"Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me
refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece
aos que lidam com arte.
O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse
apenas para que se soubesse que realmente se existe. Nesse estado, além
da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma
lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão, tão leve. É
uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isso:
sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo
infantil: sem esforço, sabe-se.
Há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se
transforma num dom. E se sente que é um dom por que se está
experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir
materialmente.
No estado de graça vê-se às vezes a profunda beleza, antes inatingível,
de outra pessoa. Tudo, aliás, ganha uma espécie de nimbo que não é
imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas
e das pessoas. Passa-se a sentir que tudo o que existe - pessoa ou
coisa - respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor de energia.
A verdade do mundo é impalpável.
[...]
Sai-se do estado de graça com o rosto liso, os olhos abertos e
pensativos e, embora não se tenha sorrido, é como se o corpo todo
viesse de um sorriso suave. E sai-se melhor criatura do que se entrou.
Experimentou-se alguma coisa que parece redimir a condição humana,
embora ao mesmo tempo fiquem acentuados os estreitos limites dessa
condição. E exatamente porque depois da graça a condição humana se
revela na sua pobreza implorante, aprende-se a amar mais, a perdoar
mais, a esperar mais. Passa-se a ter uma espécie de confiança no
sofrimento e em seus caminhos tanta vezes intoleráveis."
(Clarice Lispector)
refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece
aos que lidam com arte.
O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse
apenas para que se soubesse que realmente se existe. Nesse estado, além
da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma
lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão, tão leve. É
uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isso:
sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo
infantil: sem esforço, sabe-se.
Há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se
transforma num dom. E se sente que é um dom por que se está
experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir
materialmente.
No estado de graça vê-se às vezes a profunda beleza, antes inatingível,
de outra pessoa. Tudo, aliás, ganha uma espécie de nimbo que não é
imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas
e das pessoas. Passa-se a sentir que tudo o que existe - pessoa ou
coisa - respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor de energia.
A verdade do mundo é impalpável.
[...]
Sai-se do estado de graça com o rosto liso, os olhos abertos e
pensativos e, embora não se tenha sorrido, é como se o corpo todo
viesse de um sorriso suave. E sai-se melhor criatura do que se entrou.
Experimentou-se alguma coisa que parece redimir a condição humana,
embora ao mesmo tempo fiquem acentuados os estreitos limites dessa
condição. E exatamente porque depois da graça a condição humana se
revela na sua pobreza implorante, aprende-se a amar mais, a perdoar
mais, a esperar mais. Passa-se a ter uma espécie de confiança no
sofrimento e em seus caminhos tanta vezes intoleráveis."
(Clarice Lispector)
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