A filosofia existe para que as pessoas possam viver melhor. Sofrer menos. Lidar mais serenamente com as adversidades. Enfrentar com coragem o "perpétuo vai-e-vem de elevações e quedas", para citar uma frase do romano Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), um dos grandes filósofos da Antiguidade. A missão essencial da filosofia é tornar viável a busca da felicidade. Todos os grandes pensadores sublinharam esse ponto. A filosofia que não é útil na vida prática pode ser jogada no lixo. Alguém definiu os filósofos como os amigos eternos da humanidade. Nas noites frias e escuras que enfrentamos no correr dos longos dias, eles podem iluminar e aquecer. A filosofia apóia e consola. "O ofício da filosofia é serenar as tempestades da alma", escreveu o sábio francês Montaigne (1533-1592). Numa definição magistral, Montaigne definiu a filosofia como a "ciência de viver bem".
Considere o caso do aristocrata romano Boécio (480 d.C.-524 d.C.). Boécio era rico, influente, poderoso. Era dono de uma inteligência colossal: traduziu para o latim toda a obra de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) e Platão (427 a.C. ou 428 a.C.-347 a.C.). Tudo ia bem. Até o dia em que foi acusado de traição pelo imperador e condenado à morte. Foi torturado. Recebeu a marca dos condenados à morte de então: a letra grega theta queimada na carne. Boécio recorreu à filosofia, em que era mestre, para enfrentar o suplício. Tinha na memória tudo o que lera. Naqueles dias, a elite intelectual costumava decorar os livros, lidos em voz alta desde a infância. Formava-se uma espécie de "biblioteca invisível". Entre a sentença e a morte, Boécio escreveu em condições precárias um livro que se tornaria um clássico da literatura ocidental: A Consolação da Filosofia. Tudo de que ele dispunha, para escrevê-lo, eram pequenas tábuas e estiletes. Isso lhe foi passado, para dentro da cela, por amigos. "A felicidade pode entrar em toda parte se suportarmos tudo sem queixas", escreveu ele.
A filosofia consola, mostrou em situação extrema Boécio. E ensina. E inspira. Sim, os filósofos são os eternos amigos da humanidade. Observe Demócrito (460 a.C.-370 a.C.), pensador grego do século V a.C. Ele escreveu um livro chamado Sobre o Prazer. Primeira frase do livro: "Ocupe-se de pouco para ser feliz". Ninguém com múltiplas tarefas pode aspirar à felicidade. A palavra grega para tranqüilidade da alma é euthymia. A recomendação básica de Demócrito é encontrada em muitos outros filósofos. Sobrecarregar a agenda equivale a sobrecarregar o espírito, e traz inevitavelmente angústia. Um sábio da Antiguidade não abria nenhuma correspondência depois das 4 horas da tarde. Era uma forma de não encontrar mais motivo de inquietação no resto do dia, que ele dedicava a recuperar a calma perdida ao entregar-se a seu trabalho. E nós? Quantos de nós não abrimos mensagens de trabalho no computador às vezes de madrugada? Muitas vezes o conteúdo dessa mensagem perturba o espírito. O único resultado disso é a perda de sono.
Fazemos muitas coisas desnecessárias. Coloque num papel as atividades de um dia. Depois veja o que realmente era preciso fazer e o que não era. A lista das inutilidades suplanta quase sempre a das ações imperiosas. O imperador filósofo romano Marco Aurélio (121 d.C.-180 d.C.) louvou a frase de Demócrito em suas clássicas Meditações. Acrescentou que devemos evitar não apenas os gestos inúteis, mas também os pensamentos desnecessários. Marco Aurélio recomendava o exercício de conduzir a mente, quando agitada, para pensamentos aquietadores. O objetivo: controlarmos a mente, esse cavalo selvagem, em vez de sermos controlados por ela. Está aborrecido com algum fato? Experimente concentrar sua mente s em algo que traga paz. Uma paisagem linda. Uma pessoa querida. Uma cena alegre. Não conseguiu ainda? Esforce-se. Persevere. Sêneca usou as expressões "agitação estéril" e "preguiça agitada" ao tratar dos atos que nos trazem apenas desassossego. "É preciso livrar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens", escreveu Sêneca. "Eles vagam ao acaso, mendigando ocupações. Suas saídas absurdas e inúteis lembram as idas e vindas das formigas ao longo das árvores, quando elas sobem até o alto do tronco e tornam a descer até embaixo, para nada. Quantas pessoas levam uma existência semelhante, que se chamaria com justiça de preguiça agitada?"
