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'Tem final feliz?' Na fronteira entre o sexo e a massagem em São Paulo

 Num dia com agenda cheia, Mauro Guimarães segue um ritual. Acorda cedo, toma um café bem reforçado e parte para a limpeza energética: acende um palo santo e troca as pedras pretas energizantes repousadas numa cama de sal grosso nos quatro cantos da sala. Tudo para que as energias negativas não se acumulem no pequeno apartamento no edifício Copan, no centro de São Paulo.

Descalço e vestido de branco, ele afasta os móveis da sala, abre uma maca e estende por cima uma canga de praia com estampa do calçadão de Copacabana. Pega o celular e digita no YouTube "música xamânica". O som etéreo de uma flauta toma o ambiente, iluminado apenas por um pequeno abajur. Tão logo o ritual é concluído, a campainha toca.

O cliente da vez tem 20 e poucos anos. Deixa o tênis na entrada, tira a máscara e passa os olhos por toda a casa. Assim como muitos que entram naquele espaço, o rosto não esconde o acanhamento. "Eles sempre chegam tímidos e às vezes já com o 'negócio' duro'", Mauro me diz, mais tarde. Para quebrar o gelo, ele dá um abraço apertado e engata uma conversa descontraída sobre trabalho, pandemia e casamento.

Tudo fora combinado por WhatsApp horas antes. Na tabela dos serviços ali prestados, o rapaz escolhe uma massagem relaxante, um pouco de técnicas tântricas e "um final feliz". Ele então tira toda a roupa e deita de bruços sobre a maca. Mauro esfrega as mãos para a energia fluir, lambuza os dedos com um óleo essencial e começa a massagear as plantas dos pés, em busca dos chacras abertos. "Vamos relaxar agora", orienta com a voz grossa.

As mãos sobem pela perna, panturrilhas, glúteos e costas. Mauro então tira a camiseta e faz uma massagem com o próprio corpo. Nada é falado, mas o som da flauta se mistura a sussurros e gemidos. É chegada a hora da massagem lingam, que significa "bastão de sustentação" em sânscrito. Não é eufemismo. A técnica é utilizada especialmente no pênis. "É como amassar um pão", diz Mauro. "Serve para seu corpo expulsar energia. É um orgasmo seco." O que rola nos 20 minutos finais nada tem a ver com o que é ensinado nos cursos de massoterapia ou de tantra: Mauro e o cliente começam a transar. "A massagem é terapêutica, mas, para muitos deles, o sexo também é", Mauro resume.

Acabada a relação, o massagista coloca uma mão na cabeça do rapaz e mantém a outra no peito ainda ofegante. Em seguida, elas deslizam pelo corpo como se puxasse a energia acumulada para os pés. "Pronto", diz, suado.

O feedback veio por mensagem: o cliente disse que chegou em casa "flutuando", mas com ânsia de vômito. Mauro explica que é normal, e que ele mesmo passou mal na madrugada. "As energias entram no corpo como processo de cura e essa troca foi muito forte dessa vez", diz.

Craque de atendimento

O mato-grossense Mauro tem 47 anos e há 10 trabalha como massoterapeuta profissional. Foi a escolha que fez após tentar a vida como figurante em novelas como "A Favorita" (Rede Globo) e "Os Mutantes" (TV Record) e fazer bicos como garçom. "Sou craque em atender clientes", ele diz, com sorriso escondido pela máscara preta com o símbolo da Audi.

Os primeiros três anos na profissão foram levados a sério. Mantinha duas salas de estética e oferecia massagens relaxantes e depilação para homens e mulheres — "mas todos me perguntavam na hora o que rolava a mais no final", conta. Um dia, cedeu às investidas de um rapaz. "É aquele ditado: ou eu fazia ou a pessoa que estava na mesma área ia topar e eu ia perder o cliente", diz.

Com os cabelos penteados para trás e tufos de pelos do peito à mostra na regata cavada, ele conta que viu o fluxo de caixa aumentar e decidiu deixar os serviços de estética de lado. A pandemia diminuiu a frequência de atendimento, mas, num dia bom, ele diz atender até dez clientes, o que lhe rende quase R$ 10 mil por mês. Louros colhidos pelo profissionalismo, mas mais pelos músculos definidos. "Os homens têm um fetiche e, em São Paulo, o que vale é o corpo, não importa o que você faça", diz.

Os amigos massoterapeutas que antes o criticavam pela "finalização" hoje pedem dicas. Ele reconhece a especialização. "Sou profissional da massagem, amo que eu faço, mas hoje sou basicamente um puto."

Em busca do final feliz

Há tempos o sexo tem servido como bônus em muitos serviços de estética e bem-estar. Há até cabeleireiros e barbeiros que atendem como vieram ao mundo com a promessa de um novo visual — e outro "trato" depois do corte.

Na massagem, isso não é nada novo, mas cada vez mais, massoterapeutas e garotos de programa oferecem momentos de relaxamento para homens em aplicativos de paquera, pegação e em sites pornôs.

