Pense no Brasil e, se você for como a maioria das pessoas, a imagem de praias com palmeiras, samba e caipirinhas virá à sua mente. Esse clichê precisa ser atualizado. Nas últimas duas décadas, o centro de gravidade da política e da economia começou a mudar das costas úmidas, às quais se dizia que os brasileiros se agarravam “como caranguejos”, para as vastas e áridas planícies da região central do País. A trilha sonora de lá é o sertanejo. A bebida preferida é a cerveja gelada.
O censo do Brasil, o primeiro em 12 anos, mostrou uma tendência importante quando foi publicado em junho. Sete dos dez municípios que mais cresceram estão na região agrícola do Sudeste e no Centro-Oeste do País. A população do Centro-Oeste, que inclui os Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além da capital Brasília, cresceu 1,2% ao ano, mais do que o dobro da taxa nacional.
O Sudeste ainda tem a maior parcela da população brasileira e do dinheiro – o Estado de São Paulo, sozinho, é responsável por um terço do PIB do Brasil e é o lar de um quinto da população nacional. Mas, até mesmo em terras paulistas, é na região agrícola onde a população e a economia estão crescendo mais.
As migrações no Brasil não são novidade. O deslocamento daqueles do Nordeste pobre para o polo industrial em torno da cidade de São Paulo influenciou bastante a economia e a cultura do País na segunda metade do século 20. O atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é o mais famoso dos milhões que fizeram essa travessia. Depois de a fome assolar sua cidade natal em Pernambuco, sua mãe colocou os oito filhos em um pau-de-arara e seguiu em direção ao sul do País.
Lula ganhou destaque como líder sindical na indústria automobilística nas proximidades de São Paulo. Agora, quando as pessoas saem do Nordeste, elas tendem a ir para a região central do Brasil. O que mudou foi a percepção de quais atividades podem proporcionar uma vida melhor, disse Carlos Vian, da Universidade de São Paulo (USP). “Antes, era a indústria; não mais.”
O ímã que atraiu Lula para São Paulo perdeu força. Em meados da década de 1980, a indústria representava um terço do PIB do Brasil; hoje ela responde por apenas 10%. O superávit do País no setor, US$ 6 bilhões em 2005, tornou-se um déficit de US$ 108 bilhões em 2019. A produção na indústria e nos serviços estagnou ou encolheu.
A agricultura, a base da economia brasileira no século 19, está de volta. O País ainda exporta café e açúcar, que já foram cultivados em plantações onde pessoas escravizadas trabalhavam. Desde o início dos anos 2000, a demanda voraz da China tem estimulado um aumento da produção de soja, grãos e carne. As exportações agrícolas, como parte do total, mais do que quadruplicaram desde 2000, para 40%. Atualmente, o setor é responsável por um quarto do PIB e emprega uma parcela semelhante de trabalhadores. De 2002 a 2020, a economia de Mato Grosso, o reduto da soja, cresceu 4,7% ao ano em termos reais, mais do que a de qualquer outro Estado e mais do que o dobro da taxa nacional.
O boom do agronegócio está mudando aos poucos a demografia e a cultura. Na década de 1970, mais de quatro quintos do crescimento populacional ocorriam nas maiores cidades. Nos últimos 12 anos, durante os quais a população cresceu mais lentamente, dois terços do crescimento ocorreram em cidades de médio porte.
A cidade de Sinop, um polo da soja em Mato Grosso, é um exemplo da tendência. O Estado tinha poucos habitantes até meados do século 20. Sucessivos governos se propuseram a povoar a região central do País. Órgãos foram criados para oferecer terrenos e crédito baratos às pessoas que se mudassem para lá. Eles se multiplicaram durante a ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Sinop, fundada em 1974, tem o nome de uma das empresas que se propôs a povoar esta parte do País.
No início, a vida era difícil para esses novos moradores (embora tenha sido ainda mais difícil para os povos indígenas que eles expulsaram). A terra cor de ferrugem produzia pouco e as doenças se alastravam depressa. A tecnologia veio para ajudá-los. Na década de 1980, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu uma variedade de soja que prosperava nos solos ácidos da região. Entre os beneficiários estava o pai de Juliano Antoniolli, que chegou em Sinop em 1981, antes de as fazendas terem acesso à eletricidade. Naquela época, o centro da cidade era “apenas uma grande poça de lama”, disse Antoniolli, fazendeiro, 38 anos.
Agora, quatro mil cabeças de gado perambulam ao lado das plantações de soja e milho em sua propriedade de 2.400 hectares perto de Sinop. Drones pulverizam fertilizantes e tratores John Deere puxam arados. Três receptores da Starlink, empresa de internet via satélite de Elon Musk, conectam a fazenda à internet. Antoniolli emprega 12 pessoas em tempo integral e outros trabalhadores temporários durante a época da colheita. Ele paga em média um salário de RS 8 mil por mês, três vezes o salário médio do Brasil. Ele vende a maior parte de seus produtos para a Cofco, uma gigante chinesa do setor de alimentos.
Graças ao dinheiro e aos empregos trazidos pelo boom agrícola, não apenas para os agricultores, mas para os trabalhadores da construção civil e outros, a população de Sinop aumentou 73% nos últimos 12 anos, chegando a 200 mil. Hoje uma cidade com rotatórias e concessionárias de automóveis, ela se assemelha mais a um povoado no sul dos Estados Unidos do que às metrópoles na costa do Brasil. Um posto de gasolina se autodenomina Texas, e um açougue, Super Beef.
