A "VOZ" INTERIOR
As intuições, além de falíveis, não são regidas pelo puro acaso, como muita gente pensa. Uma das conclusões do livro de Gary Klein sobre os processos de tomadas de decisão (Sources of Power, MIT Press, Estados Unidos, 1998) é que os profissionais mais experientes geralmente são os que mais confiam na intuição. Segundo a psicóloga americana Valerie Chase, autora de uma resenha sobre o livro na revista Science, "os indivíduos mais tarimbados decidem a partir de uma base de dados sobre problemas e soluções muito mais amplas do que os dos iniciantes.”.
Klein conta o caso de uma enfermeira que reencontrou, numa reunião familiar, o sogro que não via havia muitos meses. "Eu não estou gostando da sua aparência", disse ela. "Talvez você mesma não se ache tão formidável", brincou ele. "Não é isso" ela insistiu. "Eu realmente não estou gostando do seu aspecto." A muito custo, a mulher conseguiu levar o sogro ao hospital naquele mesmo dia. Um exame revelou um entupimento na artéria aorta. No dia seguinte, o homem estava se submetendo a uma cirurgia para desobstruir a artéria. A enfermeira seguiu a intuição e conseguiu evitar um problema de saúde que poderia ser fatal. Mas isso só foi possível porque ela já estava acostumada a lidar com casos médicos de urgência. Sem que ela se desse conta, seu cérebro analisou as informações enviadas pelos órgãos dos sentidos e descobriu uma semelhança entre seu sogro e outras pessoas em situação de risco.
A intuição ensinam os cientistas, não substitui o raciocínio lógico, mas alia-se a ele na tomada de decisões. Quanto mais conhecimento você tem, mais certeira será a sua capacidade intuitiva. Se você for ao jóquei pela primeira vez e, ao visitar as baias, achar que o cavalo número 5 vai ganhar isso não é intuição. É só um palpite, como outro qualquer. Mas, se você é um aficionado e, ao ver o mesmo animal, escuta uma "voz" interior dizendo que ele tem tudo para ganhar, isso, sim, é um palpite intuitivo. Você aposta naquele cavalo e pronto. Não precisa explicar nada. Deixe todo mundo pensar que você tem superpoderes.
PORÃO EM CHAMAS
A história, contada pelo psicólogo Gary Klein, aconteceu em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Frank, um oficial do corpo de bombeiros, liderava uma equipe que combatia um incêndio numa casa. O grupo estava na sala, com a mangueira voltada em direção à cozinha. De repente, Frank sentiu que havia algo de estranho ali. Mesmo sem saber o que era, ordenou que seus homens deixassem o local. Minutos depois, o chão sobre o qual tinham estado desabou. Por muito pouco, os bombeiros não se precipitaram nas chamas. Frank não sabia que havia um porão naquela casa e nem suspeitava que o foco do incêndio estivesse lá. Mais tarde, lembrou-se de que a sala estava mais quente do que se poderia esperar em um incêndio na cozinha de uma casa como aquela.
INFECÇÃO SOB CONTROLE
Enfermeiras numa maternidade americana, citadas por Klein, recorrem à intuição para identificar infecções em bebês prematuros. É preciso combater as bactérias antes que elas se espalhem e matem a criança sem dar tempo para os antibióticos agirem. Muitas vezes, as enfermeiras dizem que é preciso dar o antibiótico a bebês aparentemente saudáveis. Mesmo que os testes dêem resultados negativos, as profissionais mais experientes recomendam o remédio. Em geral, no dia seguinte o resultado vem positivo, mostrando que a contaminação estava incubada. À pergunta sobre como "sabiam" da infecção as enfermeiras respondem que era por intuição. Com um simples olhar, elas descobrem a doença sem conseguir explicar por quê.
JOGADAS DE MESTRE
Uma experiência do psicólogo Gary Klein com o jogo do xadrez ajudou a entender como funciona a intuição. Dois enxadristas, ambos com o título de grande mestre, jogavam com a regra para partidas-relâmpago, em que cada um tem apenas 6 segundos para fazer seu lance. A cada jogada, a competição era interrompida e o lance era debatido por um grupo de especialistas, que avaliava todas as opções daquele jogador. Quase sempre, chegavam à conclusão de que a melhor alternativa era efetivamente o lance que acabara de ser praticado. As jogadas inúteis tinham sido descartadas automaticamente, sem entrar em cogitação.