Outro ponto essencial recomendado pelos filósofos para a vida feliz é aceitar os tropeços. Até porque são inevitáveis. É o maior ensinamento do filósofo Zenão (333 a.C.-264 a.C.) e seus discípulos. Nascido na Ilha de Chipre, filho de pais ricos, Zenão fundou em Atenas uma escola de filosofia cujos fundamentos influenciaram a doutrina cristã: o estoicismo. Tão forte é a filosofia estóica que "estóico" virou sinônimo de bravura na adversidade. Segundo o mais admirado dicionário de inglês, o Oxford, estóico é quem se porta com serenidade diante do revés ou do triunfo. Nem vibra na vitória e nem se deprime na derrota. Equilíbrio. Calma. Serenidade. Quando você está em alta ou quando você está em baixa. Um torcedor de futebol, por exemplo. Se ele explode de alegria quando seu time vence, vai inevitavelmente descer aos abismos da depressão quando seu time é batido. Nada bom, num caso ou no outro, para a sonhada euthymia.
Zenão perdeu todo o seu patrimônio num naufrágio. Seu comentário ao receber a informação: "O destino queria que eu filosofasse mais desembaraçadamente". O nome da escola deriva da palavra grega stoa, pórtico. Zenão, alto, magro, o pescoço ligeiramente inclinado, pregava suas idéias num pórtico erguido pelos atenienses para celebrar a vitória na guerra sobre os persas. Esse pórtico era colorido com imagens de gregos derrotando os bárbaros. Na Atenas de então, era comum discutir filosofia em locais públicos, mas a escolha do pórtico por Zenão parece carregada de simbolismo: o triunfo da sabedoria sobre a brutalidade.
O estoicismo defendia uma vida de acordo com a natureza. Simplicidade no vestuário, na comida, nas palavras, no estilo de vida. E a aceitação de tudo o que possa ocorrer de ruim. Agastar-se contra as circunstâncias apenas piora o estado de espírito da pessoa: essa a lógica da aceitação, ou resignação, que viria a ser um dos pilares do cristianismo. O lema estóico: abstenha-se e aceite. O apreço pela vida de acordo com a natureza Zenão aprendeu com seu mestre em filosofia, Crates (368 a.C.-288 a.C.). Crates era da escola cínica. Os cínicos defendiam a simplicidade tanto quanto os estóicos, e não é difícil entender por que a posteridade ignorante lhes atribuiu um sentido pejorativo: é que eles eram extraordinariamente irreverentes. O mais notável filósofo cínico, Diógenes (413 a.C.-323 a.C.), certa vez se masturbou em público. Explicou aos que o interpelavam: "Gostaria de saciar minha fome esfregando o estômago".
Considere o caso do aristocrata romano Boécio (480 d.C.-524 d.C.). Boécio era rico, influente, poderoso. Era dono de uma inteligência colossal: traduziu para o latim toda a obra de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) e Platão (427 a.C. ou 428 a.C.-347 a.C.). Tudo ia bem. Até o dia em que foi acusado de traição pelo imperador e condenado à morte. Foi torturado. Recebeu a marca dos condenados à morte de então: a letra grega theta queimada na carne. Boécio recorreu à filosofia, em que era mestre, para enfrentar o suplício. Tinha na memória tudo o que lera. Naqueles dias, a elite intelectual costumava decorar os livros, lidos em voz alta desde a infância. Formava-se uma espécie de "biblioteca invisível". Entre a sentença e a morte, Boécio escreveu em condições precárias um livro que se tornaria um clássico da literatura ocidental: A Consolação da Filosofia. Tudo de que ele dispunha, para escrevê-lo, eram pequenas tábuas e estiletes. Isso lhe foi passado, para dentro da cela, por amigos. "A felicidade pode entrar em toda parte se suportarmos tudo sem queixas", escreveu ele.
A filosofia consola, mostrou em situação extrema Boécio. E ensina. E inspira. Sim, os filósofos são os eternos amigos da humanidade. Observe Demócrito (460 a.C.-370 a.C.), pensador grego do século V a.C. Ele escreveu um livro chamado Sobre o Prazer. Primeira frase do livro: "Ocupe-se de pouco para ser feliz". Ninguém com múltiplas tarefas pode aspirar à felicidade. A palavra grega para tranqüilidade da alma é euthymia. A recomendação básica de Demócrito é encontrada em muitos outros filósofos. Sobrecarregar a agenda equivale a sobrecarregar o espírito, e traz inevitavelmente angústia. Um sábio da Antiguidade não abria nenhuma correspondência depois das 4 horas da tarde. Era uma forma de não encontrar mais motivo de inquietação no resto do dia, que ele dedicava a recuperar a calma perdida ao entregar-se a seu trabalho. E nós? Quantos de nós não abrimos mensagens de trabalho no computador às vezes de madrugada? Muitas vezes o conteúdo dessa mensagem perturba o espírito. O único resultado disso é a perda de sono.
