenta os rins, que são água. Isso significa que um pulmão fraco enfraquece os rins. E, como os rins controlam os ossos, estes também se prejudicam. Reumatologistas franceses constataram recentemente que pessoas que sofreram na infância de problemas pulmonares, como bronquites, costumam ter doenças nos ossos entre os 50 e 60 anos de idade. O que os cientistas constatam hoje já foi observado há quase 5 mil anos, no Nei ching ("O tratado interno"), o primeiro livro conhecido sobre acupuntura, a terapia baseada na aplicação de agulhas em pontos do corpo. Nele já se descrevia o câncer - explicado como conseqüência de emoções reprimidas, que acabariam por criar uma energia autodestrutiva no organismo.
Para os chineses, corpo e mente são inseparáveis. "Até hoje, não entendo como se tratam úlceras com medicamentos para o estômago, quando todos estão cansados de saber que ela é uma doença ligada à ansiedade", reclama, inconformado, o médico Jou Eel Jia. Chinês da província sulina de Zhuangzu, com 33 anos, formou-se no Brasil e voltou ao seu país para se especializar em Medicina tradicional. Desde 1981, clinica em São Paulo.
"A maioria das pessoas presume que um tratamento se faz exclusivamente à base de agulhas", explica ele. "Mas, além da acupuntura, a Medicina chinesa conjuga dietas, exercícios, massagens e, principalmente, ervas." Os chineses, que conhecem quase 6 mil espécies de ervas, acreditam que há sempre um chá capaz de resolver um problema. Assim, dente-de-leão, que no Ocidente é considerado capim, para os chineses é um ótimo regulador de hormônios. Em casos de artrite, a beberagem é uma infusão de angélicas. Já folhas de cebola são eficazes para estancar hemorragias - e por aí afora. Uma típica receita de chá combina, em média, de três a quinze ervas, para que uma corte os possíveis efeitos colaterais da outra.
As grandes farmácias, na China, chegam a aviar 2 mil receitas dessas diariamente. Com a modernização do país nos últimos anos, algumas farmácias já estão automatizadas, com máquinas que distribuem as ervas nas proporções indicadas pela receita, sem contato manual. O uso de ervas na Medicina oriental não se confunde, porém, com o da homeopatia, modalidade de Medicina ocidental que também lança mão de medicamentos naturais. "Uma erva e uma pílula feita à base dessa erva não são idênticas", explica Jou. "As duas terão o mesmo efeito sobre certo sintoma, já que os radicais (átomos que determinam as características da substância) de suas fórmulas químicas são iguais. Mas a erva, por ter ainda a energia, ou o Qi, agirá sobre as causas."
Os exercícios físicos também são uma importante terapia para os orientais. Na Medicina chinesa, movimentar-se é deixar fluir a energia do corpo - e nesse fluir está a saúde: Assim todas as manhãs, milhões de chineses podem ser vistos em lugares públicos, praticando sossegadamente o Tai Chi Chuan ("O máximo do extremo") uma ginástica que mais lembra um balé em câmera lenta. Mas o chinês imóvel, de olhos fechados em plena rua, que de repente faz um movimento brusco, quase espasmódico, não está fazendo propriamente ginástica. Ele está, isto sim, exercitando-se nas arcaras artes do Qigong (que significa "a técnica da energia" e pronuncia-se "tchigon"), talvez a mais procurada forma de tratamento na China, depois das ervas.

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