Não invejo quem tem uma rotina de produção baseada em um processo mecânico, objetivamente definido, em que as entradas chegam, são modificadas de uma forma fixa e geram uma saída uniforme, que é entregue ao cliente e avaliada apenas quanto à conformidade em relação a algum padrão.
Prefiro a rotina de processos definidos mais subjetivamente, com mais espaço para a criatividade, para a aplicação diferenciada do conhecimento e que conduzem, naturalmente, a produtos que são avaliados de forma bem mais subjetiva.
Mas os integrantes do primeiro grupo contam com uma condição que muitas vezes me parece desejável: depender muito menos da inspiração, este ente difícil de definir e impossível de controlar que, quando resolve não chegar na hora em que precisamos, prejudica profundamente os resultados – e o momento no qual precisamos dela, quando nosso trabalho envolve criatividade, é sempre.
A própria definição de inspiração no dicionário demonstra claramente o seu caráter etéreo. Define o Houaiss:
espécie de alento, sopro criador que, emanado de um ser sobrenatural, levaria aos homens conselhos, sugestões; iluminação, revelação. Derivação por extensão de sentido: ação que se exerce sobre as disposições psíquicas, sobre a vontade de determinada pessoa; conselho, sugestão, influência. Derivação - sentido figurado: entusiasmo criador que anima e aumenta a criatividade de escritores, artistas, pesquisadores etc.
Como se percebe, este sopro criador que conduz a ideias e soluções inovadoras, é definido - desde a antiguidade e até hoje – como algo originado externamente. Objetivamente falando, não me faz grande diferença saber se a inspiração é mesmo um sopro externo ou é um mecanismo objetivo inconsciente, como definem psicanalistas e até mesmo algumas teorias político-econômicas – o que me importa mesmo é que preciso dela, e já vivi tempo suficiente para saber que não consigo controlá-la.
Mas eu dependo dela mesmo assim, e também já vivi tempo suficiente para saber que ela pode ser cultivada, ainda que a colheita na hora esperada permaneça sendo algo que não é garantido.
Não deixe a produtividade sufocar a sua inspiração
Se você quer sufocar a criatividade de alguém, imponha a ele um processo burocrático de registro das suas ideias, e a necessidade de registrar quantitativamente a sua produção, com uma carga diária que consuma as suas energias na execução, e não na criação.
Felizmente a inspiração até pode ocorrer numa situação como a acima (especialmente nos momentos de urgência e de crise), mas quando a atenção precisa estar constantemente fixada na execução, ela frequentemente não encontrará espaço para soprar.
Portanto, se você pretende produzir de forma inspirada, cuidado para não deixar sua rotina sobrecarregá-lo com a produção. Produtividade e eficiência são sempre importantes, mas no caso do trabalho criativo, às vezes faz sentido escolher conscientemente um número menor de compromissos e entregas, de modo a deixar espaço disponível para escrever.
Vivo isso diariamente: hoje eu escrevo para uma quantidade razoável de veículos, incluindo meus 3 blogs (o Efetividade que você está lendo, o BR-Linux.org e o BR-Mac.org) e colunas regulares para o TechTudo, o IBM developerWorks, o iMasters e a revista LinuxMagazine, fora participações ocasionais em outros projetos e... sem contar o meu emprego “tradicional” como Administrador.
Não acho essa carga excessiva, mas já faz pelo menos 5 anos que decidi ser positivo aprendendo a dizer não e assim recusar uma série de outras atividades que poderiam ser interessantes mas não contribuem para o que eu quero fazer.
Assim me sobram o tempo e a energia necessários para criar, e especialmente a consciência de que é normal passar mais tempo pensando no tema do que de fato escrevendo um artigo para algum periódico – afinal, a inspiração digita bem mais devagar do que eu.
Não bloqueie a chegada de sua matéria-prima
Dias produtivos para mim tipicamente são aqueles em que eu posso simplemente sentar em frente ao teclado e produzir o texto que preciso entregar, sem me preocupar em garimpar ideias ou temas – já chego com o texto pronto, por assim dizer, e é só uma questão de registrá-lo.
Felizmente isto acontece bastante, e não é por acaso: eu aprendi a cultivar e estimular o surgimento das ideias que me servem de matéria-prima para que elas ocorram de forma um pouco mais contínua, evitando assim aquele momento do "bloqueio da página vazia" no dia em que esgota o prazo para alguma coluna.
Claro que a minha receita não necessariamente se aplica a você, mas ela passa por 4 ingredientes principais:
- Abertura. Para você pode ser se permitir ir tomar café na esquina, e não na térmica do escritório, para poder falar com pessoas diferentes. No meu caso é meramente reconhecer como “tempo produtivo”, e não como “mera vadiagem”, o período que passo observando e interagindo on-line com outras pessoas que têm interesse nos mesmos temas que eu cubro. O que elas estão falando ou perguntando em seus blogs, no Twitter, no MSN, etc. é um material riquíssimo para identificar pautas de interesse, e muitas vezes é a síntese do interesse real do público naquele momento.
- Revistas. Assinar, comprar, folhear na banca. Não só as que são de óbvio interesse para meu tema: vocês não têm ideia de quantas vezes uma revista sobre carros ou uma matéria do futebol geraram a ideia para um post sobre produtividade ou comunicação por aqui... Quando falta ideia para um texto sobre Mac, muitas vezes acabo indo folhear alguma revista sobre camping ou sobre marcenaria (graças ao Zinio, minha fonte de revistas sobre quase qualquer tema), porque já me acostumei ao fato de que o subconsciente não precisa de informações relevantes, ele precisa é de espaço para a inspiração chegar.
- Amplitude. Entender que o tema do BR-Mac, por exemplo, não precisa ser só o que acontece nas telas dos Macs e iPads, mas inclui também tudo o mais que interessa coletivamente à maioria dos usuários de Macs e iPads – pode até ser uma dica de importar acessórios, ou sobre uma nova revista que trata do assunto. Restringir temas restringe também as ideias.
- Anotar. Quem poupa tem, e quem anota lembra. A ideia que você teve enquanto molhava as plantas e que poderia salvar a justificativa daquele projeto que será apresentado na semana que vem pode não sobreviver se você não anotá-la desde hoje, com todos os detalhes.
Além disso tudo, tem as características ambientais: o silêncio ou a música certa, a companhia ou a solitude, o conforto ou o necessário grau de desconforto que muitas vezes leva à criação artística, e tantos outros fatores que variam de pessoa para pessoa - e que você deveria tentar identificar como funcionam para você.
Como diz a música dos Titãs, as ideias estão no chão, você tropeça e acha a solução. Mas isso só acontece se você tiver tempo de caminhar, e condições de reconhecer e recolher uma boa ideia na hora em que tropeça nela!
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