"Desculpa, não consegui"
O escritor italiano Cesare Pavese (1908-1950), 12 anos antes de se matar com barbitúricos, tinha escrito: "Ninguém nunca deixa de ter um bom motivo para o suicídio". A angústia existencial do suicida sempre vai fornecer justificativas para a sua morte. Ele sempre poderá enxergar a vida sem sentido ou ver prevalecer em si um sentimento neurótico de desvalia, derrota e de baixa auto-estima. Daí a criação de fantasias em torno da morte. Como se trata de um fenômeno pouco entendido e também considerado tabu, o suicídio geralmente é recriado de acordo com as expectativas do indivíduo. O suicida não pensa, por exemplo, que vai se decompor e virar pó.
"O suicídio é um ato de linguagem, de comunicação. Como vivemos numa rede de relacionamentos, a nossa morte significa algo para as outras pessoas", diz a psicóloga Maria Luiza Dias Garcia, coordenadora da Clínica de Psicoterapia Laços, em São Paulo, que analisou mensagens (bilhetes, cartas, gravações) deixadas por suicidas no livro Suicídio - Testemunhos do Adeus. "Constatei, pelos discursos, que o suicida está num quadro de embotamento, como se estivesse afogado nas próprias emoções. Ele não aproveita os vínculos sociais para partilhar seus sentimentos e vê o mundo de uma maneira muito própria." O suicídio, então, torna-se um meio de expressão, uma fala que não pôde ser dita.
Os especialistas costumam diferenciar as tentativas de suicídio do ato em si, uma vez que, de acordo com a intencionalidade e a letalidade, o gesto pode assumir sentidos diferentes. As tentativas de se matar são vistas como um grito por ajuda, sintoma de uma falha tanto no sistema familiar quanto no grupo social. "O indivíduo não consegue pedir socorro de outro modo, então opta por um ato extremo", diz a psicóloga Denise Gimenez Ramos, da PUC de São Paulo. "Por que ele não foi ouvido? Todos dão conselhos, mas ninguém ouve o que ele tem a dizer. Esse indivíduo, portanto, fica com a impressão de que não existe para o mundo."
Incapazes de comunicar a própria dor, os suicidas recorrem a algumas fantasias para justificar a si mesmos a autodestruição. A busca de uma outra vida é uma das mais comuns. O indivíduo enxerga no suicídio a oportunidade de interromper uma existência infeliz e recomeçar, com uma nova chance para acertar. Matar-se também pode ser um jeito de acelerar o reencontro com pessoas queridas já mortas - o pai, a avó, um amigo, o cônjuge. Outras fantasias comuns acerca do suicídio: gesto de vingança ou rebeldia, castigo e autopenitência. "A idéia da não-existência é tão insuportável que a mente humana inevitavelmente recorre às fantasias para levar adiante o projeto de auto-aniquilamento", diz Roosevelt Cassorla. Mas o indivíduo nem sempre tem acesso consciente a essas fantasias.
O psicólogo Valdemar Angerami-Camon, do Centro de Psicoterapia Existencial, chefiou por quatro anos o Serviço de Atendimento aos Casos de Urgência e Suicídio da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e constatou como tais fantasias estão presentes na mente daqueles que querem se matar. "O que me impressionava eram as pessoas que tentavam suicídio dizerem que não queriam morrer", diz Valdemar. "Como alguém tenta o suicídio e diz que não quer morrer? Na verdade, queriam acabar com uma situação de desespero. Como não conseguiam ver outra alternativa, recorriam ao suicídio. Mas, ao depararem com a possibilidade concreta da morte, percebiam que não queriam, de fato, morrer."
O psiquiatra Claudemir Rapeli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de dois extensos trabalhos sobre suicídio, também constatou esse sentimento em boa parte dos suicidas que atendeu no Hospital das Clínicas de Campinas. "O arrependimento é imediato. Reconhecem que foi uma atitude impulsiva, desesperada, ansiosa." Claudemir conta a história de um rapaz de 18 anos que tentou suicídio tomando um agrotóxico letal. (A substância provoca, em algumas semanas, uma espécie de fibrose pulmonar que impede a respiração normal e o indivíduo morre sufocado.) "Quando ele começou a sentir que não ia melhorar, que os médicos não podiam fazer mais nada, o pânico dele foi comovente", afirma. "A motivação foi banal - uma briga com a namorada por achar que ela o estava traindo. Tomou o veneno para livrar-se da rejeição, mas não queria a morte. Ele pedia a todos os médicos que não o deixassem morrer."
Você pode argumentar que muita gente se vê em situações de grande desespero ou solidão existencial e, mesmo assim, não busca o suicídio. O que faz a diferença? Na verdade, não existe uma personalidade suicida - existe, sim, uma vulnerabilidade emocional (que pode ser trabalhada com o apoio de um parente, um psicoterapeuta ou um amigo). "Quem tem uma estrutura de ego frágil pode não suportar uma grande perda ou um momento de crise e, num impulso, acaba cometendo o suicídio", diz Ingrid Esslinger. O ego se constitui a partir dos primeiros vínculos afetivos, do modo com que o bebê foi cuidado pelas figuras de apego e da educação que a criança recebeu. Um ego fraco não tolera a frustração, não tem capacidade de espera, não suporta lidar com a impotência, com os limites e com os "nãos" que a vida impõe.
