Quase uma década após ter o conceito de arena formalmente apresentado com as construções e reformas para a Copa do Mundo de 2014, o futebol brasileiro vive uma nova etapa de modernização de seus estádios, fortemente voltada à tecnologia. Soluções e serviços estão sendo desenvolvidos para tentar oferecer aos torcedores mais segurança e comodidade, além de construir uma experiência que transcenda os gramados.
Há mobilização em diversos clubes, mas, neste ano, dois casos apresentam maior apelo por serem declaradamente ambiciosos. A Arena MRV, novo estádio do Atlético-MG, em Belo Horizonte, ainda em fase de testes, se coloca como “a mais tecnológica da América Latina”. Em Curitiba, o Athletico-PR transformou a Arena da Baixada em Ligga Arena após fechar acordo de Naming Rights com a empresa de telecomunicação, que está ajudando na modernização do estádio.
Um dos pontos primordiais em ambos os casos é o objetivo de fornecer um melhor sinal de internet, que não costuma funcionar muito bem em estádios por causa da grande quantidade de pessoas utilizando o serviço ao mesmo tempo. Com a nova parceria, o Athletico-PR planeja ter uma conexão mais sólida tanto para os torcedores quanto para os profissionais da imprensa.
“A gente detém toda a tecnologia mais moderna. A fibra óptica, no caso de conectividade fixa, e a licença 5G, no caso de tecnologia móvel”, afirmou Rafael Marquez, CRO da Ligga, ao Estadão. “Como é que o torcedor, ou usuário em um show, consegue não ter o famoso apagão que acontece nas tecnologias móveis? É um desafio mais de modelo de negócio, do investimento que tem por trás. Como é algo muito recente, a gente está trabalhando junto com o time de tecnologia do Athletico para poder trazer, em cima das tecnologias 5G, fibra e Wi-Fi, a melhor solução para quem frequenta e para quem trabalha na arena.” Vai beneficiar muita gente.
O Atlético-MG, por sua vez, promete ser pioneiro com o Wi-Fi 6E, tecnologia que minimiza o congestionamento na rede e ainda está em processo de análise técnica pela Anatel. Em movimento de antecipação para quando houver a disponibilidade no Brasil, o que pode ocorrer até o fim deste ano, a Arena MRV recebeu um evento teste do Wi-Fi 6E, com a presença do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil).
“Nós já temos uma internet de alta qualidade, e os provedores, associações, Anatel e Ministério das Comunicações, resolverem fazer este experimento da evolução do Wi-Fi aqui. É por estarmos nos posicionando com esta visão protagonista de inovação. Por que não trazer essa comodidade, essa facilidade?”, disse Leandro Evangelista, gerente de tecnologia da Arena MRV, durante o evento, realizado no fim de junho.
A dificuldade da implementação de uma melhor conexão também motiva a busca por outros tipos de soluções. O Internacional, por exemplo, está desenvolvendo uma carteirinha de sócio digital, via aplicativo, que poderá ser acessada de forma offline, sem conexão com a internet. A tendência é ter aplicativos com funcionalidades cada vez mais integradas aos estádios. Antenado à demanda, o Atlético-MG lançou um aplicativo, ainda em aprimoramento, chamado Super App e considerado o ‘centro de gravidade’ da Arena MRV.
Uma das funções é a compra antecipada de tickets de bebida e comida para evitar filas, como já ocorre na Ligga Arena. O clube não quer circulação de dinheiro em espécie e dará a opção de carregar cartões para consumo em caixas físicos. Haverá, ainda, venda antecipada de vagas no estacionamento, com um sistema de leitura de placas para liberação automática da cancela. O Super App também oferece um mapa que indicará as melhores rotas para deslocamento dentro da arena.
Com a segurança nos estádios no centro dos debates sobre futebol, em meio aos inúmeros episódios de violência e preconceito, o reconhecimento facial se apresentou como um possível aliado no combate aos comportamentos agressivos ligados ao esporte. A tecnologia utiliza traços do rosto de cada torcedor para liberar a entrada, por isso exige cadastro prévio. Assim, promete reconhecer infratores dentro do estádio e combater o cambismo.
O Goiás foi pioneiro na utilização do reconhecimento facial, colocado em funcionamento pela primeira vez no Estádio da Serrinha em outubro de 2022, durante jogo com o Corinthians. Além disso, há câmeras instaladas em capacetes utilizados pelos seguranças particulares contratados pelo clube. “O sistema funcionou bem e, agora, em 2023, ele está sendo usado em todas as nossas partidas no Estádio Hailé Pinheiro”, afirma Paulo Rogério Pinheiro, presidente do clube esmeraldino.
Em São Paulo, o Palmeiras começou a implementar o sistema de forma gradual, no início deste ano, e já opera com 100% de acesso via biometria facial no Allianz Parque. O processo é o mesmo adotado pelo Atlético-MG, que fez as primeiras avaliações durante o ‘Lendas do Galo’, o primeiro de uma série de eventos-teste do estádio, realizado no último domingo, dia 16. Foi a primeira vez que o local recebeu um jogo de futebol, com a presença de ídolos atleticanos como Ronaldinho Gaúcho, Reinaldo, Dadá Maravilha e Diego Tardelli. A inauguração oficial deve ser na segunda metade de agosto.
“Nosso objetivo é proporcionar agilidade, facilidade e segurança, integrando os 18 portões de acesso ao estádio com tecnologias de última geração para altos fluxos de tráfego. A Arena MRV será a arena mais tecnológica da América Latina, com diversos diferenciais para facilitar a gestão e a experiência do público. Com toda a certeza os atleticanos contam com uma arena inovadora”, afirmou Tironi Paz Ortiz, CEO da Imply, empresa responsável pelo fornecimento da tecnologia à MRV Arena.
Fora a segurança e o combate ao cambismo, o reconhecimento facial também é visto como uma forma de melhorar a relação entre clube e torcedor. “É um recurso utilizado para melhorar a experiência de fluxo, segurança e identificação”, afirmou Fernando Patara, cofundador do centro de fomento à inovação em esporte Arena Hub. “Colocar o fã no centro das ações é o maior desafio. Deter o máximo possível de informações com relação aos hábitos, produtos e serviços obtidos faz com que consigamos personalizar e valorizar as entregas. As marcas caminham na mesma direção, transformando seus consumidores em fãs e ações como essas os aproximam mais dos objetivos.”
O torcedor visto como consumidor faz os departamentos ligados a tecnologia e inovação dentro dos clubes pensarem em formas de proporcionar experiências complementares ao jogo de futebol. No Brasil, ainda é algo pouco explorado, mas as possibilidades vão desde um aplicativo que permite ler dados em tempo real quando apontado para um jogador, a exemplo do “Fifa+”, até a possibilidade de ter uma pista de kart no subsolo do estádio, como o Tottenham Hotspur Stadium, em Londres.
“A gente não vê tecnologia como barreira, é muito mais a questão de viabilizar de acordo com nossa nossa realidade aqui do Brasil”, disse Rafael Marquez, CRO da Ligga. “Podemos potencializar esse programa. Expandir essa experiência para antes, durante e depois. Então, para cada uma dessas etapas, a gente poderia permitir ativações de experiências que a tecnologia vai propiciar ainda mais envolvimento com espetáculo em si. A gente se permite sonhar alto.”
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