Sempre se soube que o ambiente influi decisivamente sobre a vida na Terra. Agora, os cientistas sugerem o contrário: a Terra seria aquilo que a vida quer que ela seja. É a hipótese Gaia.
Desde 2 bilhões dos seus 4,5 bilhões de anos, a Terra contém um coquetel de água, gases, calor e minerais nas doses necessárias e suficientes para que a vida floresça em toda a sua esplêndida variedade. Isso pode ser considerado apenas uma felicíssima coincidência: a vida teria surgido e se desenvolvido neste relativamente pequeno planeta-o quinto em tamanho do sistema solar-e não em qualquer outro pela simples e boa razão de que aqui se encontra o mais confortável ambiente, se não do Universo inteiro, pelo menos deste canto do Cosmo. Mas pode ter acontecido também que, tendo se formado fortuitamente, os organismos vivos, com o passar dos milênios, acabaram tomando conta da casa terrestre, adaptando-a com tanta perfeição que ela se moldou à vontade de seus hóspedes.
Hoje, as dependências desta habitação chamada Terra abrigam seres tão diversos como bactérias e baleias, plânctons e pinheiros-além, é claro, dos presunçosos seres humanos, que se consideram o supra-sumo da criação e, por isso, os donos da casa. A idéia de que a vida é aquilo que a Terra Ihe permite ser é a versão convencional, que soa bem ao senso comum. Já a idéia de que a Terra é aquilo que a vida faz com ela parece uma extravagância. Mas tem sido ouvida com muita atenção por quem se interessa por esse tipo de assunto. "A Terra está viva", afirma o biólogo inglês James Lovelock, o primeiro a defender esse ponto de vista heterodoxo há quase vinte anos.
Cientista de muitos talentos, Lovelock acredita que cada componente da Terra funciona de forma tão integrada em relação aos demais e ao conjunto todo como os instrumentos de uma orquestra bem afinada. Ou, como ele gosta de dizer, citando o escocês James Hutton (1726 - 1797), considerado um dos países da moderna Geologia, "a Terra é um superorganismo que deveria ser estudado como um sistema completo, assim como os fisiologistas estudam todas as funções orgânicas do corpo humano". A soma total das partes vivas e inanimadas da Terra, Lovelock chamou Gaia, em homenagem à deusa grega cujo nome quer dizer Terra e da qual derivaram palavras como geografia e geologia.
Na realidade, não é nova a idéia da integração entre os organismos vivos e o meio ambiente. Afinal, a própria palavra ecologia foi criada já lá se vão 120 anos pelo zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834 - 1919). Ela vem do grego oikos (casa) e significa "saber da casa". Mas até recentemente essa integração era mal compreendida por causa da imprecisão dos conceitos e dos métodos de análise. Hoje se sabe que os mecanismos que agem sobre a Terra não podem ser alterados sem que se pague por isso um preço provavelmente muito alto em termos da própria continuidade da vida.
Por exemplo, pesquisa conjunta da agência espacial NASA com universidades americanas e instituições científicas brasileiras, realizada na Amazônia no ano passado, comprovou que o equilíbrio climático da região depende basicamente da floresta. Daí, a crescente e indiscriminada derrubada de árvores para a formação de pastagens tende a alterar o ciclo de renovação da água, ameaçando tornar caótico o regime de chuvas.
O pior é que as conseqüências desse processo de desertificação não deverão se limitar, a longo prazo, à área desmatada. A poluição, de seu lado. também pode estar destruindo as moléculas de ozônio da atmosfera, rompendo uma complexa teia de interdependências que existe há pelo menos 600 milhões de anos.
Formado por três átomos de oxigênio (O3), o ozônio começou a existir em quantidades consideráveis graças ao aparecimento dos organismos vivos que liberavam, através da fotossíntese, grandes quantidades de oxigênio na atmosfera. Desde então, a camada de ozônio a 15 mil metros acima da superfície terrestre não só ajuda a estabilizar a temperatura como impede a exposição direta dos seres vivos à radiação solar. Lovelock tem o privilégio de ter sido o primeiro cientista a detectar, em 1971, o acúmulo de moléculas do gás artificial clorofluorcarbono, que corrói o ozônio, na atmosfera. Inventor de numerosos equipamentos científicos, ele já aperfeiçoara, em 1957, um detector de elétrons que permitiria a identificação das moléculas.
Não foi a primeira vez que esse invento teve um papel importante na história da Ecologia. Em 1962, ele tinha servido para medir os dramáticos efeitos dos pesticidas sobre o solo, mostrados pela americana Rachel Carson no livro A primavera silenciosa, considerado um marco dos movimentos ambientais. Com esse currículo, não é de estranhar que Lovelock, aos 69 anos, seja um cientista diferente da maioria dos colegas. Biólogo de formação, prefere ser tratado como um estudioso de várias disciplinas-foi professor de Química e Cibernética em universidades inglesas e americanas. Atualmente, estabeleceu seu laboratório numa tranqüila vila no noroeste da Inglaterra, cercado de árvores que ele e sua família plantaram.