O produtor de conteúdo Guilherme*, 34, é um desses clientes. Ele conta que procurou por um "final feliz" quando terminou o casamento. "Eu achava que um profissional do sexo comum soava impessoal. Pra mim, pega num outro lugar de excitação. Na massagem, mesmo pagando, e com o foco de gozar no final, o contato e a relação não me soavam dessa forma", diz.

Nos últimos meses, decidiu buscar massoterapeutas sem nenhuma abordagem erótica em clínicas especializadas. Na última sessão, porém, se surpreendeu. "Comentei que estava com a autoestima meio abalada, me cuidando pouco, e no meio da massagem percebi uma aproximação mais íntima dele", diz. "Fiquei muito nervoso, não esperava aquilo num lugar sério, não estava ali pra isso", diz.

Técnica mais difundida entre esses profissionais, o tantra é um conjunto de conhecimentos de origem oriental. A massagem não é a única abordagem terapêutica, há também meditações e outros estímulos sensoriais, mas as portas, sobretudo no Ocidente, foram abertas na esteira da popularização do Kama Sutra (texto indiano sobre comportamento sexual), e pelo trabalho do psicanalista Wilhelm Reich na chamada terapia do orgasmo — o que o fez ser preso nos Estados Unidos por suspeita de promover atividades sexuais ilícitas.

O psicoterapeuta tântrico Julio Filgueira afirma que o sexo é uma das abordagens possíveis, e que não vê com maus olhos o uso dessas ferramentas por profissionais do sexo, mas é categórico: "Massagem tântrica não é sexo".

Filgueira é coordenador-geral da Abratantra (Associação Brasileira de Terapeutas Tântricas e Tântricos), a primeira do tipo no Brasil, que busca criar um código de conduta numa ocupação que nunca foi regulamentada. As orientações são claras: não há nudez do terapeuta e todo atendimento deve ser feito com luvas, seguindo um protocolo de relação "impessoal". A organização não incentiva atendimentos durante a pandemia. "Mas o fenômeno existe e está dado", ele observa.

"O que a gente mais ouve, quando nos consultam, é se tem 'final feliz' ou não. Para nós, isso é uma fronteira que não pode ser ultrapassada, sob pena de que o próprio profissional não se dê conta que a pessoa está numa condição de fragilidade psíquica, e que é muito simples manipular a coisa."

É permitido tocar

"Hoje o tantra está banalizado", diz o pernambucano Cristiano Lima, 34. "Em todo beco ou aplicativo tem massagista." De barba e corpo malhado, ele mantém há dois anos o Estúdio Lingam, anexo a seu apartamento no bairro da Bela Vista, no centro de São Paulo, com uma proposta erótica em que usa elementos do tantra, da massagem body to body (corpo a corpo) e técnicas aprendidas durante uma experiência em Londres, numa agência que usava a massagem para atender casais endinheirados.

Na época, ele era um mero cleaner (faxineiro) quando ouviu do dono da agência que "aquele corpo" tinha potencial. "O físico conta muito. Na proposta do mercado, o cliente vai escolher o gordo ou o malhado?", ele me pergunta. "A eroticidade é basicamente trazer você para aquele padrão de beleza."

Esse contato acontece numa sala decorada apenas com uma estátua do buda, algumas plumas e pequenas velas dentro de copos d'água. A maioria dos clientes são homens casados, entre 40 e 80 anos. Todos buscam discrição. "Meu público-alvo esteticamente não me interessa, mas eu me excito também. Não é apetite sexual, é a conexão para que você execute bem a técnica."

Não há um dia em que ele não receba contatos perguntando se tem "algo a mais" no pacote. Nestes casos, ele tenta convencer que tem uma proposta melhor. "É como se eu conduzisse a própria pessoa a fazer sexo com ela mesma, eu sou apenas um condutor. Às vezes, me sinto um Superman", diz.

Nu e no comando, Cristiano diz que o toque é permitido e incentivado, mas sem beijo, penetração ou sexo oral. Quando isso acontece, ele interrompe o processo: "Você quebrou as regras. A sessão acabou". Não que ele não tenha tido relação sexual com algum cliente que o interessava. "Mas aí a gente marcou um café depois, não usamos aquele espaço e aquele ritual. Não tem fundamento."

Há quase dois meses em São Paulo, Mauro recusou ofertas para trabalhar como cabeleireiro e massoterapeuta em uma clínica. Preferiu investir no seu combo relaxante — que ele também divulga no site OnlyFans.

Para ele, o apelo está na dificuldade de muitos homens não se tocarem e investigarem o próprio corpo. "Eles querem experimentar a pegada forte de um homem másculo no corpo deles. Eles têm tanto prazer que muitos não conseguem nem terminar a parte da massagem ou já querem pular para a parte final", observa.

Após garantir um bom desfecho para os clientes, Mauro diz ficar com o corpo destruído por sugar tantas energias diferentes. "Mas fazer o quê? Todo mundo quer relaxar no final."

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