É bem possível que você já tenha passado mais de uma vez por uma situação assim. Uma decisão precisa ser tomada. Já. Um mecanismo qualquer dentro da sua cabeça é acionado e lhe diz para escolher a alternativa A, desprezando todas as outras. Não há tempo para pesar na balança os prós e os contras. Você opta por A, sem vacilar. O motivo, você não sabe. Mas fica com uma certeza duradoura de que fez a melhor escolha. Isso se chama intuição ou sexto sentido, como dizem alguns.
Esqueça o filme que leva esse nome, estrelado por Bruce Willis. A intuição não tem nada de místico ou sobrenatural. É uma capacidade natural do cérebro humano, ao alcance de qualquer indivíduo. "Trata-se de um conhecimento cuja origem não sabemos localizar e que é impossível de ser explicado em palavras", define a psicóloga Zula Giglio, do Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Ela vem à tona quando o cérebro não está envolvido com o raciocínio lógico ou análises minuciosas."
O psicólogo americano Gary Klein, autor de um livro sobre o processo mental da tomada de decisões, colecionou nos últimos quinze anos centenas de histórias que mostram a intuição em funcionamento. Ele e sua equipe monitoraram o desempenho de bombeiros, militares, enfermeiras, pilotos de aeronaves e até jogadores de xadrez. Em comum, esses profissionais têm o triplo desafio de decidir em intervalos de tempo mínimos, correndo altos riscos e com informações incompletas. Foi ele quem colheu as histórias que acompanham esta reportagem. "Profissionais experientes sabem que podem recorrer à intuição", afirma Klein. "Mas, ao mesmo tempo, se sentem desconfortáveis por acreditar numa estratégia tão parecida com o acaso." Na escolha racional, não há lugar para surpresas. O sujeito avalia as opções, calcula as conseqüências e faz a sua aposta. A decisão intuitiva queima todas essas etapas e funciona, por incrível que pareça.
TRILHAS SEPARADAS
Para desvendar esse mistério, cientistas de vários países estão investigando os processos mentais envolvidos na intuição. Um dos mais importantes é o psicólogo americano Jonathan Schooler, do Centro para o Desenvolvimento da Pesquisa e da Aprendizagem, da Universidade de Pittsburgh. Sua atenção está voltada para uma propriedade do cérebro chamada pensamento não-verbal. Você se dá conta da sua existência quando tem a noção de que sabe algo, mas não consegue explicar como. Esse conhecimento inclui coisas tão díspares quanto à lembrança do cheiro de uma rosa, atos mecânicos como o de pedalar uma bicicleta e as decisões que a gente toma sem pensar. Schooler garante que o conhecimento verbal e o não verbal seguem caminhos diferentes dentro do cérebro. "Os pensamentos intuitivos são interrompidos toda vez que tentamos colocá-los em palavras",
Numa de suas experiências, o psicólogo Jonathan Schooler mostrou o vídeo de um assalto a banco a um grupo de voluntários. A pedido dos pesquisadores, alguns deles descreveram o rosto do assaltante com o maior número possível de detalhes. Enquanto isso, outros se distraíram com tarefas que não tinham nada a ver com o assunto, tais como citar o nome de todos os Estados norte-americanos. Depois, todos os participantes tiveram de apontar a foto do criminoso em meio a um grupo de sete retratos similares. O grupo dos que tinham tentado descrever o assaltante teve um índice de acertos 26% menor do que o daqueles cuja mente ficou longe do assunto. "Nesse contexto, a verbalização tem um efeito negativo", comentou Schooler. "Ela bloqueia o julgamento baseado na intuição."
LINGUAGEM VISUAL
O desafio dos cientistas é mapear os atalhos que o pensamento percorre dentro do cérebro até chegar a um lampejo intuitivo. Schooler acredita que esse processo tem uma ligação estreita com as áreas encarregadas de reconhecer padrões visuais. Os testes em laboratório mostram que os indivíduos mais habilidosos na identificação de objetos em fotografias fora de foco são também os que mostram melhor desempenho na resolução de problemas ligados ao que os psicólogos chamam de insight tarefas mentais que não dependem do uso de palavras.
Quer um exemplo? Sabe aqueles joguinhos de salão em que você tem de formar figuras geométricas mexendo moedinhas ou palitos de fósforo? mas, se alguém lhe perguntar como fez para resolver o problema, a resposta será provavelmente "não sei". Segundo Schooler, esse é tipicamente um problema cuja solução depende muito mais do pensamento intuitivo do que do raciocínio lógico. Como isso acontece, é um mistério. "As pessoas resolvem o quebra-cabeça mais depressa e até com mais facilidade quando estão distraídas", comenta o arquiteto paulista Luiz Dal Monte, designer de jogos. "Mas não conseguem lembrar os passos que deram." Schooler suspeita de que a resolução desse tipo de problema estimula centros de atividade elétrica em áreas do córtex cerebral que lidam com a visão e com o conhecimento espacial. Essa atividade pode se espalhar para outras regiões do cérebro, ampliando o leque de possíveis soluções. Na opinião do psicólogo, o raciocínio verbal pode atuar como um freio para essa reação em cadeia, pois ocorre no córtex pré-frontal, que é capaz de interromper a atividade elétrica em qualquer região do cérebro.
As pesquisas do neurologista Arthur Oscar Schelp, da Universidade Estadual Paulista, sugerem que a intuição compartilha vários dos processos cerebrais envolvidos no mecanismo da memória, como a associação de idéias. "A integração das informações relacionadas com a intuição ocorre nas mesmas regiões do córtex que participam do armazenamento e da recuperação de dados", explica.
Os cientistas contestam o velho lugar-comum de que as mulheres são mais intuitivas do que os homens. Para esclarecer o assunto, os psicólogos americanos Beverlie Fallik e John Elliot, da Universidade de Maryland, aplicaram em 1985 um teste de intuição em 200 estudantes 79 rapazes e 121 moças. O desafio era o de resolver problemas, como completar uma seqüência de números ou de palavras, a partir do mínimo de informações preliminares. Os estudantes de ambos os sexos alcançaram resultados semelhantes. A intuição "feminina" vale tanto quanto a "masculina".
Os especialistas estão convencidos de que os indivíduos que aplicam mais intensamente a intuição tendem a fazer melhores escolhas. Schooler comparou o grau de satisfação que sentimos nas decisões lógicas e nas intuitivas. Numa experiência, os pesquisadores mostraram a voluntários vários pôsteres, uns com pinturas impressionistas e outros com bichinhos de estimação. Alguns participantes tiveram de relatar seus sentimentos em relação aos cartazes, enquanto os outros ficaram calados. Em seguida, cada um deles escolheu, finalmente, um pôster e o levou para casa. "Uma semana depois, nós perguntamos a cada um se tinha ou não pregado o cartaz na parede", disse Schooler. "Os que tinham analisado as razões da própria opção eram os menos satisfeitos e, por isso, quase sempre preferiam não expor os pôsteres." O psicólogo acha que, ao argumentar, o indivíduo ignora fatores não-racionais, como a possível empatia com um objeto e não com outro.
Não é sempre, porém, que a intuição propicia resultados melhores do que a razão. "O problema é que nós, seletivamente, nos lembramos quando uma intuição é bem-sucedida e esquecemos quando ela falha", assinala o psicólogo americano Steven Smith, professor da Universidade A&M Texas, nos Estados Unidos. "Infelizmente, nunca é possível saber com antecedência se o palpite intuitivo estará certo ou não."
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