O escritor italiano Cesare Pavese (1908-1950), 12 anos antes de se matar com barbitúricos, tinha escrito: "Ninguém nunca deixa de ter um bom motivo para o suicídio". A angústia existencial do suicida sempre vai fornecer justificativas para a sua morte. Ele sempre poderá enxergar a vida sem sentido ou ver prevalecer em si um sentimento neurótico de desvalia, derrota e de baixa auto-estima. Daí a criação de fantasias em torno da morte. Como se trata de um fenômeno pouco entendido e também considerado tabu, o suicídio geralmente é recriado de acordo com as expectativas do indivíduo. O suicida não pensa, por exemplo, que vai se decompor e virar pó.
"O suicídio é um ato de linguagem, de comunicação. Como vivemos numa rede de relacionamentos, a nossa morte significa algo para as outras pessoas", diz a psicóloga Maria Luiza Dias Garcia, coordenadora da Clínica de Psicoterapia Laços, em São Paulo, que analisou mensagens (bilhetes, cartas, gravações) deixadas por suicidas no livro Suicídio - Testemunhos do Adeus. "Constatei, pelos discursos, que o suicida está num quadro de embotamento, como se estivesse afogado nas próprias emoções. Ele não aproveita os vínculos sociais para partilhar seus sentimentos e vê o mundo de uma maneira muito própria." O suicídio, então, torna-se um meio de expressão, uma fala que não pôde ser dita.
Os especialistas costumam diferenciar as tentativas de suicídio do ato em si, uma vez que, de acordo com a intencionalidade e a letalidade, o gesto pode assumir sentidos diferentes. As tentativas de se matar são vistas como um grito por ajuda, sintoma de uma falha tanto no sistema familiar quanto no grupo social. "O indivíduo não consegue pedir socorro de outro modo, então opta por um ato extremo", diz a psicóloga Denise Gimenez Ramos, da PUC de São Paulo. "Por que ele não foi ouvido? Todos dão conselhos, mas ninguém ouve o que ele tem a dizer. Esse indivíduo, portanto, fica com a impressão de que não existe para o mundo."
Incapazes de comunicar a própria dor, os suicidas recorrem a algumas fantasias para justificar a si mesmos a autodestruição. A busca de uma outra vida é uma das mais comuns. O indivíduo enxerga no suicídio a oportunidade de interromper uma existência infeliz e recomeçar, com uma nova chance para acertar. Matar-se também pode ser um jeito de acelerar o reencontro com pessoas queridas já mortas - o pai, a avó, um amigo, o cônjuge. Outras fantasias comuns acerca do suicídio: gesto de vingança ou rebeldia, castigo e autopenitência. "A idéia da não-existência é tão insuportável que a mente humana inevitavelmente recorre às fantasias para levar adiante o projeto de auto-aniquilamento", diz Roosevelt Cassorla. Mas o indivíduo nem sempre tem acesso consciente a essas fantasias.
O psicólogo Valdemar Angerami-Camon, do Centro de Psicoterapia Existencial, chefiou por quatro anos o Serviço de Atendimento aos Casos de Urgência e Suicídio da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e constatou como tais fantasias estão presentes na mente daqueles que querem se matar. "O que me impressionava eram as pessoas que tentavam suicídio dizerem que não queriam morrer", diz Valdemar. "Como alguém tenta o suicídio e diz que não quer morrer? Na verdade, queriam acabar com uma situação de desespero. Como não conseguiam ver outra alternativa, recorriam ao suicídio. Mas, ao depararem com a possibilidade concreta da morte, percebiam que não queriam, de fato, morrer."
O psiquiatra Claudemir Rapeli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de dois extensos trabalhos sobre suicídio, também constatou esse sentimento em boa parte dos suicidas que atendeu no Hospital das Clínicas de Campinas. "O arrependimento é imediato. Reconhecem que foi uma atitude impulsiva, desesperada, ansiosa." Claudemir conta a história de um rapaz de 18 anos que tentou suicídio tomando um agrotóxico letal. (A substância provoca, em algumas semanas, uma espécie de fibrose pulmonar que impede a respiração normal e o indivíduo morre sufocado.) "Quando ele começou a sentir que não ia melhorar, que os médicos não podiam fazer mais nada, o pânico dele foi comovente", afirma. "A motivação foi banal - uma briga com a namorada por achar que ela o estava traindo. Tomou o veneno para livrar-se da rejeição, mas não queria a morte. Ele pedia a todos os médicos que não o deixassem morrer."
Você pode argumentar que muita gente se vê em situações de grande desespero ou solidão existencial e, mesmo assim, não busca o suicídio. O que faz a diferença? Na verdade, não existe uma personalidade suicida - existe, sim, uma vulnerabilidade emocional (que pode ser trabalhada com o apoio de um parente, um psicoterapeuta ou um amigo). "Quem tem uma estrutura de ego frágil pode não suportar uma grande perda ou um momento de crise e, num impulso, acaba cometendo o suicídio", diz Ingrid Esslinger. O ego se constitui a partir dos primeiros vínculos afetivos, do modo com que o bebê foi cuidado pelas figuras de apego e da educação que a criança recebeu. Um ego fraco não tolera a frustração, não tem capacidade de espera, não suporta lidar com a impotência, com os limites e com os "nãos" que a vida impõe.
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