No final da década de 60, Lovelock foi convidado pela NASA para fazer parte do projeto que enviaria a sonda automática Viking a Marte. Ele deveria dizer como os pesquisadores poderiam identificar eventuais formas de vida naquele planeta. Lovelock comparou a atmosfera de Marte - equilibrada e quase toda composta de carbono-com a turbulenta e instável mistura gasosa da Terra. Concluiu dai que os organismos terrestres usam a atmosfera ao mesmo tempo como fonte de matéria-prima e depósito de elementos de que não necessitam.
Nem sempre foi assim. Ao se formar, há cerca de 4 bilhões e meio de anos, a atmosfera da Terra continha basicamente hidrogênio, amoníaco e metano. Não havia oxigênio livre. A temperatura do planeta exposto à radiação ultravioleta do Sol era extremamente elevada. Em suma, um ambiente incompatível com qualquer forma de vida. À medida que a Terra foi se resfriando, nos primeiros 2 bilhões de anos, o hidrogênio, muito leve, escapava da atmosfera, enquanto o dióxido de carbono e a água iam lentamente sendo liberados para a crosta terrestre pelos vulcões. Nessa fase, o carbono funcionou como um manto protetor que retinha o calor do Sol, sem o qual o planeta ficaria congelado Foi quando apareceram os seres vivos - e a aparência da Terra começou a mudar.
Outros planetas do sistema solar, como Marte ou Vênus, são mundos cuja base é muito semelhante à da Terra. Vênus, porém, está envolta numa densa atmosfera de dióxido de carbono, que eleva a temperatura na sua superfície a 400 graus centígrados. Marte, por sua vez, é um deserto gelado, tumultuado por tempestades de areia e coberto por uma fina camada de dióxido de carbono. Já a Terra tem um revestimento variado e - segundo a hipótese Gaia, de Lovelock - derivado das incontáveis formas de vida que abriga.
Toda essa vida é capaz de atividades fantásticas. O professor Walter Shearer, da Universidade das Nações Unidas, em Tóquio, calcula por exemplo que 100 bilhões de formigas na Amazônia liberam 55 mil toneladas de ácido fórmico por ano, que respondem por 25 por cento da acidez das chuvas que caem sobre a região. Gaia sugere outros raciocínios tão imaginativos como esse. O mesmo Shearer afirma que um inofensivo fungo que cresce nas raízes das árvores da Amazônia libera nada menos de 5 milhões de toneladas de clorocarbono por ano para a atmosfera.
Desde 2 bilhões dos seus 4,5 bilhões de anos, a Terra contém um coquetel de água, gases, calor e minerais nas doses necessárias e suficientes para que a vida floresça em toda a sua esplêndida variedade. Isso pode ser considerado apenas uma felicíssima coincidência: a vida teria surgido e se desenvolvido neste relativamente pequeno planeta-o quinto em tamanho do sistema solar-e não em qualquer outro pela simples e boa razão de que aqui se encontra o mais confortável ambiente, se não do Universo inteiro, pelo menos deste canto do Cosmo. Mas pode ter acontecido também que, tendo se formado fortuitamente, os organismos vivos, com o passar dos milênios, acabaram tomando conta da casa terrestre, adaptando-a com tanta perfeição que ela se moldou à vontade de seus hóspedes.
Hoje, as dependências desta habitação chamada Terra abrigam seres tão diversos como bactérias e baleias, plânctons e pinheiros-além, é claro, dos presunçosos seres humanos, que se consideram o supra-sumo da criação e, por isso, os donos da casa. A idéia de que a vida é aquilo que a Terra Ihe permite ser é a versão convencional, que soa bem ao senso comum. Já a idéia de que a Terra é aquilo que a vida faz com ela parece uma extravagância. Mas tem sido ouvida com muita atenção por quem se interessa por esse tipo de assunto. "A Terra está viva", afirma o biólogo inglês James Lovelock, o primeiro a defender esse ponto de vista heterodoxo há quase vinte anos.
Cientista de muitos talentos, Lovelock acredita que cada componente da Terra funciona de forma tão integrada em relação aos demais e ao conjunto todo como os instrumentos de uma orquestra bem afinada. Ou, como ele gosta de dizer, citando o escocês James Hutton (1726 - 1797), considerado um dos países da moderna Geologia, "a Terra é um superorganismo que deveria ser estudado como um sistema completo, assim como os fisiologistas estudam todas as funções orgânicas do corpo humano". A soma total das partes vivas e inanimadas da Terra, Lovelock chamou Gaia, em homenagem à deusa grega cujo nome quer dizer Terra e da qual derivaram palavras como geografia e geologia.