Cérebro de lebre, mente de tartaruga
Quase todo mundo conhece a famosa fábula em que uma lebre e uma tartaruga apostam uma corrida. Mais veloz, a lebre pára no caminho e tira uma soneca. A tartaruga, devagar e sempre, chega à frente. Um fenômeno parecido acontece no nosso cérebro, segundo o psicólogo inglês Guy Claxton, professor na Universidade de Bristol. Claxton escreveu o livro Cérebro de Lebre, Mente de Tartaruga A Inteligência Aumenta Quando Você Pensa Menos, lançado em 1997 e ainda sem a tradução em português. Muitas das decisões que tomamos, explica, ocorrem a partir de dados claros e objetivos. Exigem a alta velocidade do raciocínio lógico a lebre da história. Outros desafios são sutis demais para serem digeridos num vapt-vupt. Descansam nas profundezas do cérebro, que vai ruminando o problema, em passo de tartaruga, até encontrar uma solução. Claxton explica que, quando o sujeito relaxa e deixa a questão "fermentar", o seu cérebro faz novas associações de idéias, aproveitando as informações que já possui. O psicólogo distingue as intuições rápidas, como as relatadas pelo americano Gary Klein, daquelas que demandam uma demorada incubação. "A intuição lenta possibilita a ligação entre experiências que, aparentemente, não têm nada a ver entre si", diz. Na opinião dele, a sabedoria consiste na convivência pacífica entre razão e intuição. "Nós precisamos da mente de tartaruga tanto quanto do cérebro de lebre", conclui.
Você sabe mais do que imagina, sabia?
Pesquisas comprovaram que a memória também está envolvida na formação do pensamento intuitivo. Aliás, as memórias, pois o cérebro possui diferentes maneiras de armazenar informações e de trazê-las à tona. Um mesmo dado é guardado de modo diverso nos arquivos cerebrais. E nem sempre ele emerge inteiro, completo. A intuição pode fazer uso da memória declarativa, que compreende o reconhecimento dos fatos e eventos propriamente ditos que os especialistas definem como "saber que". Ou, então, o dado resgatado pode vir da memória de procedimento, que é a habilidade em reconhecer o contexto e a dinâmica daqueles eventos o "saber como". De qualquer forma, a intuição é um palpite que surge sob a forma de uma metáfora, uma imagem, uma sensação ou uma idéia. "É como os nossos sonhos", compara a psicóloga Zula Giglio, da Unicamp. Formados por associações de lembranças novas e antigas, os sonhos, assim como a intuição, não seguem a mesma lógica do pensamento racional e linear.
"As intuições surgem de informações prévias que estão arquivadas no sistema nervoso", explica o neurofisiologista Gilberto Xavier, da Universidade de São Paulo. "Essas informações vão sendo organizadas a partir de diferentes pontos do cérebro e confrontadas com os dados novos que você está obtendo." Esse processo é desencadeado sem que você esteja ciente do que está acontecendo. "E, eventualmente, se o sistema encontra um tipo de solução que pareça relevante, ele simplesmente lhe solta essa possível resposta", completa.
O psicólogo inglês Michael Rugg, da Universidade College de Londres, conduziu uma pesquisa que confirmou que o cérebro tem um sistema especial chamado memória implícita, que é capaz de preservar a informação mesmo sem o sujeito ter consciência disso. Ou seja, o cérebro registra mais dados do que você tem consciência. Por meio de um aparelho que mede ondas cerebrais, Rugg constatou que uma informação aparentemente esquecida ativava os mesmos circuitos de memória usado pelas lembranças usuais, mas não de modo tão intenso quanto no reconhecimento consciente. Ele concluiu que existem então dois sistemas um para as lembranças explícitas, aquelas que você pode recordar, e outro para as implícitas, que estão fora dos limites do estado consciente. A intuição usaria este último.
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