O dinheiro parece tão indispensável que não há quem ache ter demais. Na sua milenar trajetória, vale também como medida das mudanças nas sociedades humanas.
Ao morrer, em 1715, o rei francês Luís XIV deixou o Tesouro Nacional em petição de miséria. Era uma situação sob medida para um astuto economista escocês chamado John Law, cujas propostas de reforma bancária não haviam porém entusiasmado seus compatriotas e cujo currículo incluía o assassínio de um desafeto em duelo e a autoria de um tratado sobre moedas e comércio. Law desembarcou em Paris em 1716 ansioso por oferecer ao regente da Coroa, o duque de Orléans, um remédio infalível para a falência do governo. O esquema era um ovo de Colombo: o regente lhe daria a permissão para abrir um banco e, em troca, o banco assumiria não só a dívida pública mas também os débitos pessoais de Sua Alteza, emitindo títulos pelos quais se comprometia com os credores a pagar o seu valor em ouro e prata.
Os metais preciosos viriam do Novo Mundo, mais precisamente dos vastos territórios franceses na América do Norte, no que hoje são os Estados de Louisiana e Mississípi, onde haveria incalculáveis reservas minerais a serem exploradas por um companhia criada por Law - em regime de monopólio, naturalmente. Mais do que depressa, o duque aceitou. E, enquanto os franceses acreditaram no projeto, tudo correu às mil maravilhas. As ações da companhia do escocês dispararam na Bolsa parisiense, a Coroa livrou-se de suas dívidas e os credores sonharam com fortunas em ouro e prata.
Mas não demorou até que se descobrisse que não havia metal nobre capaz de servir de lastro aos papagaios emitidos pela Banque Royale de Mister Law. O banco quebrou, o banqueiro fugiu da França (para morrer na miséria em Veneza) e os franceses mais desbocados recomendaram que aqueles papéis fossem usados para outro fim. O episódio entrou para a história como uma parábola sobre a confiança dos homens no valor do dinheiro e das promessas que não valem o papel em que são impressas. Tudo começou há bem mais de 2 mil anos, provavelmente no século VII a.C., quando os comerciantes da rica cidade de Lídia, Ásia Menor, começaram a trocar as mercadorias que adquiriam, não por outras mercadorias, como era o costume, mas por pequenos discos feitos de uma rara liga de ouro e prata existente na região, de nome electrum, em latim.
Em pouco tempo, essas plaquetas, cuja marca registrada era a estampa com o símbolo do rei, como um leão ou um escaravelho, espalharam-se pelas cidades gregas do Mediterrâneo e por suas colônias na Sicília e na Itália. Não tardou muito para que a idéia de usar discos semelhantes, feitos de ouro ou prata, se espalhasse pelo mundo. Os romanos chamaram essas placas monetae, tabletes de metal, e delas se originou algo que, mesmo não trazendo felicidade, como costumam dizer os que não o tem tanto quanto gostariam, é com certeza um dos supremos motivos de alegria e de aflição do homem: o dinheiro.
Na realidade, a idéia de trocar bens como alimentos, vestimentas, cabeças de gado, utensílios e mesmo escravos por peças de metal antecede à fundação da cidade de Lídia. De fato, desde que o homem do Período Neolítico, há cerca de 10 mil anos, deixou de perambular atrás de casa e comida, passando a viver em grupos com endereço certo e sabido, e a trabalhar a terra, começou a produzir mais do que era capaz de consumir. Surgiu assim aquilo que os economistas tanto apreciam - o excedente. E a partir daí a vida humana não seria mais a mesma.
Alguns produtos excedentes, mas nem por isso menos valorizados, transformaram-se em mercadoria de troca, inaugurando o toma-lá-dá-cá que se tornaria atividade central das sociedades humanas e assumiria o nome de comércio. Gêneros bem votados nesse primitivo sistema de trocas era o sal, que deu origem à palavra salário, e o gado, do qual derivou o termo pecúnia. Os metais foram uma preferência natural daqueles protocomerciantes, porque não se estragavam, podiam ser partidos em pedacinhos e carregados com facilidade, ao contrário, por exemplo, de uma vaca. Ao que se sabe, os chineses tiveram a primazia de usar peças de bronze de diferentes formatos, para efeito de negócios, cerca de 3 mil anos atrás.
No entanto, a criação de sistemas comerciais à base de moedas de ouro, prata ou cobre, cada qual com a indicação do seu peso, foi mesmo uma idéia dos espertos lídios. Durante o reinado de Alexandre, o Grande da Macedônia, no século IV a.C., adotou-se a praxe, repetida até hoje nas cédulas de papel, de estampar nas moedas a cabeça do soberano. O objetivo era menos usar a real efígie como aval do peso e da qualidade atribuídos ao metal do que promover o culto da personalidade de Suas Majestades - naturalmente, por iniciativa deles próprios. Às vezes, porém, podia se dar o reverso da medalha. Após a morte do imperador romano Calígula, no primeiro século da era cristã, por exemplo, todo o dinheiro por ele patrocinado foi recolhido e fundido para que nem o nome nem as feições do tirano entrassem para a história.
