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Entrevista concedida a Veja (22/11/1995),no momento em que o governo americano movia processo de formação de monopólio contra a Microsoft. - Parte 1

Veja - Dentro de alguns dias o computador pessoal, o PC, será a mais extraordinária máquina do século passado. A era do computador pessoal está no fim?
GATES - O motor da indústria de computadores sempre foi a reinvenção, a transformação de velhas abordagens em idéias novas. Fazemos isso desde o ano zero de criação do PC. Esperar algo mágico de uma simples virada de página do calendário, uma coisa totalmente arbitrária, é inconseqüente. Avanços revolucionários marcaram a
indústria nos anos ímpares e pares e não apenas naqueles terminados em números redondos. Independentemente dos dígitos que identificam o ano em que estamos, a internet vai continuar sua expansão fenomenal. A próxima década será muito, muito interessante e continuaria sendo tão vibrante mesmo que não estivéssemos às portas do ano 2000.

Veja - O senhor não acha que boa parte dos compradores de computadores pessoais subutilizam seus aparelhos?
GATES - Não acredito. A maioria dos usuários está se beneficiando grandemente do uso dos computadores pessoais. As possibilidades gráficas, a capacidade de armazenamento de dados, a riqueza dos programas e a conexão com a internet impulsionam a indústria de PC de um modo formidável. A maneira como o Windows
resolveu os grandes problemas de utilização dos computadores pessoais certamente será lembrada como um avanço histórico. Claro que o PC ainda exige certo domínio de operações muito complexas e há queixas e frustrações de pessoas que simplesmente não conseguem tirar da máquina tudo que gostariam. Elas têm de aprender comandos e, às vezes, são surpreendidas por inesperadas mensagens de erros. O Windows 2000 vai
eliminar um bocado dessas coisas negativas. Vamos simplificar as experiências das pessoas com o software e livrá-las dos incômodos mais comuns, como os congelamentos do computador. Não vejo motivo para pessimismo quanto ao futuro da indústria de computadores pessoais. Desculpe-me, mas essa história da chegada de uma era pós-PC, do triunfo no mercado dos aparelhos não-PC, parece-me muito mais uma
denominação criada por jornalistas do que um reflexo fiel do que está ocorrendo na realidade.

Veja - Não me parece que tudo seja apenas uma questão de nomenclatura...
GATES - Bem, eu vou continuar chamando de PC aquele aparelho de tela grande que as pessoas têm em casa e os funcionários das empresas utilizam para realizar seu trabalho. O que se está dizendo é que esses aparelhos de tela grande vão acabar? Sinceramente, não entendo o que querem dizer quando falam no fim da era do PC. O computador pessoal é o produto que sofreu as mutações mais rápidas que o mundo já viu. A
questão é se ele vai continuar mudando. A resposta é sim. Agora, se as pessoas quiserem dar um nome novo para esse aparelho, tudo bem, mas é uma distinção um tanto tola. As vendas de computadores têm aumentado bastante e temos de ter em mente que quase todas as novas idéias tecnológicas que estão surgindo exigem que as pessoas tenham PCs poderosos em casa e máquinas sólidas estáveis sustentando o tráfego nas redes. Não fica de pé a idéia de que as pessoas vão prescindir da capacidade de processamento e de armazenamento de seus computadores e usar terminais burros ligados à internet. Ocasionalmente, as pessoas vão mesmo buscar um programa na internet e utilizá-lo apenas por algum tempo, em vez de ir à loja e comprar o produto
numa caixa. A Microsoft terá um serviço assim.

Veja - O senhor acha justo dizer que está aí uma idéia que Bill Gates copiou de empresas pioneiras em vender software pela internet?
GATES - De maneira alguma. Não existem idéias novas de como utilizar a rede. Isso tudo já era sabido nos anos 70. Apenas não era economicamente viável. A internet foi crescendo e, de repente, boom!, descobrimos que tinha massa crítica suficiente para ser utilizada como canal de distribuição de programas comerciais. Tudo isso tem suas raízes no passado, no tempo em que os computadores eram tão caros que vários usuários eram
obrigados a compartilhar a mesma máquina. Por essa razão, se alguém lhe disser que inventou algo muito novo na área da ciência da computação, desconfie. Toda idéia brilhante de hoje já foi uma idéia impraticável no passado. Quando nós criamos a Microsoft, há 25 anos, as pessoas riam de nós. Todo mundo da indústria achava impraticável que as pessoas pudessem ter computadores individuais com um razoável poder de processamento. Mas os tempos são outros e o computador pessoal é apenas parte do cenário de nossas possibilidades como empresa. O PC não é a única coisa que nos move.

Veja - O senhor está dizendo que a Microsoft sobreviverá à era PC?
GATES - Lá vem você de novo com esse conceito vago. Haverá nas casas do futuro diversos aparelhos eletrônicos para fazer conexão com a internet. Mas sempre haverá nas casas e nos escritórios um aparelho principal que podem chamar do que bem entenderem, mas para mim ele será um PC. O teclado poderá ter sido abolido pelo uso das tecnologias de reconhecimento de voz e de caligrafia. Provavelmente o aparelho não terá mais aquele monitor grande e desengonçado de raios catódicos. Ele terá sido substituído por uma tela plana de cristal líquido. Mesmo o disquete deverá ter desaparecido por causa da facilidade de estocar e recuperar dados de algum site da internet. Mas aposto que essa máquina terá capacidade de processamento e vai rodar
programas poderosos como os que produzimos. Certamente não existirá, nos próximos trinta anos, uma barreira capaz de impedir o desenvolvimento dos PCs, seja ela econômica, seja tecnológica.

Veja - Para muita gente, a definição de PC é uma máquina que leva uma eternidade para começar a funcionar e apenas um átimo para congelar. O PC do futuro se livrará desses pecados originais?
GATES - Sistemas operacionais mais avançados como o Windows 2000 vão acabar com o congelamento das máquinas. Mas vamos conviver ainda uns cinco anos com os discos rígidos. São eles os responsáveis pelo tempo de inicialização de um computador. O disco precisa ser ligado e começar a girar para que o PC funcione. Não vejo nenhuma tecnologia economicamente viável de substituição do disco para uso imediato. Na verdade, as pessoas não estão muito incomodadas com isso. Os consumidores têm consistentemente escolhido comprar computadores com discos, preferindo-os aos de inicialização instantânea, que já vêm com programas pré-instalados.

Veja - O senhor costuma dizer que há sempre o perigo de que um garoto numa garagem esteja inventando algo que vai tornar a Microsoft obsoleta. O sistema operacional Linux, que é eficiente e gratuito, pode ser essa ameaça?
GATES - Não. Acho um erro desprezar qualquer concorrente, mas o Linux não ameaça justamente porque não existe apenas um Linux. O ponto mais forte do Windows foi sempre ter sido único. Hoje existem milhares de versões do sistema Linux. Todo mundo acha que pode fazer sua própria versão. Isso gera incompatibilidades que assustam os usuários. Brincar com o código-fonte de sistemas operacionais é divertido para hackers e programadores, mas não para a maioria das pessoas.

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