Fazemos muitas coisas desnecessárias. Coloque num papel as atividades de um dia. Depois veja o que realmente era preciso fazer e o que não era. A lista das inutilidades suplanta quase sempre a das ações imperiosas. O imperador filósofo romano Marco Aurélio (121 d.C.-180 d.C.) louvou a frase de Demócrito em suas clássicas Meditações. Acrescentou que devemos evitar não apenas os gestos inúteis, mas também os pensamentos desnecessários. Marco Aurélio recomendava o exercício de conduzir a mente, quando agitada, para pensamentos aquietadores. O objetivo: controlarmos a mente, esse cavalo selvagem, em vez de sermos controlados por ela. Está aborrecido com algum fato? Experimente concentrar sua mente s em algo que traga paz. Uma paisagem linda. Uma pessoa querida. Uma cena alegre. Não conseguiu ainda? Esforce-se. Persevere. Sêneca usou as expressões "agitação estéril" e "preguiça agitada" ao tratar dos atos que nos trazem apenas desassossego. "É preciso livrar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens", escreveu Sêneca. "Eles vagam ao acaso, mendigando ocupações. Suas saídas absurdas e inúteis lembram as idas e vindas das formigas ao longo das árvores, quando elas sobem até o alto do tronco e tornam a descer até embaixo, para nada. Quantas pessoas levam uma existência semelhante, que se chamaria com justiça de preguiça agitada?"
Outro ponto essencial recomendado pelos filósofos para a vida feliz é aceitar os tropeços. Até porque são inevitáveis. É o maior ensinamento do filósofo Zenão (333 a.C.-264 a.C.) e seus discípulos. Nascido na Ilha de Chipre, filho de pais ricos, Zenão fundou em Atenas uma escola de filosofia cujos fundamentos influenciaram a doutrina cristã: o estoicismo. Tão forte é a filosofia estóica que "estóico" virou sinônimo de bravura na adversidade. Segundo o mais admirado dicionário de inglês, o Oxford, estóico é quem se porta com serenidade diante do revés ou do triunfo. Nem vibra na vitória e nem se deprime na derrota. Equilíbrio. Calma. Serenidade. Quando você está em alta ou quando você está em baixa. Um torcedor de futebol, por exemplo. Se ele explode de alegria quando seu time vence, vai inevitavelmente descer aos abismos da depressão quando seu time é batido. Nada bom, num caso ou no outro, para a sonhada euthymia.
Zenão perdeu todo o seu patrimônio num naufrágio. Seu comentário ao receber a informação: "O destino queria que eu filosofasse mais desembaraçadamente". O nome da escola deriva da palavra grega stoa, pórtico. Zenão, alto, magro, o pescoço ligeiramente inclinado, pregava suas idéias num pórtico erguido pelos atenienses para celebrar a vitória na guerra sobre os persas. Esse pórtico era colorido com imagens de gregos derrotando os bárbaros. Na Atenas de então, era comum discutir filosofia em locais públicos, mas a escolha do pórtico por Zenão parece carregada de simbolismo: o triunfo da sabedoria sobre a brutalidade.
O estoicismo defendia uma vida de acordo com a natureza. Simplicidade no vestuário, na comida, nas palavras, no estilo de vida. E a aceitação de tudo o que possa ocorrer de ruim. Agastar-se contra as circunstâncias apenas piora o estado de espírito da pessoa: essa a lógica da aceitação, ou resignação, que viria a ser um dos pilares do cristianismo. O lema estóico: abstenha-se e aceite. O apreço pela vida de acordo com a natureza Zenão aprendeu com seu mestre em filosofia, Crates (368 a.C.-288 a.C.). Crates era da escola cínica. Os cínicos defendiam a simplicidade tanto quanto os estóicos, e não é difícil entender por que a posteridade ignorante lhes atribuiu um sentido pejorativo: é que eles eram extraordinariamente irreverentes. O mais notável filósofo cínico, Diógenes (413 a.C.-323 a.C.), certa vez se masturbou em público. Explicou aos que o interpelavam: "Gostaria de saciar minha fome esfregando o estômago".
Comentários