"Que ninguém tenha dúvidas", ensinou o festejado economista americano John Kenneth Galbraith, no magnífico seriado que escreveu para a televisão, A era da incerteza: "Poucas invenções humanas se prestaram tanto aos abusos como o dinheiro". De fato, séculos a fio após o seu aparecimento, ninguém em parte alguma tinha como saber de antemão se as moedas valiam o que diziam. Os mais desconfiados adquiriram o hábito de morder o metal antes de aceitá-lo, para perceber pela consistência se era realmente ouro, prata ou bronze - isso, além de exigir bons dentes, o que não era lá muito comum naqueles tempos, supunha um refinado conhecimento, também algo incomum, para a felicidade geral dos falsários.
Estes, ao longo da História, freqüentemente residiam nos melhores palácios e não precisavam se esconder da polícia: os governantes mais esbanjadores ou premidos pelas necessidades, ou ambas as coisas - e que parecem ter sido a maioria -, descobriram que a quantidade de metal precioso nas moedas podia ser discretamente reduzida e substituída. Os gregos, sobretudo os atenienses, parecem ter resistido à tentação de aguar sua moeda, por entender que essa política, a longo prazo seria desastrosa para os negócios da cidade-estado, algo merecedor dos aplausos mais entusiásticos dos modernos economistas da escola apropriadamente chamada monetarista.
Assim, após a divisão do Império Romano em 395, com a reafirmação de influência grega na fatia oriental, em Constantinopla, o besante, a moeda local, foi reconhecido como símbolo de dinheiro forte. Mas do lado de cá do Mar Egeu, o exemplo grego não pegou bem, sobretudo em Roma, cujos governantes pareciam querer levar vantagem em tudo, sempre. No século II, o denário - moeda de prata que deu origem à palavra dinheiro - de prata possuía, se tanto, uns 5 por cento; os outros 95 eram puro cobre. Seguindo a lição que vinha de cima, os comerciantes ainda raspavam o pouco de prata que restava nas bordas das moedas para aumentar os seus lucros.
Ao morrer, em 1715, o rei francês Luís XIV deixou o Tesouro Nacional em petição de miséria. Era uma situação sob medida para um astuto economista escocês chamado John Law, cujas propostas de reforma bancária não haviam porém entusiasmado seus compatriotas e cujo currículo incluía o assassínio de um desafeto em duelo e a autoria de um tratado sobre moedas e comércio. Law desembarcou em Paris em 1716 ansioso por oferecer ao regente da Coroa, o duque de Orléans, um remédio infalível para a falência do governo. O esquema era um ovo de Colombo: o regente lhe daria a permissão para abrir um banco e, em troca, o banco assumiria não só a dívida pública mas também os débitos pessoais de Sua Alteza, emitindo títulos pelos quais se comprometia com os credores a pagar o seu valor em ouro e prata.
Os metais preciosos viriam do Novo Mundo, mais precisamente dos vastos territórios franceses na América do Norte, no que hoje são os Estados de Louisiana e Mississípi, onde haveria incalculáveis reservas minerais a serem exploradas por um companhia criada por Law - em regime de monopólio, naturalmente. Mais do que depressa, o duque aceitou. E, enquanto os franceses acreditaram no projeto, tudo correu às mil maravilhas. As ações da companhia do escocês dispararam na Bolsa parisiense, a Coroa livrou-se de suas dívidas e os credores sonharam com fortunas em ouro e prata.
Mas não demorou até que se descobrisse que não havia metal nobre capaz de servir de lastro aos papagaios emitidos pela Banque Royale de Mister Law. O banco quebrou, o banqueiro fugiu da França (para morrer na miséria em Veneza) e os franceses mais desbocados recomendaram que aqueles papéis fossem usados para outro fim. O episódio entrou para a história como uma parábola sobre a confiança dos homens no valor do dinheiro e das promessas que não valem o papel em que são impressas. Tudo começou há bem mais de 2 mil anos, provavelmente no século VII a.C., quando os comerciantes da rica cidade de Lídia, Ásia Menor, começaram a trocar as mercadorias que adquiriam, não por outras mercadorias, como era o costume, mas por pequenos discos feitos de uma rara liga de ouro e prata existente na região, de nome electrum, em latim.
