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'Traficrentes', reis de morros e carta branca para matar: sociólogo avalia violência no Rio

 Eu entrevistava matadores quando comecei a pesquisar. É muito delicado perguntar para o criminoso sobre os próprios crimes. Você sempre precisa ter uma relação de muita confiança, e nem sempre você consegue. Eu fiquei muito impactado com os matadores que faziam chacinas. Na época, São Paulo tinha cem chacinas por ano. Os autores de chacinas falavam de uma forma supernatural dos homicídios que praticavam, às vezes 30, 40. Eles diziam que todos mereciam morrer, pois nunca mataram nenhum inocente. Essa convicção de que alguns mereciam morrer produzia ciclos de vingança. Eu achava que isso não ia ter fim. Mas os evangélicos iam no âmago da história.

A partir do momento que você ingressa nessa cena do crime, começa a romper seus laços sociais. Você passa a viver numa solidão tremenda, porque abandona os seus familiares, amigos, e passa a ter só seus aliados, com quem terá conflitos e sentirá medo, paranoia, pois eles podem te matar. É uma solidão absurda. E há um vazio imenso, porque é uma vida que não faz sentido. Você entra nela achando que vai responder ao sistema que estava te humilhando, desacreditando de você, da sua masculinidade. Vai mostrar que é homem, não vai baixar a cabeça para o sistema. Quando você começa a entrar nesse buraco e viver sozinho, com todo mundo querendo te matar, percebe que sua vida não faz sentido, que está sofrendo à toa e por nada. Era muito evidente para mim esse fundo de poço que as pessoas entram no mundo do crime.

E sempre me tocou muito essa capacidade de reformatação das mentes, de resgatar as pessoas e criar uma nova identidade, uma nova autoestima. A pessoa começa a se perdoar pelos erros do passado, perdoar as pessoas que brigaram com ela e a admitir que se arrependeu, não quer aquela vida nunca mais e vai se dedicar a uma nova vida de amor ao próximo, com novas crenças, a partir da Bíblia. Era a única saída que os caras tinham, e eles abraçavam. Tinha toda uma tecnologia de discurso, signos e símbolos que permitiam esse resgate. Eu sempre vi a igreja com muito respeito, porque eu testemunhava essa capacidade de transformar. Pelo diálogo, vão no âmago da coisa e oferecem uma oportunidade, uma boia de salvação que as pessoas abraçam e se transformam.

Como você avalia o papel social desempenhado pelas igrejas nas periferias?

Nós imaginávamos que iríamos educar os pobres de cima para baixo, quando estávamos discutindo a Nova República e a criação de um Estado social-democrata, para alcançar uma sociedade mais justa e civilizada —transformar o Brasil numa Coreia do Sul, com boas escolas, ou numa Dinamarca. Ou seja, mudar de cima para baixo, por uma organização estatal. Não foi isso que aconteceu. Os pobres começaram a inventar essas soluções para se integrar e mudar as vidas deles próprios. Na verdade, eram soluções para a miséria que eles vivenciavam. A linguagem era deles, os instrumentos eram deles. Essas soluções, tanto nas igrejas quanto nas facções, atingiram uma profissionalização. Essa integração foi um ajuste de vida para uma sociedade em que ter dinheiro é importante.

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