Passados anos da promulgação da Constituição, entra em vigor a Lei n 10.257, que regulamenta a política urbana no país.
Conhecida como Estatuto da Cidade, a legislação cria uma nova concepção de município e os mecanismos necessários para
colocá-la em prática. Entre outras coisas, o estatuto estabelece que todas as cidades com mais de 20 mil habitantes aprovem, até
2006, um plano diretor para organizar o crescimento do município e prepará-lo para o futuro. Embora a exigência de um plano diretor
estivesse prevista na Constituição, ela não era cumprida com rigor. Segundo a mais recente Pesquisa de Informações Básicas
Municipais (Munic), do IBGE, em 2001 menos de 40% das cidades com mais de 20 mil habitantes já haviam aprovado um plano
diretor. Entre os municípios com mais de 500 mil moradores, porém, a adesão ao plano era total.
Outro ponto importante do estatuto é a definição da função social da propriedade. Imóveis e terrenos vazios em regiões valorizadas
da cidade, mantidos para especulação imobiliária, são exemplos de propriedades que não cumprem função social. Para evitar essa
situação, o estatuto prevê a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo conforme o tempo de desocupação do imóvel, para estimular os proprietários a cumprir a função social. Caso o abandono do terreno ou imóvel persista, a prefeitura poderá recorrer à desapropriação.
Para disciplinar a ocupação do espaço urbano, o estatuto tem recursos como o da concessão onerosa do direito de construir.
Trata-se da cobrança de uma taxa pela exploração imobiliária da parte mais valorizada das cidades segundo os critérios do
município, que define o limite permitido para as construções de acordo com a metragem dos terrenos. Caso os empreendedores
queiram ultrapassar esse limite construindo prédios altos em lotes pequenos para aumentar seus ganhos, por exemplo, são
taxados. O dinheiro arrecadado com o imposto pode ser investido em bairros sem infra-estrutura.
Exclusão territorial – Nem sempre o planejamento é eficaz na organização das cidades. Há casos em que a legislação urbana
dificulta a solução dos problemas – ou mesmo cria outros problemas – porque há um conflito entre a realidade e a ordem urbanística
proposta no planejamento e nas leis municipais.
No Brasil, o zoneamento define padrões de ocupação do solo com base na lógica de investimento de mercado, que atende às
classes média e a alta. A produção de imóveis para essas classes, porém, representa uma pequena parcela da demanda por espaço
urbano e novas construções. O planejamento urbano provoca, assim, escassez de locais para construções populares, que são
empurradas para as áreas da cidade desvalorizadas e com pouco ou nenhum acesso a saneamento, transporte público, saúde,
educação e lazer. Na visão de especialistas, essa periferização da população de baixa renda conhecida como exclusão territorial
é outro fator gerador de violência urbana. Pesquisa da urbanista Raquel Rolnik constatou que entre os 28 municípios com a pior
situação de exclusão territorial do estado de São Paulo, 25 possuem os piores indicadores de violência. Já entre as 21 cidades mais
bem situadas em termos de localização e distribuição dos habitantes, 14 estão entre as menos violentas.
Vazios urbanos – A produção imobiliária para as classes média e alta não consegue ocupar todo o espaço destinado a elas.
Surgem então vazios urbanos em regiões valorizadas. Nos últimos anos, eles são criados também por causa da desocupação dos
bairros centrais, já que residir na parte mais urbanizada da cidade custa caro para a maioria da população. Com o desemprego e a
queda no poder aquisitivo das últimas décadas, moradores do centro de São Paulo, por exemplo, começaram a ter dificuldade para
pagar o aluguel ou comprar um imóvel nesses locais e tiveram de mudar-se. Na comparação entre os censos de 1991 e 2000,
verifica-se que a região central de São Paulo perdeu 20% dos moradores no período, enquanto o extremo sul da cidade, formado por bairros de infra-estrutura precária, ganhou 25% mais habitantes.
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