Na realidade, não é nova a idéia da integração entre os organismos vivos e o meio ambiente. Afinal, a própria palavra ecologia foi criada já lá se vão 120 anos pelo zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834 - 1919). Ela vem do grego oikos (casa) e significa "saber da casa". Mas até recentemente essa integração era mal compreendida por causa da imprecisão dos conceitos e dos métodos de análise. Hoje se sabe que os mecanismos que agem sobre a Terra não podem ser alterados sem que se pague por isso um preço provavelmente muito alto em termos da própria continuidade da vida.
Por exemplo, pesquisa conjunta da agência espacial NASA com universidades americanas e instituições científicas brasileiras, realizada na Amazônia no ano passado, comprovou que o equilíbrio climático da região depende basicamente da floresta. Daí, a crescente e indiscriminada derrubada de árvores para a formação de pastagens tende a alterar o ciclo de renovação da água, ameaçando tornar caótico o regime de chuvas.
O pior é que as conseqüências desse processo de desertificação não deverão se limitar, a longo prazo, à área desmatada. A poluição, de seu lado. também pode estar destruindo as moléculas de ozônio da atmosfera, rompendo uma complexa teia de interdependências que existe há pelo menos 600 milhões de anos.
Formado por três átomos de oxigênio (O3), o ozônio começou a existir em quantidades consideráveis graças ao aparecimento dos organismos vivos que liberavam, através da fotossíntese, grandes quantidades de oxigênio na atmosfera. Desde então, a camada de ozônio a 15 mil metros acima da superfície terrestre não só ajuda a estabilizar a temperatura como impede a exposição direta dos seres vivos à radiação solar. Lovelock tem o privilégio de ter sido o primeiro cientista a detectar, em 1971, o acúmulo de moléculas do gás artificial clorofluorcarbono, que corrói o ozônio, na atmosfera. Inventor de numerosos equipamentos científicos, ele já aperfeiçoara, em 1957, um detector de elétrons que permitiria a identificação das moléculas.
Não foi a primeira vez que esse invento teve um papel importante na história da Ecologia. Em 1962, ele tinha servido para medir os dramáticos efeitos dos pesticidas sobre o solo, mostrados pela americana Rachel Carson no livro A primavera silenciosa, considerado um marco dos movimentos ambientais. Com esse currículo, não é de estranhar que Lovelock, aos 69 anos, seja um cientista diferente da maioria dos colegas. Biólogo de formação, prefere ser tratado como um estudioso de várias disciplinas-foi professor de Química e Cibernética em universidades inglesas e americanas. Atualmente, estabeleceu seu laboratório numa tranqüila vila no noroeste da Inglaterra, cercado de árvores que ele e sua família plantaram.
No final da década de 60, Lovelock foi convidado pela NASA para fazer parte do projeto que enviaria a sonda automática Viking a Marte. Ele deveria dizer como os pesquisadores poderiam identificar eventuais formas de vida naquele planeta. Lovelock comparou a atmosfera de Marte - equilibrada e quase toda composta de carbono-com a turbulenta e instável mistura gasosa da Terra. Concluiu dai que os organismos terrestres usam a atmosfera ao mesmo tempo como fonte de matéria-prima e depósito de elementos de que não necessitam.
Nem sempre foi assim. Ao se formar, há cerca de 4 bilhões e meio de anos, a atmosfera da Terra continha basicamente hidrogênio, amoníaco e metano. Não havia oxigênio livre. A temperatura do planeta exposto à radiação ultravioleta do Sol era extremamente elevada. Em suma, um ambiente incompatível com qualquer forma de vida. À medida que a Terra foi se resfriando, nos primeiros 2 bilhões de anos, o hidrogênio, muito leve, escapava da atmosfera, enquanto o dióxido de carbono e a água iam lentamente sendo liberados para a crosta terrestre pelos vulcões. Nessa fase, o carbono funcionou como um manto protetor que retinha o calor do Sol, sem o qual o planeta ficaria congelado Foi quando apareceram os seres vivos - e a aparência da Terra começou a mudar.
Outros planetas do sistema solar, como Marte ou Vênus, são mundos cuja base é muito semelhante à da Terra. Vênus, porém, está envolta numa densa atmosfera de dióxido de carbono, que eleva a temperatura na sua superfície a 400 graus centígrados. Marte, por sua vez, é um deserto gelado, tumultuado por tempestades de areia e coberto por uma fina camada de dióxido de carbono. Já a Terra tem um revestimento variado e - segundo a hipótese Gaia, de Lovelock - derivado das incontáveis formas de vida que abriga.
Toda essa vida é capaz de atividades fantásticas. O professor Walter Shearer, da Universidade das Nações Unidas, em Tóquio, calcula por exemplo que 100 bilhões de formigas na Amazônia liberam 55 mil toneladas de ácido fórmico por ano, que respondem por 25 por cento da acidez das chuvas que caem sobre a região. Gaia sugere outros raciocínios tão imaginativos como esse. O mesmo Shearer afirma que um inofensivo fungo que cresce nas raízes das árvores da Amazônia libera nada menos de 5 milhões de toneladas de clorocarbono por ano para a atmosfera.
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