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‘Estamos no caminho certo, mas não na velocidade certa, na questão racial’, diz CEO da Bayer

 mbora o País tenha avançado na pauta racial nos últimos anos, ainda vai demorar algum tempo para que a equidade racial se torne uma realidade nas grandes empresas. A afirmação é do presidente para a América Latina da empresa química e farmacêutica alemã Bayer, Maurício Rodrigues. “A gente deve ter uma geração muito mais forte e diversa (em cargos de liderança) daqui a 10, 15 anos. É um sonho pensar que isso vai ocorrer no curtíssimo prazo, porque ele não vai. Nós estamos vivendo agora daquilo que foi plantado há 15, 20 anos”, afirma Rodrigues.

O executivo, um dos raros CEOs negros de empresas no Brasil, avalia que o primeiro passo para mudança nas empresas é não só apostar em programas de letramento racial e de traines, mas também diagnosticar o perfil de funcionários que a empresa possui. “Se as pessoas não se incomodam de estar num ambiente predominantemente branco e acham que isso é comum, uma mudança não vai se refletir em nenhuma forma dentro das empresas. São as empresas muito grandes que precisam liderar e servir como exemplo para várias outras. O governo puxa em determinados assuntos, mas não podemos ficar esperando”, diz.

Ele ainda destacou a importância da agenda ESG (sigla para meio ambiente, social e governança) na ascensão dessa disscussão. “O ESG não deixa de ser uma cota. Tomar medidas intencionais para determinadas áreas. Com o tempo, você vê o valor e vai além do correto a ser feito”. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Quando eu olho em retrospectiva, qual o horizonte que eu tenho? O da minha carreira. Eu tenho mais de 25 anos de trabalho e quando eu olho para 25 anos atrás, essa temática não estava lá. A gente não tratava, fingíamos que existia a tal democracia racial. O que eu acho que avançou? Entramos no nível de precisarmos nos conscientizar, nos letrar e identificar que existe um problema. Parece que é pouco, mas é muito, porque a melhor forma de resolver um problema em primeiro lugar é identificar que você tem. Eu acho que nós trabalhamos bastante na identificação disso nos últimos dez anos.

Ao longo dos últimos três anos, que coincidiu com a pandemia, com o caso do George Floyd (nos EUA), deu aquela aceleração que precisava e aí começou a ter mais iniciativas intencionais, mais discussões propositivas, mais métricas, e a gente começa a ver os avanços. Isso aconteceu com a pauta feminina e hoje a gente já começa a ver dentro dos grupos diretivos, lideranças e conselhos mais mulheres. Longe do ideal, mas com um percentual maior. Na questão racial eu espero que daqui 10, 15 anos a gente esteja olhando para trás e dizendo: “Olha o quanto a gente avançou”. Esses avanços dos últimos anos vêm como consequência de algo que o governo fez lá atrás. A entrada das cotas conseguiu qualificar muita gente, o que permiti que hoje se coloque pressão sobre as empresas para elas agirem. Vejo avanços. Eles são suficientes? Não. Eles são na medida que a gente precisa? Ainda não, mas para quem saiu do zero…

Esse é um momento complexo, porque você começa a incomodar. Você ainda não tem representatividade na proporção que devia, mas já começa a incomodar. Para conseguir fazer com que a pauta chegue, você tem de falar do tema toda hora e aquilo incomoda, então gera reação, gera repercussão, gera comoção e uma série de coisas. Mas eu acredito que a gente esteja no caminho certo, embora não na velocidade certa. Esse é um problema não só das empresas, mas da sociedade. Quantas pessoas chegam num restaurante de luxo e fazem o teste do pescoço? Olham para o lado e veem quantos negros estão lá? Eu faço isso constantemente por estar sempre nesse ambiente e invariavelmente eu sou o único. Se as pessoas não se incomodam de estar num ambiente predominantemente branco e acham que isso é comum, uma mudança não vai se refletir em nenhuma forma dentro das empresas.

A Bayer é uma empresa de inovação, onde o tema da diversidade de uma forma mais ampla vem sendo tratado há muito tempo. Diversidade racial é uma coisa de 10 anos pelo menos, porque quando você fala da diversidade de gênero é uma coisa global. Na Argentina ou na Suécia, você tem homens e mulheres, mas não necessariamente uma grande população de pessoas negras. Nossa sede é na Alemanha, onde não necessariamente a temática racial era contundente dez anos atrás. No Brasil isso vem amadurecendo. O BayAfro permitiu que a gente conseguisse ter foco, trabalhar muito em letramento racial, educação, trazer muitos dados e começar a reverter aquela percepção de que o problema não existia e de que a gente não tinha muitas referências positivas negras dentro do País. A hora que você começa a fazer isso, a consciência vem. Em função de construir essa base, você consegue crescer. Às vezes as pessoas falam: “tiveram programas que foram reativos, eles vêm e vão. Fogo de palha”. Não acho que foi o nosso caso. Nós amadurecemos o suficiente e temos consistência.

