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De Bob Dylan a Shakira, saiba por que chegou a hora de vender as suas músicas

 “Só Hoje”, do Jota Quest, foi uma das 150 música que mais arrecadaram direitos autorais vindos do Spotify nos últimos três anos. A faixa saiu em 2002 e, mesmo sem ser relançada, passou a render um dinheiro extra para a banda mineira, agora que o streaming vem se estabelecendo como a principal via para consumo de música no mundo.

Esse movimento, de músicas antigas que são tão consumidas quanto as atuais, tem impulsionado uma nova tendência entre compositores de hits —a venda dos próprios catálogos, ou valores a que têm direito a receber por sua autoria. Nos últimos meses, uma série de artistas ao redor do mundo anunciou que concederam parte ou a totalidade do copyright de suas músicas para empresas.

Bob Dylan vendeu todas as suas mais de 600 canções para a Universal, maior gravadora do mundo, por cerca de US$ 300 milhões, ou R$ 1,5 bilhão. Este é possivelmente o acordo de direitos autorais mais lucrativo da história.

Mas a maioria das grandes negociações recentes envolve a empresa de investimentos britânica Hipgnosis, que já gastou quase US$ 1 bilhão comprando os direitos de mais de 13 mil canções, de Beyoncé a Blondie. Foi a Hipgnosis que comprou metade do catálogo de Neil Young e há pouco também fez negócios com o renomado produtor Jimmy Iovine, além de Shakira e do produtor Bob Rock —do álbum preto do Metallica.

Stevie Nicks, Lindsay Buckingham e Mick Fleetwood, todos do Fleetwood Mac, também venderam seus direitos. "Dreams", hit da banda dos anos 1970, foi uma das músicas mais tocadas no ano passado, depois de ganhar nova vida no TikTok.

Merck Mercuriadis, que foi empresário de Beyoncé, Iron Maiden e Elton John, é quem está por trás da Hipgnosis. “Certas canções são previsíveis e confiáveis no que diz respeito à quantidade de plays que elas recebem”, ele disse ao jornal britânico The Guardian. “Quando digo que é melhor que ouro ou petróleo, é porque não tem relação com o que acontece no mercado.”

Músicas conhecidas podem gerar receitas por décadas, agora que continuarão tocando no streaming, além de serem usadas em comerciais e filmes e tocar no rádio e nos shows. Essa previsibilidade é o que torna o investimento atraente, diz Arthur Farache, CEO da empresa Hurst Capital, plataforma brasileira de investimentos em ativos alternativos.

“É um negócio resiliente. Arrecadação depende de quantas vezes a música é ouvida. Isso não depende da Bolsa. Se tiver um problema, aumentar ou abaixar a taxa de juros, ou o Trump brigando com a China, não interessa. As pessoas continuam ouvindo música.”

Além disso, Farache diz que a confiabilidade do sistema de arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil o motivou a entrar no negócio. “A gente tem um dos sistemas mais avançados do mundo em relação a isso.”

A ideia de negociar direitos não é nova. Nos anos 1990, David Bowie já havia vendido os lucros futuros de parte do seu catálogo a investidores públicos. Mas a principal razão da valorização desse tipo de negócio é a ascensão do streaming ao longo da última década. Isso fez o valor de mercado da música gravada disparar nos últimos anos.

“As plataformas de streaming fizeram com que a indústria fonográfica, de música gravada, voltasse a render dinheiro”, diz Farache. “E hoje ela depende muito menos das grandes gravadoras. Você consegue ter um pequeno selo ou ser um artista independente e distribuir seu conteúdo. A tendência do streaming é crescer oito vezes até 2040.”

A Hurst existe desde 2017, mas começou a fazer operações envolvendo direitos de músicas no fim de 2019. Desde então, já adquiriu direitos de gente como Paulo Ricardo, autor de diversos hits dos anos 1980 com o RPM, e Philipe Pancadinha, compositor de sucessos contemporâneos, como “Largado às Traças” e “Bebi Liguei”.

Pancadinha, que antes de despontar como compositor trabalhou como vigilante armado e porteiro, diz que o brasileiro é “atrasado nas novidades”, mas também um “povo apaixonado por música”.

“Uma venda de catálogo, como qualquer negócio, pode ser lucrativo ou não, depende dos termos e condições que são acordados. É uma resposta muito particular para cada compositor, mas a minha recomendação é que busquem profissionais com experiência nesse mercado”, ele diz.

Pancadinha considera que mesmo compositores que não têm hits no currículo podem fazer acordos de cessão de direitos, mas uma avaliação do catálogo é essencial para não sair em desvantagem numa negociação. “É importante o compositor saber avaliar qual parte de suas músicas deseja negociar a cada momento.”

Essas empresas adquirem os direitos de obra —a composição— e do fonograma —a música gravada— por determinados períodos de tempo. As canções rendem quando tocadas no streaming, em shows, no rádio e na TV, com o dinheiro arrecadado e distribuído pelo Ecad.

Os sócios que investem na Hurst podem ter um retorno líquido de até 15% ao ano, diz a empresa. Já o artista recebe adiantamentos, que podem ser revertidos em investimento na própria carreira.

O direito sobre a obra, que é intransferível, permite aos compositores continuarem tendo decisão sobre como essas obras serão usadas. Dessa forma, essas empresas acabam funcionando quase como gravadoras. Com a diferença de que não há interferência na parte artística, de criação.

​A empresa tem interesse em investir em marketing digital, organizar os catálogos e fazer com que continuem rendendo. “É um trabalho de sócio, trazendo coisas que vão ajudar a aumentar a arrecadação, sem se meter na parte artística”, diz Farache.

Um levantamento do Ecad, órgão responsável pela arrecadação de direitos autorais no país, mostra que, só no Spotify, diversas músicas antigas estão entre as que mais renderam direitos. Faixas como” Sweet Child O’ Mine”, hit de 1987 do Guns N’ Roses, e “Irreplaceable”, que Beyoncé lançou em 2009, são exemplos. No Brasil, além do Jota Quest, a lista está cheia de canções de Legião Urbana e Charlie Brown Jr., bandas que não existem mais.

Para artistas que estão em vias de se aposentar, a venda de royalties pode fazer com que o legado —as obras— rendam ainda mais para as próximas gerações. E ela também tem se mostrado atraente para veteranos que podem retrabalhar um catálogo de hits.

Mas Farache, da Hurst, alerta que “não se trata de uma corrida de cem metros —é uma construção”. Ou seja, os acordos não são certeza de lucros maiores e exigem um trabalho a longo prazo dos artistas ou de quem administra os catálogos.

“Provavelmente, a primeira operação não é tão barata, mas, quando o artista cria um público de investidores —que podem ou não ser fãs—, elas ficam bem mais baratas. O artista trabalha o catálogo, gravando um ‘acústico’ ou saindo numa nova turnê. Esses são projetos que a gente consegue financiar. Assim, eles conseguem construir um público cativo.”

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