após censo uma realidade se impõe na formatação sociodemográfica brasileira. A proporção entre mulheres e homens na sociedade fica cada vez mais desbalanceada em favor das mulheres. Em 1980, por exemplo, para cada grupo de 100 mulheres, havia 98,7 homens. Em 2010, caiu para 96 e, no último levantamento, de 2022, foi para 94,2. Pela primeira vez esse cenário se dá em todas as porções do Brasil, com a inclusão inédita da Região Norte, sendo a Sudeste a com maior discrepância na razão de sexos.
Vale observar que essa inversão não se dá de maneira natural, já que nascem mais homens do que mulheres em terras brasileiras. A mortalidade, no entanto, principalmente em decorrência da violência urbana, é que muda esse contexto. Quando se atinge a faixa dos 25 aos 29 anos, as mulheres tornam-se maioria em todo o território. Chama a atenção, no Nordeste, esse fator já ocorrer no grupo de 20 a 24 anos de idade.
Segundo dados do Google Brasil, a busca sobre a palavra feminicídio aumentou em 120%, de 2012 até o ano de 2022, chegando a ser o tema mais buscado na plataforma no último ano. A agenda sobre a mulher ganhou tamanho peso na comunicação brasileira, que parece até contraditório o fato de só existirem mais mulheres no país, em função da morte de jovens homens, e o tema feminicídio ser o protagonista no maior buscador de conhecimento do país. Óbvio que os assuntos são independentes e a questão da violência contra a mulher é uma chaga a ser extirpada, que ficou em segundo plano na discussão de políticas públicas anos a fio, mas o dado não deixa de ser curioso.
Com o maior número de mulheres justamente na transição da adolescência para a vida adulta, esse novo desenho social brasileiro impacta sobremaneira a vida eleitoral do país. Enquanto a proporção para o censo geral é de 51,5% de mulheres contra 48,5% de homens, quando analisamos apenas os eleitores aptos a votar, as mulheres são 53% ante 47% dos homens. Quando se faz um corte para entender onde está a maior porção do eleitorado nacional, encontra-se 11% de mulheres de 35 a 44 anos.
As mulheres millenials são o maior eleitorado do Brasil. Em pesquisa da consultoria Deloitte, chama a atenção que para 42% desse nicho eleitoral, sua maior preocupação na atualidade é com o custo de vida. A inflação sobre alimentos e os altos valores de moradia são os pontos altos para essa percepção. A instabilidade no trabalho formal é uma outra característica dessa geração, que também não nutria tanto o sonho da casa própria, como seus antepassados. Essa combinação tem criado uma dificuldade muito grande na relação com o pagamento de alugueis e a inadimplência crescente.
As mulheres, como um todo, são as que mais usufruem dos serviços públicos no Brasil. São elas que normalmente levam seus filhos aos postos de saúde, utilizam o transporte público para tal e cuidam da relação com as escolas e creches. Pesquisa realizada pelo PoderData sobre a utilização do SUS, mostra que 79% das mulheres dizem usar sempre ou às vezes o serviço, contra 68% dos homens. Portanto, as mulheres acabam por serem mais realistas na avaliação das administrações por serem usualmente servidas por elas.
Não obstante ao pragmatismo em relação aos serviços públicos e esse ser o fio condutor na maioria das decisões de voto, a pauta dos direitos da mulher e questões de combate à violência sexual e moral, a equiparação de salários e renda, ademais uma nova configuração familiar, com muitas mulheres divorciadas, separadas e mães solteiras, são pontos que hoje não ficam de fora do processo de definição da escolha eleitoral. Uma mistura de cuidado com empoderamento, que faz com que haja ou não empatia na hora de sufragar.
Nos últimos anos, os partidos de esquerda têm conseguido maior penetração no eleitorado feminino por portarem em suas bandeiras as pautas de defesa da mulher com mais afinco. Soma-se a isso, uma visão mais assistencial dos serviços públicos. Esse ponto pôde ser observado na eleição presidencial de 2022, quando as pesquisas apontavam alta rejeição das mulheres a Bolsonaro e a candidatos que estavam no seu raio de ação. No início da campanha eleitoral, segundo o IPEC, 61% das mulheres diziam rejeitar Bolsonaro. Com muito esforço e presença, principalmente, da ex-primeira dama Michele Bolsonaro tentando criar um vínculo maior com as mulheres evangélicas, as últimas pesquisas apontaram uma rejeição na casa dos 54%.
Em um estudo de neuromarketing realizado durante o processo eleitoral de 2022, foram reunidas 100 mulheres indecisas de todas as classes sociais e regiões do Brasil para serem impactadas por mensagens e associa-las a Lula ou Bolsonaro. Chamava a atenção que em imagens de acolhimento, as mulheres acabavam por movimentar-se em direção a Lula e de combate ou luta a Bolsonaro. Com imagens que geravam algum tipo de medo, Bolsonaro liderava, e com as que causavam dúvida, Lula liderava. Observou-se então que, apesar de não terem tanta certeza para escolher Lula, a maioria optava por se sentirem menos ameaçadas.
Após a experiência Bolsonaro, a direita brasileira precisará reavaliar sua relação com o voto feminino. As marcas de certa truculência e pouco afeto, com baixa defesa das causas de empoderamento, além de uma política menos assistencial são fatores negativos que foram deixados pelo ex-presidente e que precisarão de um novo trato, caso o futuro candidato deste polo queira ter sucesso eleitoral. Coincidência ou não, desde 2010 quando se observou essa maior diferença na equação mulher-homem, a direita só venceu uma eleição presidencial em quatro possíveis. A direita, que já produziu grandes líderes mulheres, no âmbito mundial, como Margareth Thatcher, Angela Merkel, Ellen Sirleaf, dentre outras, precisará se reposicionar no Brasil para galgar maiores voos.
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