Koko é uma celebridade. Desde que foi acolhida pela psicóloga Francine Patterson quando ainda era um bebê, em 1972, essa graciosa gorila se tornou o representante animal mais famoso na comunidade científica. A macaca aprendeu a "falar" com humanos e hoje, aos 33 anos, domina mais de mil sinais de comunicação gestual. Como efeito colateral do aprendizado, surgiu a primeira gorila a mentir na linguagem dos homens.
Com apenas 1 ano de idade, Koko começou a empregar os sinais para fingir e dissimular. Quando quebrou seu brinquedo preferido, um gatinho de plástico, ela prontamente apontou uma assistente de Patterson como culpada. Usando de seus artifícios mais dissimulados para escapar da pena, abaixou a cabeça como se não soubesse de nada, indicando apenas que estava lá para mostrar quem tinha feito a arruaça com o boneco.
A gorila mentiu para escapar de uma punição como também fazem as pessoas estratégia que funciona se a lorota for contada com perfeição. O problema é que para nós, humanos, a mentira é um assunto constrangedor. Ela envolve questões éticas e por isso é angustiante assumirmos que, deliberadamente, mentimos aqui e acolá.
Apesar de condenações morais, a mentira é um comportamento mais freqüente do que se imagina. Segundo um estudo realizado por Robert Feldman, psicólogo da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, 60% das pessoas mentem em conversas do dia-a-dia. Feldman descobriu que, muitas vezes, a mentira é pronunciada sem nenhum motivo óbvio.
Em sua pesquisa, ele observou 121 pares de pessoas que não se conheciam durante uma conversa casual de dez minutos. "Orientamos os participantes a se apresentar bem para o parceiro, parecer competentes e tentar conhecer a outra pessoa", diz Feldman. Os bate-papos foram filmados e, mais tarde, os voluntários se apresentaram para comentar o que haviam dito. Duas ou três mentiras foram identificadas em cada sessão havia desde pessoas que fingiam concordar com o outro para ser simpáticas até um cidadão que disse ser astro de rock. "Foi um resultado surpreendente porque quem participou do estudo não imaginava que mentisse tanto quanto se viu mentindo no vídeo", diz o pesquisador.
Por que mentimos
Às vezes nem notamos, mas toda mentira tem um porquê e é instintivamente pensada. E, apesar de condenarmos os mentirosos ao fogo do inferno, é possível extrair benefícios tanto para quem mente quanto para quem ouve a mentira.
Um dos exemplos mais básicos da mentira do dia-a-dia é a relação entre homem e mulher no quesito galanteio. Quando um rapaz cordialmente elogia a garota por sua boa forma - mesmo que o elogio não condiga com a realidade ambos tiram proveito da situação. Além de fazer a moça se sentir bem com uma "pequena" mentira, ele faz com que ela o considere o mais cavalheiro dos príncipes encantados.
Muitas vezes, a mentira serve unicamente a finalidades pessoais. É por isso que sempre que podemos damos um "upgrade" em nosso perfil. Afinal, todos nós queremos ficar bem na fita. E não é à toa que muita gente exagera na hora de redigir o currículo e aquele "inglês avançado" não passa de um semestre básico de cursinho.
Tudo isso acontece por uma pressão inevitável pelo sucesso profissional e social, segundo Leonard Saxe, professor de psicologia da Universidade Brandeis, também em Massachusetts. "Precisamos diminuir essa pressão e encontrar formas de reforçar a honestidade", diz Saxe. "Hoje há uma epidemia de ‘enchimento’ de currículo, como incluir o doutorado que gostaríamos de ter concluído, mas não conseguimos", afirma Ralph Keyes, autor do livro The Post-Truth Era ("A Era Pós-Verdade", inédito no Brasil).
A mentira, no entanto, nem sempre se resume apenas a uma leve maquiagem da realidade. Em alguns casos, ela pode se tornar uma compulsão mórbida. É o caso da mitomania quadro em que uma pessoa vive, literalmente, uma vida de mentiras. Inventa um passado, conta histórias fantásticas e usa a imaginação o tempo todo e tem consciência de que tudo isso é falso.
Um exemplo é o personagem interpretado por Leonardo di Caprio em Prenda-me se For Capaz. O fime narra a história verídica de Frank Abagnale Jr., que enganou uma companhia aérea fingindo ser um piloto profissional e se passou por médico e advogado. Sua carreira de mentiroso terminou quando foi finalmente capturado pela polícia. Esse é geralmente o destino de muitos pacientes com mitomania: antes de chegar ao divã, são confrontados por policiais e juízes. Talvez por isso a mitomania não seja oficialmente reconhecida pela psiquiatria.
Mas os médicos já estão acostumados com um tipo de paciente que adora mentir: são os portadores da síndrome de Münchausen. Como forma de chamar a atenção médica, a pessoa inventa sintomas e, às vezes, até se submete a dolorosos tratamentos, como cirurgias. O nome da doença é uma "homenagem" ao barão de Münchausen, famoso pelas histórias mirabolantes sobre suas experiências militares - ele dizia, por exemplo, ter cavalgado uma bala de canhão.
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