O espanto provocao pela confirmação, no Datafolha, da estabilidade de Lula em vigorosos 48% de aprovação levou, como de hábito, ao Bolsa Família. Em síntese, a maioria dos comentários deduziu que, nas classes da carência, o efeito favorável do programa não se abala nem com a ineficiência do governo exibida no longo "apagão aéreo", incluída a tragédia de Congonhas. É uma dedução linear, mas, se não suscita contestação, sua persistência sugere algumas ressalvas.
Em relação à crise aérea, por exemplo, uma constatação simples pode facilitar certas compreensões. O que tem acontecido nos saguões dos aeroportos, nos últimos meses, acontece todos os dias da vida toda da maioria carente nos hospitais públicos, nas filas e nos saguões do INSS, nas paradas de ônibus do "rush", nos trens que trazem e devolvem rebanhos humanos às cidades-dormitórios.
Não é lógico, e não é justo, esperar que essa maioria mudasse de opinião sobre a fonte do seu benefício, ao ver na TV, se viu, a experiência de uma ínfima parcela da classe média a viver, nos aeroportos, cenas comuns do seu dia-a-dia de carentes.
Com a tragédia de Congonhas é diferente. Não temos, ninguém tem, o direito de duvidar da comoção causada desde o mais alto ao mais baixo nível social. Isso não significa que as reações sejam uniformes, nem ao menos semelhantes. Politizar as reações é próprio das classes rica e média. Nas classes mais baixas a politização é sempre difícil. Não fosse assim, a realidade social e política do Brasil seria outra há muito tempo, metida em uma América do Sul também muito diferente do que é.
As emoções dos bem-servidos logo começaram a apontar, enquanto os destroços e os corpos ainda fumegavam, os imaginários "assassinos" e os co-autores da tragédia. Os carentes têm o hábito de uma resignação comovida, feita de dor e do que parece ser um sentimento de destino, imobilizador e irremovível. Os carentes são íntimos da tragédia.
A relação das classes carentes com a dinâmica da realidade, no Brasil, é mais complexa do que se tem percebido, no nosso facilitário intelectual, universitário e jornalístico. Daí, para dar um exemplo entre tantos possíveis em variados sentidos, que até hoje não haja explicações satisfatórias para a votação, ao fim do anti-social primeiro mandato de Fernando Henrique, com que grande parte do eleitorado de classes baixas assegurou-lhe a reeleição.
Complexo, o Brasil sempre foi. Se não me engano, chegou a uma complexidade cuja compreensão exige muito mais sutilezas do que temos hoje em dia.
JANIO DE FREITAS
Em relação à crise aérea, por exemplo, uma constatação simples pode facilitar certas compreensões. O que tem acontecido nos saguões dos aeroportos, nos últimos meses, acontece todos os dias da vida toda da maioria carente nos hospitais públicos, nas filas e nos saguões do INSS, nas paradas de ônibus do "rush", nos trens que trazem e devolvem rebanhos humanos às cidades-dormitórios.
Não é lógico, e não é justo, esperar que essa maioria mudasse de opinião sobre a fonte do seu benefício, ao ver na TV, se viu, a experiência de uma ínfima parcela da classe média a viver, nos aeroportos, cenas comuns do seu dia-a-dia de carentes.
Com a tragédia de Congonhas é diferente. Não temos, ninguém tem, o direito de duvidar da comoção causada desde o mais alto ao mais baixo nível social. Isso não significa que as reações sejam uniformes, nem ao menos semelhantes. Politizar as reações é próprio das classes rica e média. Nas classes mais baixas a politização é sempre difícil. Não fosse assim, a realidade social e política do Brasil seria outra há muito tempo, metida em uma América do Sul também muito diferente do que é.
As emoções dos bem-servidos logo começaram a apontar, enquanto os destroços e os corpos ainda fumegavam, os imaginários "assassinos" e os co-autores da tragédia. Os carentes têm o hábito de uma resignação comovida, feita de dor e do que parece ser um sentimento de destino, imobilizador e irremovível. Os carentes são íntimos da tragédia.
A relação das classes carentes com a dinâmica da realidade, no Brasil, é mais complexa do que se tem percebido, no nosso facilitário intelectual, universitário e jornalístico. Daí, para dar um exemplo entre tantos possíveis em variados sentidos, que até hoje não haja explicações satisfatórias para a votação, ao fim do anti-social primeiro mandato de Fernando Henrique, com que grande parte do eleitorado de classes baixas assegurou-lhe a reeleição.
Complexo, o Brasil sempre foi. Se não me engano, chegou a uma complexidade cuja compreensão exige muito mais sutilezas do que temos hoje em dia.
JANIO DE FREITAS
Comentários