Em pouco tempo, essas plaquetas, cuja marca registrada era a estampa com o símbolo do rei, como um leão ou um escaravelho, espalharam-se pelas cidades gregas do Mediterrâneo e por suas colônias na Sicília e na Itália. Não tardou muito para que a idéia de usar discos semelhantes, feitos de ouro ou prata, se espalhasse pelo mundo. Os romanos chamaram essas placas monetae, tabletes de metal, e delas se originou algo que, mesmo não trazendo felicidade, como costumam dizer os que não o tem tanto quanto gostariam, é com certeza um dos supremos motivos de alegria e de aflição do homem: o dinheiro.
Na realidade, a idéia de trocar bens como alimentos, vestimentas, cabeças de gado, utensílios e mesmo escravos por peças de metal antecede à fundação da cidade de Lídia. De fato, desde que o homem do Período Neolítico, há cerca de 10 mil anos, deixou de perambular atrás de casa e comida, passando a viver em grupos com endereço certo e sabido, e a trabalhar a terra, começou a produzir mais do que era capaz de consumir. Surgiu assim aquilo que os economistas tanto apreciam - o excedente. E a partir daí a vida humana não seria mais a mesma.
Alguns produtos excedentes, mas nem por isso menos valorizados, transformaram-se em mercadoria de troca, inaugurando o toma-lá-dá-cá que se tornaria atividade central das sociedades humanas e assumiria o nome de comércio. Gêneros bem votados nesse primitivo sistema de trocas era o sal, que deu origem à palavra salário, e o gado, do qual derivou o termo pecúnia. Os metais foram uma preferência natural daqueles protocomerciantes, porque não se estragavam, podiam ser partidos em pedacinhos e carregados com facilidade, ao contrário, por exemplo, de uma vaca. Ao que se sabe, os chineses tiveram a primazia de usar peças de bronze de diferentes formatos, para efeito de negócios, cerca de 3 mil anos atrás.
No entanto, a criação de sistemas comerciais à base de moedas de ouro, prata ou cobre, cada qual com a indicação do seu peso, foi mesmo uma idéia dos espertos lídios. Durante o reinado de Alexandre, o Grande da Macedônia, no século IV a.C., adotou-se a praxe, repetida até hoje nas cédulas de papel, de estampar nas moedas a cabeça do soberano. O objetivo era menos usar a real efígie como aval do peso e da qualidade atribuídos ao metal do que promover o culto da personalidade de Suas Majestades - naturalmente, por iniciativa deles próprios. Às vezes, porém, podia se dar o reverso da medalha. Após a morte do imperador romano Calígula, no primeiro século da era cristã, por exemplo, todo o dinheiro por ele patrocinado foi recolhido e fundido para que nem o nome nem as feições do tirano entrassem para a história.
"Que ninguém tenha dúvidas", ensinou o festejado economista americano John Kenneth Galbraith, no magnífico seriado que escreveu para a televisão, A era da incerteza: "Poucas invenções humanas se prestaram tanto aos abusos como o dinheiro". De fato, séculos a fio após o seu aparecimento, ninguém em parte alguma tinha como saber de antemão se as moedas valiam o que diziam. Os mais desconfiados adquiriram o hábito de morder o metal antes de aceitá-lo, para perceber pela consistência se era realmente ouro, prata ou bronze - isso, além de exigir bons dentes, o que não era lá muito comum naqueles tempos, supunha um refinado conhecimento, também algo incomum, para a felicidade geral dos falsários.
Estes, ao longo da História, freqüentemente residiam nos melhores palácios e não precisavam se esconder da polícia: os governantes mais esbanjadores ou premidos pelas necessidades, ou ambas as coisas - e que parecem ter sido a maioria -, descobriram que a quantidade de metal precioso nas moedas podia ser discretamente reduzida e substituída. Os gregos, sobretudo os atenienses, parecem ter resistido à tentação de aguar sua moeda, por entender que essa política, a longo prazo seria desastrosa para os negócios da cidade-estado, algo merecedor dos aplausos mais entusiásticos dos modernos economistas da escola apropriadamente chamada monetarista.
Assim, após a divisão do Império Romano em 395, com a reafirmação de influência grega na fatia oriental, em Constantinopla, o besante, a moeda local, foi reconhecido como símbolo de dinheiro forte. Mas do lado de cá do Mar Egeu, o exemplo grego não pegou bem, sobretudo em Roma, cujos governantes pareciam querer levar vantagem em tudo, sempre. No século II, o denário - moeda de prata que deu origem à palavra dinheiro - de prata possuía, se tanto, uns 5 por cento; os outros 95 eram puro cobre. Seguindo a lição que vinha de cima, os comerciantes ainda raspavam o pouco de prata que restava nas bordas das moedas para aumentar os seus lucros.
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