Eu nem considero barreiras, eu considero questionamentos naturais. A primeira pergunta que as pessoas fazem é: “Por quê?”. Talvez os dados tenham nos ajudado a dar consistência para isso. Porque a gente precisa acelerar a liderança, estamos abaixo dos porcentuais e isso deu consistência para fazer algo. Não é algo que nasceu do dia para noite. Acho que o consenso, que todo mundo acredite naquilo de maneira uniforme, é impossível. Mas acho que a gente tinha suporte para conseguir ter o sucesso do programa. Eu quero olhar daqui a 15, 20 anos e ouvir as pessoas falarem: “Nossa, a gente faz isso toda hora. A gente já não precisa de tantos programas porque isso influenciou e gerou mudança”. É isso que buscamos como empresa.

Presidente da Bayer para América Latina, Maurício Rodrigues. Foto: Foto Reinaldo Canato / Bayer

Nós não trabalhamos de uma maneira tão regionalizada, mas eu consigo entender que existem muitas realidades dentro de um país continental. Você tem um percentual de população negra na Bahia que é totalmente diferente do Rio Grande do Sul. Isso não impede que você tenha os mesmos valores que precisam ser adotados num Estado e em outro, mas eventualmente você vai ter mais intensidade em determinada região. Nós trabalhamos diversidade na América Latina. Onde a gente trabalha a temática racial? Na Argentina? Não! No Brasil. Na Argentina a gente tem muitas outras temáticas de gênero, de orientação sexual, de gerações que eventualmente são mais fortes e a gente não tem uma temática tão forte da questão racial. No caso do Brasil, existem vários “brasis”. O que tentamos é identificar como funcionam as diversas partes do País.

Sempre que precisam de um CEO negro, me chamam. Ou eu sou extremamente capaz, a pessoa mais influente do mundo, ou tem pouca gente nessa cadeira. Acho que com certeza deve ter vários outros, tivemos vários outros. Tínhamos na Amil… mas ainda é um número… Quando a gente começa a tentar achar justificativa para isso normalmente falam: “Não, tem mais aqueles dois ou três…”. São 220 milhões de pessoas, quantas empresas a gente tem, quantos CEOs a gente tem, qual o porcentual da população? É baixo. Eu não sei se é 1, 5, 10. Qualquer número desses é infinitamente baixo. Eu venho daquelas pessoas que tiveram a condição, de que na geração anterior alguém quebrou um ciclo. Meu pai e minha mãe conseguiram chegar até um determinado ponto tendo partido de uma base muito, muito difícil, o que talvez me abriu portas para eventualmente conseguir atingir uma função dessas. Eu acredito que, se a gente tiver consistência nesses programas, intencionalidade e coragem para criar programas cada vez mais efetivos, devemos ter uma geração muito mais forte e diversa daqui a 10, 15 anos. É um sonho pensar que isso vai ocorrer no curtíssimo prazo, porque ele não vai. Nós estamos vivendo agora daquilo que foi plantado há 15, 20 anos, que não era muito forte. Hoje tem vários jovens no LinkedIn que me chamam de CEO do futuro, mas isso não estava lá 10 anos atrás. Muito do que fizeram para abrir portas e fazer essa crianças sonharem permite com que a gente imagine que daqui a 15, 20 anos vai ser melhor. Vai ser um processo constante e a gente não pode diminuir a intensidade e nem acreditar que a gente chegou lá.

Na maior parte dos casos ele já é visto como um gerador de valor. Mas isso não impede que, dentro desse caminho, algumas pessoas estejam ali simplesmente cumprindo tabela, é natural que seja assim. Mas, mesmo nesses casos, é positivo, porque vai fazer com que algumas pessoas consigam quebrar esse ciclo e entrar nas empresas. E muitas vezes essas pessoas vão conseguir provar o quão positivo isso é. Quando eu olho 20 anos depois o que houve na discussão das cotas e vejo os resultados, está sendo mostrado que aquilo que começou meio torto hoje está se mostrando efetivo. Eu acredito que o fato de a gente discutir e tomar ações é positivo, porque isso vai provar para as pessoas que aquilo é efetivo. Alguns estão mais conscientes e outros vão se convencer conforme os dados aparecerem. Precisamos sair do gerúndio, da conversa e partir para ação de maneira mais efetiva.

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