Jonathan Schaeffer, um especialista em jogos de computador da Universidade de Alberta, no Canadá, acaba de provar, após 18 anos de cálculos matemáticos, que o jogo de damas é fadado ao empate. A partir de qualquer um dos 19 lances iniciais possíveis, ninguém ganha se nenhum dos oponentes fizer uma besteira: ganhar nas damas não é uma questão de usar uma estratégia superior, e sim de não cometer erros.
Assim é com outros jogos da infância, como jogo-da-velha, senha, o cubo de Rubik e até o recente sudoku: para todos existe algum algoritmo -uma seqüência de lances ou passos- infalível, que resolve o problema ou pelo menos garante o empate. Para alguns, o empate inevitável é suficiente para que damas e o jogo-da-velha sejam declarados "mortos", solucionados. Por que, então, as crianças adoram esses jogos, e por que eles eventualmente perdem a graça?
Jogos são extremamente estimulantes para o cérebro enquanto constituírem um desafio. Uma chance razoável de alcançar sucesso serve como motivação para abordar o problema, ou seja, jogar. E sucessos ocasionais, ao manterem o sistema de recompensa interessado e motivado a tentar de novo, aumentam as oportunidades de aprender o jogo e talvez de dominá-lo.
Para alguns jogos, como os de estratégia, o domínio completo não acontece: o sucesso dificilmente se torna 100% garantido. Mas, quando o sucesso se torna uma certeza, o sistema de recompensa perde o interesse e, no máximo, joga de novo de vez em quando, para checar se ainda se lembra do algoritmo para resolver o problema.
Perder o interesse pelo problema solucionado, por sinal, é ótimo para o cérebro, que abandona o que se tornou trivial e passa a problemas mais difíceis, que aproveitam as capacidades de raciocínio adquirida. E, assim, somos promovidos do jogo de damas ao xadrez, cujo final computador algum ainda consegue antecipar desde a abertura.
Os computadores de Schaeffer levaram 18 anos para considerar os caminhos entre os 19 lances iniciais possíveis e as 39 trilhões de posições finais para o jogo de damas e concluir que todos levam ao empate, o que "mata" o jogo. Talvez no mesmo tempo, o cérebro humano aprende a avaliar os lances possíveis para evitar movimentos errados e chegar ao empate -e então também conclui que o jogo perdeu a graça. Sabemos, contudo, fazer algo que os computadores não sabem: reclamar que o jogo perdeu a graça e pedir para jogar outra coisa.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)
Assim é com outros jogos da infância, como jogo-da-velha, senha, o cubo de Rubik e até o recente sudoku: para todos existe algum algoritmo -uma seqüência de lances ou passos- infalível, que resolve o problema ou pelo menos garante o empate. Para alguns, o empate inevitável é suficiente para que damas e o jogo-da-velha sejam declarados "mortos", solucionados. Por que, então, as crianças adoram esses jogos, e por que eles eventualmente perdem a graça?
Jogos são extremamente estimulantes para o cérebro enquanto constituírem um desafio. Uma chance razoável de alcançar sucesso serve como motivação para abordar o problema, ou seja, jogar. E sucessos ocasionais, ao manterem o sistema de recompensa interessado e motivado a tentar de novo, aumentam as oportunidades de aprender o jogo e talvez de dominá-lo.
Para alguns jogos, como os de estratégia, o domínio completo não acontece: o sucesso dificilmente se torna 100% garantido. Mas, quando o sucesso se torna uma certeza, o sistema de recompensa perde o interesse e, no máximo, joga de novo de vez em quando, para checar se ainda se lembra do algoritmo para resolver o problema.
Perder o interesse pelo problema solucionado, por sinal, é ótimo para o cérebro, que abandona o que se tornou trivial e passa a problemas mais difíceis, que aproveitam as capacidades de raciocínio adquirida. E, assim, somos promovidos do jogo de damas ao xadrez, cujo final computador algum ainda consegue antecipar desde a abertura.
Os computadores de Schaeffer levaram 18 anos para considerar os caminhos entre os 19 lances iniciais possíveis e as 39 trilhões de posições finais para o jogo de damas e concluir que todos levam ao empate, o que "mata" o jogo. Talvez no mesmo tempo, o cérebro humano aprende a avaliar os lances possíveis para evitar movimentos errados e chegar ao empate -e então também conclui que o jogo perdeu a graça. Sabemos, contudo, fazer algo que os computadores não sabem: reclamar que o jogo perdeu a graça e pedir para jogar outra coisa.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)
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