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O NOME DOS NÚMEROS - PARTE 1

Ser o número 1 nisto ou naquilo, no fundo é o que a maioria das pessoas sempre quer. Mas querer não é poder. Quem não pode trate de mudar de nome ou vá comemorar o aniversário em outro dia. Ao menos, é a solução radical que os numerologistas encontram para todo e qualquer problema: relacionando as letras do alfabeto a algarismos, eles calculam todos os números que são parte da vida de uma pessoa. Então, através de análises complicadas, fazem uma série de combinações, subtraem letras aqui, somam letras acolá, resultando desse coquetel de cifras um novo nome, graças ao qual o inocente usuário espera que 1, 2, 3, já a vida, como num passe de mágica, fique cem vezes melhor.

Para a numerologia, que vem contabilizando um número crescente de adeptos, cada algarismo tem significados próprios, positivos e negativos. As letras, por sua vez, são enumeradas de 1 a 9 conforme a ordem alfabética: assim o A tem valor igual a 1; o B, igual a 2; o C, igual a 3; o I, igual a 9; o J, igual a 1 novamente, sempre reiniciando o ciclo, até a última letra, Z. Quando a soma dos valores de um nome ou de uma data resulta em mais de um algarismo, os numerologistas fazem uma redução: por exemplo, 23 transforma-se em 5, porque equivale a 2 mais 3.

Nos receituários dos praticantes dessa modalidade de esporte místico, para conhecer as características da personalidade manda-se somar as letras do nome completo; já os desejos seriam revelados pela soma das vogais; a aparência seria o resultado das consoantes somadas; a data de aniversário representaria o destino. E assim por diante, são tiradas um sem-número de conclusões. No final das contas, essa nova mania é, talvez, uma das mais velhas fascinações do homem - brincar com os números que ele próprio criou atribuindo-lhes poderes e significados muito além da mera expressão de certas quantidades.

É bem verdade que o homem primitivo se veria diante de um problema insolúvel se tivesse de responder quantos lados tem um quadrado. Pois, como os antropólogos descobriram, para ele só havia o 1 e o 2, sendo o 3 literalmente demais. Portanto, desde as sociedades antigas, a idéia de 3 é a do infinito daí, quem sabe, tenha surgido a trindade Pai, Filho e Espírito Santo do cristianismo ou o ato de bater três vezes na madeira, como fazem os supersticiosos ao querer afastar algo para sempre. Foi na Grécia, no século VI a.C., porém, que surgiu um verdadeiro encantamento pelos números, formando-se até uma sociedade secreta, em que os iniciados chegavam a fazer voto de silêncio por vários anos a escola pitagórica.

"Pitágoras ( que viveu entre 580 a 500 a.C., aproximadamente) ficou conhecido como matemático, mas, antes de tudo, era um místico", define o uruguaio César Polcino Milies, que leciona História da Matemática na Universidade de São Paulo. Muito do que hoje é para os cientistas a teoria dos números - que estuda as suas propriedades - foram conceitos que Pitágoras criou, na tentativa ao mesmo tempo religiosa e filosófica de compreender o Universo.

Para os pitagóricos, cada número tinha atributos que se comunicavam às coisas, através das medidas de suas dimensões, por exemplo. E, como "tudo é número"- o lema de Pitágoras -, tudo era animado e divino. O 1, por ser imutável, seria a razão; o 2, que pode mudar, porque dividido por si mesmo dá 1 e multiplicado dá 4, seria a opinião; o 3 seria a criatividade que leva à expansão, porque é o primeiro número que multiplicado por si mesmo dá um resultado 9 maior do que somado, 6; a justiça seria o 4, pois o quadrado tem quatro lados iguais.

Ao descobrir a raiz quadrada de 2, Pitágoras achou que tinha encontrado um número maldito, que não era criação dos deuses porque parecia inexistir na natureza. Diz a lenda que os discípulos do matemático que contassem esse segredo eram condenados à morte. Hoje, ninguém pensaria em usar um amuleto contra a maldição do número 1,4142135. Mas não falta quem prefira se precaver em relação ao 13, azarento de marca maior, abolido das fileiras numeradas de teatros e até de aviões em alguns países. Na hora das refeições, tremem os supersticiosos, o 13 produz os efeitos mais devastadores: se esse for o número de pessoas à mesa, uma delas irá certamente morrer.

A bobagem já dura quase 2 mil anos, pois se acredita que tenha surgido quando Cristo se reuniu aos doze discípulos na Última Ceia, antes de morrer na cruz. A Bíblia, por sinal, é fonte de muitos números místicos, como o 7 das virtudes e também dos pecados capitais ou ainda o 10, dos mandamentos. Interpretando seus textos, um teólogo alemão do século XVI, Peter Bungus, consumiu mais de seiscentas das setecentas páginas que escreveu sobre numerologia para defender a tese de que o número do demônio era 666. Como bom católico, Bungus aproveitou para concluir que o nome do líder de Reforma Protestante, Martinho Lutero (1483-1546) tinha o mesmo valor. Lutero, que não desdenhava uma boa querela, respondeu que 666 era a duração do regime papal, alegrando-se com a idéia de que o papado estaria no fim. Essa briga do diabo é exemplo do uso aleatório da chamada numerologia cabalística, uma invenção dos antigos hebreus para interpretar textos sagrados, mediante a associação de letras e números.
Além do fascínio pitagórico pelos números, a numerologia que hoje se pratica em consultórios - onde um diagnóstico de personalidade ou uma descrição de futuro saía, em fins de maio, por cerca de 100 cruzados novos - também foi influenciada pela cabala.

Cabalisticamente, frases com o mesmo número de palavras do mesmo valor numérico, embora não pareçam ter correlação, podem ser interpretadas juntas. Assim, quando a Bíblia menciona que Eleazar reuniu 318 soldados para salvar Lot, sobrinho do patriarca Abraão, o tamanho da tropa pôde chamar a atenção por ser tão preciso. "É que o valor numérico de Eleazar é 318", explica César Polcino, que apesar de matemático se interessa por misticismo e até acredita que cada número é uma espécie de força - confissão um tanto herética na sala onde ele trabalha, repleta de severos livros de Álgebra.

De seu lado, embora admita conhecer pouco a nova numerologia, o carioca Nilton Bonder não tem a mesma fé de que por trás de seu nome - cuja soma é 4 - existam números responsáveis, por exemplo, por seu gosto pelo surfe. Sua opinião é alicerçada pelo conhecimento do judaísmo que sua função de rabino exige. "A numerologia da cabala serve para inúmeros jogos de interpretação", nota ele. "Mas tudo é feito dentro de um contexto limitado, como os versículos bíblicos. Então, se brinco com números e chego a outro número, isso tem de fazer sentido no texto." Ele cita o exemplo da palavra crianças em hebraico (ieladim), cujo valor é a soma de pai (aba) e mãe (íma) nessa língua, como se também aí a união do casal gerasse filhos.

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