A descoberta de que há mil e uma maneiras pelas quais a vida mexe com o ambiente não transforma automaticamente qualquer cientista em adepto das idéias de Lovelock. James Kirchner, da Universidade da Califórnia, por exemplo, não aceita a noção da Terra como um organismo vivo e auto-regulador. Para ele, isso é mais poesia do que ciência. Seu colega James Kasting, da NASA, acredita que a biosfera, o conjunto dos seres vivos, é um dos fatores que afetam a composição da atmosfera, dos continentes e oceanos. Mas não existe, segundo ele, nenhuma razão para acreditar que a biosfera controla todo o sistema terrestre.
No Brasil, essa polêmica praticamente ainda não chegou ao conhecimento da maioria dos pesquisadores. Mas existem aqui idéias que têm muito a ver com a questão. O geofísico nuclear Ênio Bueno Pereira, especialista do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em radiatividade atmosférica, acredita que a Terra poderia semear vida em outros planetas. E pergunta: "Não seria aconselhável começarmos a estudar essa possibilidade antes de a Terra esgotar seus recursos?" Sua proposta envolve questões bem mais delicadas do que à primeira vista os admiradores de aventuras espaciais poderiam esperar.
Existem microorganismos terrestres, encontrados no continente gelado da Antártida. que talvez pudessem sobreviver em Marte. Será que, como admite a hipótese Gaia, eles poderiam se espalhar, absorver a luz solar, aquecer o gelo e mudar a composição química da atmosfera marciana? Nem Lovelock tem uma resposta segura para isso. Mas o astrônomo Enos Picazzio, do grupo de Astrofísica do Sistema Solar da Universidade de São Paulo, é categórico: "Levar qualquer tipo de vida para fora só terá validade se for reproduzido um habitat semelhante ao da Terra. Caso contrário, o resultado é imprevisível".
A idéia da interdependência dos organismos vivos com o meio ambiente tem partidários de peso. Uma adepta é a bióloga Lynn Margulis, da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, co - autora, com Lovelock, do livro Gaia-uma nova visão da vida na Terra, ainda não traduzido para o português. Ela escreveu também Microcosmos, em co - autoria com o filho Dorian Sagan, de seu casamento com o astrônomo Carl Sagan. A hipótese Gaia também agradou aos movimentos verdes e foi apropriada pela moda da New Age, uma mistura de propostas místicas com retorno à natureza, que tem se manifestado nos Estados Unidos.
Quando Lovelock formulou sua teoria pela primeira vez, foi ignorado pelas universidades. Mas isso já é história antiga. Recentemente, ele participou no Estado americano do Colorado de uma conferência da Associação Geofísica Americana, organizada especialmente para discutir a hipótese Gaia. Ali, Lovelock, junto com o climatologista Robert Charlsom da Universidade de Washington, apresentou um novo exemplo dessa ciranda vida-ambiente. Segundo afirmou, alguns tipos de plânctons sintetizam um composto químico chamado sulfeto de dimetila. O contato com o oxigênio do ar libera sulfato, uma partícula aerossol que serve como núcleo de condensação de nuvens sobre os oceanos. Como as nuvens são do tipo estratos - baixas e rasas -, não provocam chuvas, mas têm impacto sobre a temperatura da água ao refletir a radiação solar. Esse é um exemplo importante da influência dos organismos vivos sobre as nuvens. Mas daí a inferir que eles afetam a temperatura dos oceanos vai uma distância muito grande", afirma, cauteloso, o meteorologista da USP, Oswaldo Massambani, também especialista em nuvens.
Lovelock pode se orgulhar de ter conseguido uma proeza. Especialistas de várias áreas concordam em debater uma visão mais integrada e até mesmo ecológica do mundo. "A solução da crise ambiental requer um raciocínio científico diferente do que vínhamos seguindo até agora" propõe o professor José Galizia Tundizi, da Faculdade de Engenharia da USP em São Carlos, um entusiasta da nova tendência.
Tundizi procurou colocar em prática suas idéias. Naturalista de formação, mas com mestrado em Oceanografia, doutorado em Botânica e livre-docência em Ecologia de Reservatórios, está atualmente empenhado em criar o primeiro curso no Brasil de Ciências Ambientais, em nível de pós-graduação, para diplomados de áreas diferentes. Segundo Tundizi, "o uso que os seres humanos fazem da água, ar, terra e florestas está conduzindo esses sistemas a um limite além do qual sofrerão prejuízos irreversíveis .