Com a influência econômica vêm outros tipos de influência. O sertanejo tornou-se o estilo musical mais popular do Brasil. Em 2003, 16% das músicas mais tocadas nas rádios brasileiras eram desse gênero. Em 2022, três quartos delas eram sertanejo. Um subgênero, o agronejo, faz referências ao agronegócio. O cantor Luan Pereira compôs um hit com menções a uma Dodge Ram, uma caminhonete americana robusta e a favorita dos barões da soja. O vídeo teve quase 100 milhões de visualizações nos últimos seis meses no YouTube. Alguns cantores sertanejos se autodenominam “brutos”, em oposição aos “playboys” da cidade. “Cinco playboy não faz o que um bruto faz (sic)”, vangloria-se na música o DJ Kévin, usando um chapéu de cowboy, ao lado de Pereira.
A confiança do sertanejo representa um desafio para Lula e seu governo. Por um lado, o Planalto acolhe o crescimento econômico que acompanha a expansão agrícola. Por outro, preocupa-se com seu custo ambiental e suas implicações políticas. A agricultura está crescendo em parte às custas do cerrado, o segundo maior bioma do Brasil, ficando atrás apenas da Amazônia.
Os donos dessas terras tendem a ser fãs de Jair Bolsonaro, o presidente de direita que Lula derrotou nas eleições do ano passado. (Aliás, segundo um site de notícias, Antoniolli estava entre os apoiadores do ex-presidente que atacaram as sedes dos três poderes em Brasília, em janeiro, em protesto contra a posse de Lula. Ele disse ao site ter saído dali assim que o vandalismo começou.) Em resposta ao censo, o Supremo Tribunal Federal do Brasil fixou um prazo em agosto para a primeira redistribuição de cadeiras na Câmara desde 1993. O Nordeste favorável a Lula sairá perdendo, enquanto a região central agrícola ganhará.
Lula iniciou seu terceiro mandato em janeiro (ele esteve no poder de 2003 a 2010) como inimigo da agropecuária. Durante a campanha eleitoral, propôs limitar as exportações de carne bovina para manter os preços no País baixos. No entanto, desde então, tem tentado melhorar a relação com o agronegócio, oferecendo mais apoio e, ao mesmo tempo, persuadindo-o a ser mais sustentável. No dia 27 de junho, anunciou que o governo disponibilizaria R$ 364 bilhões em empréstimos subsidiados a agricultores, o maior plano de crédito rural do Brasil. Os produtores que utilizam energia renovável e agrotóxicos não químicos serão beneficiados com os empréstimos mais baratos.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criado na década de 1950 para promover a indústria, está mudando o foco para o financiamento da agricultura. Em 2009, o agronegócio recebeu apenas 5% dos empréstimos do banco. No ano passado, quase um quarto dos recursos financeiros do BNDES foram destinados à agricultura e menos de um quinto à indústria. É improvável que a distribuição volte a mudar sob o governo de Lula.
Muitos produtores afirmam apoiar o esforço do governo em tornar a agricultura mais sustentável. Daniel Freire, chefe de uma rede de frigoríficos no Pará, disse que sua empresa precisa de licenças ambientais para as exportações com destino à Europa e aos EUA. “Para exportar para os melhores mercados do mundo, é importante melhorar nossos padrões sanitários e ambientais”, afirmou. Em abril, o Parlamento Europeu aprovou uma lei que, a partir do final do próximo ano, obrigará os produtores de commodities a comprovar se seus produtos contribuem ou não para o desmatamento desde 2020.
Contudo, em particular, muitos produtores reclamam da legislação ambiental. Eles se opõem, e às vezes desrespeitam, ao Código Florestal que obriga os agricultores do cerrado a manter entre 20% e 35% de vegetação nativa em suas propriedades. Alguns produtores e fazendeiros avançam para dentro da floresta tropical em Estados como o Pará, onde a exigência é mais rigorosa (80% da sua floresta devem ser preservadas), porém a fiscalização é ainda mais fraca.
O Brasil é um dos poucos países onde as terras para cultivo continuam em expansão. O Departamento de Agricultura dos EUA estima que até 2031 outros 20 milhões de hectares, cerca de um quarto da área atual de cultivos, estarão produzindo. Mas o crescimento não precisa significar derrubar árvores. Acredita-se que cerca de 170 milhões de hectares de pastagens sejam subutilizados. Se os agricultores cultivassem soja em apenas 10 milhões desses hectares, poderiam aumentar a produção em 40 milhões de toneladas por ano na próxima década, praticamente 10% da produção global de hoje, disse Daniel Amaral, da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais.
A produção de cada hectare também pode aumentar. Os produtores brasileiros de milho cultivam uma média de seis toneladas métricas por hectare, metade do que os agricultores americanos plantam. Uma infraestrutura melhor poderia alavancar os lucros e os investimentos. Os caminhões que transportam os grãos do Mato Grosso para o porto precisam percorrer uma estrada de mil quilômetros toda esburacada. As despesas do Brasil com a logística são equivalentes a 12,1% do Produto Interno Bruto, em comparação com os 7,6% dos EUA. Os produtores têm muito a ganhar com um governo que invista na redução desses gastos.
Em lugares como Sinop, o futuro parece promissor. No entanto, crescem os temores de que o sucesso dos produtores brasileiros possa conter as sementes da sua ruína. O desmatamento do cerrado poderia mais cedo ou mais tarde levar à redução das chuvas. Os sinais da pressão das mudanças climáticas já começaram a surgir. O sertanejo poderia perder sua confiança qualquer dia desses.
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