Ariano Suassuna - Entrevista concedida a Veja (29/09/1971), na época do lançamento do romance Pedra do Reino. - Parte 1
As expressões, o tom da voz, o ritmo, tudo na fala do paraibano Ariano Suassuna indica o sertanejo criado em Taperoá, distante da capital, João Pessoa, onde nasceu há 44 anos: "Eu não entendo vocês. Vocês dizem ‘família já era, esse negócio de casar com uma só mulher é cafona'. Pois vejam uma coisa. Eu sou o sujeito mais azarado do mundo. Gosto muito de minha família e minha mulher é muito boa. Não troco por nenhuma outra. É azar da gota, hein?, hein?"
Sertanejas também são suas peças, como "Auto da Compadecida", "O Santo e a Porca", com a tragédia, a malícia, a irreverência dos moradores do sertão: "Ordinariamente, eu me identifico com o trabalho todo. Se tal personagem saiu de dentro de mim, o outro, que às vezes é oposto a ele, também saiu, não é? Na 'Compadecida’, talvez o personagem que mais se identifica comigo seja o Chicó, que é mentiroso. O escritor é
um mentiroso profissional. Por outro lado, sou um sujeito que tem uma visão religiosa do mundo, entre outras coisas. Mas sou um mau religioso, e isso saiu na “Compadecida’. Não foi uma crítica à Igreja. Foi uma crítica ao mau padre, ao mau bispo, ao mau religioso que tenho dentro de mim".
Sertanejo também é o romance que acaba de lançar, "Pedra do Reino" com histórias de
desespero, de morte, de fome, de ciúme, todas engraçadíssimas, escritas por um homem que vê a miséria sem perder o senso de humor, conhece literatura mas não se preocupa com (nem admite) a crise da literatura. Essa suposta crise é um dos assuntos de que trata Ariano Suassuna nesta entrevista. Os outros dois temas que ele desenvolve são a monarquia (ele é monarquista) e a sabedoria do homem brasileiro (em quem ele acredita).
Outro dia, fui fazer uma palestra no Rio, chamada "Comunicações e Literatura de Cordel". Logo de entrada, disse que de comunicações não entendia nada, nunca li nenhum desses escritores que falam da teoria da comunicação. Nunca li, nem lerei. Não vou perder tempo, meus interesses são outros. Mas eu disse que de vez em quando chega aqui no nordeste, vinda lá do sul, uma pessoa para constatar o fim da literatura de cordel. Quando eles chegam aqui, que os cantadores estão aí, o romanceiro está aí vivo, eles voltam e dizem que está na beira do abismo. E desde que eu me entendo por gente a literatura de cordel está aí, viva.
Na arte e na literatura, o indivíduo conta muito. Não são somente os fatores sociais que contam, que condicionam ou não. Vou dizer uma coisa: essa questão de ambiente é importante até certo ponto e para determinado tipo de arte. Mas para a criação, mesmo, não depende muito disso, não. Se não aparece um escritor bom, é porque não tem escritor bom mesmo, está entendendo? No Rio, me perguntaram: "A que você atribui a atual crise na literatura brasileira? Não estou vendo essa crise, não. "Mas nunca mais surgiu uma obra importante, renovadora. "Eu digo: bom, obra importante e renovadora, essa é rara por sua própria natureza. Não é todo dia que surge uma obra importante e renovadora, não. Morreu em 1967 Guimarães Rosa, que fez uma obra importantíssima. Agora, fez uma obra importantíssima porque ele tinha qualidade para isso. "Não, mas
depois da morte de Guimarães Rosa não apareceu mais coisa nenhuma..." Também, o espaço de tempo está muito pequeno.
O Brasil talvez tenha três obras de importância fundamental: o conjunta da obra de Machado de Assis, "Os Sertões", de Euclides da Cunha, e a obra de Guimarães Rosa. Tem mais algumas, não é? A obra de Adonias Filho, por exemplo. A de Otávio de Faria. Mas uma obra de importância, mesmo, é rara. Tem que ser feita por um escritor excepcional.
Livro de primeira categoria não tem muito, não, é raro, como eu disse. Livro de primeira categoria é o quê? Dom Quixote, Ilíada, Divina Comédia. Não tem muita gente, não, hein? O que está havendo, a meu ver, é uma pausa muito natural entre uma geração que se realizou literariamente e outra que está surgindo. Bom, vou dizer outra
coisa: se uma geração dá um grande pintor, é isso mesmo, é raro. E, depois, o conceito de geração que a gente tem no Brasil é muito curioso: de cinco em cinco anos já se considera outra geração, não é?
Isso, como eu estava dizendo, do ponto de vista da criação. Agora, existem artes que por sua natureza dependem mais de outros condicionamentos exteriores. O teatro é uma. Então, por exemplo, o teatro está vivendo uma crise, realmente, uma crise universal. Não é só aqui no Brasil, não, não é? Mas não acredito que ele morra, não. A concorrência do cinema e da televisão está prejudicando muito o teatro. Eu abandonei o
teatro, um pouco. O problema é o seguinte: o teatro não estava dando para dizer o que eu queria, porque tem um espaço pequeno de duas horas e depois, pela própria natureza da peça, a gente fica limitado. Você só pode dizer determinado tipo de coisa. Por exemplo, não pode fazer um estudo do pensamento do personagem, só através do diálogo e da fala. Então, há muito tempo que eu tinha vontade de... eu tinha um bocado de coisas a revelar e resolvi me dedicar ao romance, durante algum tempo, para dar saída a esse mundo que estava dentro de mim. Então fiquei muito fascinado pelo romance. A última peça que escrevi, se não me engano, foi em 1962. Eu quero voltar ao teatro, mas só volto depois de descobrir inclusive outros tipos de peça. Eu não quero voltar ao teatro convencional. Quero uma nova forma de teatro, que eu inclusive estou procurando no contato direto, eu mesmo com o público, através de um tipo de conferência muito pessoal que eu faço.
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