É possível, como pensam os mais otimistas, que, se a hipótese Gaia estiver correta, os organismos vivos acabarão ajudando a Terra a suportar, mediante uma lenta sucessão de ajustes, os efeitos da crise ambiental. Resta saber se, quando a Terra finalmente se recuperar, os seres humanos ainda estarão aqui para apreciar os resultados. "Gaia não é uma mãe cegamente apaixonada por seus filhos", adverte Lovelock. "Se algum deles lhe fizer mal, ela o eliminará sem dó nem piedade.'
No Brasil, essa polêmica praticamente ainda não chegou ao conhecimento da maioria dos pesquisadores. Mas existem aqui idéias que têm muito a ver com a questão. O geofísico nuclear Ênio Bueno Pereira, especialista do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em radiatividade atmosférica, acredita que a Terra poderia semear vida em outros planetas. E pergunta: "Não seria aconselhável começarmos a estudar essa possibilidade antes de a Terra esgotar seus recursos?" Sua proposta envolve questões bem mais delicadas do que à primeira vista os admiradores de aventuras espaciais poderiam esperar.
Existem microorganismos terrestres, encontrados no continente gelado da Antártida. que talvez pudessem sobreviver em Marte. Será que, como admite a hipótese Gaia, eles poderiam se espalhar, absorver a luz solar, aquecer o gelo e mudar a composição química da atmosfera marciana? Nem Lovelock tem uma resposta segura para isso. Mas o astrônomo Enos Picazzio, do grupo de Astrofísica do Sistema Solar da Universidade de São Paulo, é categórico: "Levar qualquer tipo de vida para fora só terá validade se for reproduzido um habitat semelhante ao da Terra. Caso contrário, o resultado é imprevisível".
A idéia da interdependência dos organismos vivos com o meio ambiente tem partidários de peso. Uma adepta é a bióloga Lynn Margulis, da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, co - autora, com Lovelock, do livro Gaia-uma nova visão da vida na Terra, ainda não traduzido para o português. Ela escreveu também Microcosmos, em co - autoria com o filho Dorian Sagan, de seu casamento com o astrônomo Carl Sagan. A hipótese Gaia também agradou aos movimentos verdes e foi apropriada pela moda da New Age, uma mistura de propostas místicas com retorno à natureza, que tem se manifestado nos Estados Unidos.
Quando Lovelock formulou sua teoria pela primeira vez, foi ignorado pelas universidades. Mas isso já é história antiga. Recentemente, ele participou no Estado americano do Colorado de uma conferência da Associação Geofísica Americana, organizada especialmente para discutir a hipótese Gaia. Ali, Lovelock, junto com o climatologista Robert Charlsom da Universidade de Washington, apresentou um novo exemplo dessa ciranda vida-ambiente. Segundo afirmou, alguns tipos de plânctons sintetizam um composto químico chamado sulfeto de dimetila. O contato com o oxigênio do ar libera sulfato, uma partícula aerossol que serve como núcleo de condensação de nuvens sobre os oceanos. Como as nuvens são do tipo estratos - baixas e rasas -, não provocam chuvas, mas têm impacto sobre a temperatura da água ao refletir a radiação solar. Esse é um exemplo importante da influência dos organismos vivos sobre as nuvens. Mas daí a inferir que eles afetam a temperatura dos oceanos vai uma distância muito grande", afirma, cauteloso, o meteorologista da USP, Oswaldo Massambani, também especialista em nuvens.
Lovelock pode se orgulhar de ter conseguido uma proeza. Especialistas de várias áreas concordam em debater uma visão mais integrada e até mesmo ecológica do mundo. "A solução da crise ambiental requer um raciocínio científico diferente do que vínhamos seguindo até agora" propõe o professor José Galizia Tundizi, da Faculdade de Engenharia da USP em São Carlos, um entusiasta da nova tendência.
Tundizi procurou colocar em prática suas idéias. Naturalista de formação, mas com mestrado em Oceanografia, doutorado em Botânica e livre-docência em Ecologia de Reservatórios, está atualmente empenhado em criar o primeiro curso no Brasil de Ciências Ambientais, em nível de pós-graduação, para diplomados de áreas diferentes. Segundo Tundizi, "o uso que os seres humanos fazem da água, ar, terra e florestas está conduzindo esses sistemas a um limite além do qual sofrerão prejuízos irreversíveis .
É possível, como pensam os mais otimistas, que, se a hipótese Gaia estiver correta, os organismos vivos acabarão ajudando a Terra a suportar, mediante uma lenta sucessão de ajustes, os efeitos da crise ambiental. Resta saber se, quando a Terra finalmente se recuperar, os seres humanos ainda estarão aqui para apreciar os resultados. "Gaia não é uma mãe cegamente apaixonada por seus filhos", adverte Lovelock. "Se algum deles lhe fizer mal, ela o eliminará sem dó nem piedade.'
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